Em O Atlas dos Pássaros, o inimigo é a fortuna

Imagem retangular retirada do filme O Atlas dos Pássaros. Nela, vemos, no canto superior esquerdo, Ivan Rona, um homem branco, idoso, com cabelos brancos e barba feita. Ele veste uma camisa social branca, uma calça social e sapatos pretos. Ele olha, de dentro de uma sala com paredes de vidro, o lado de fora. Lá, tem-se a visão de uma grande fábrica, composta por uma larga linha de produção de máquinas. O cenário é noite, com as luzes do local acesas, e a imagem é colorida.
O mistério é quem rege O Atlas dos Pássaros, filme exposto na seção Perspectiva Internacional, da 45ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo (Foto: endorfilm)

Enrico Souto

Para meros mortais como nós, líderes de companhias bilionárias, detentores de grandes fortunas e outras figuras de poder, podem parecer soberanas e prodigiosas. Porém, o que ocorre quando observamos suas movimentações mais atentamente? É o que O Atlas dos Pássaros, comédia dramática da República Tcheca apresentada na 45ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo, propõe: investigar a intocada moralidade dos poderosos. E, quando descobre-se ali a raiz desse poderio, deparamo-nos com uma das faces mais abjetas da sociedade. 

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Capitães de Zaatari não acerta o gol que precisava

Imagem retangular, retirada do filme Capitães de Zaatari. O cenário é uma tarde em um acampamento de refugiados, com casebres construídos dos lados da rua de terra. No centro, em foco, vemos um grupo de seis garotos. Primeiro, à esquerda, um garoto usando um boné preto para trás, e vestindo uma camiseta laranja e branca e uma calça preta. Do seu lado esquerdo, está outro garoto, de cabelos raspados, vestindo uma camiseta preta e laranja e uma calça preta. Ele está prestes a cumprimentar um garoto mais alto, que aparenta ser mais velho. Esse é Mahmoud, ele usa um boné de aba curva azul, e veste uma calça preta e uma camiseta azul da seleção de futebol italiana. Mais atrás dele, está outro menino, menor, de cabelo raspado, que usa uma camisa azul e calça preta. Mais à esquerda, está Fawzi, um garoto da mesma altura de Mahmoud, que usa um boné vermelho, uma bermuda azul, e veste uma camiseta branca com detalhes em vermelho, e com a logo da banda Rolling Stones, uma boca mostrando a língua, estampada em seu centro. Por último, do lado esquerdo de Fawzi, está um garoto, que veste uma camisa azul e verde estampada e uma bermuda jeans, enquanto segura uma bola de futebol na mão direita. O grupo de garotos sorriem, conversando entre si.
Compondo a Competição Novos Diretores, da 45ª Mostra internacional de Cinema em São Paulo, falta audácia em Capitães de Zaatari (Foto: Dogwoof)

Enrico Souto

A conjuntura instável e precária que refugiados no mundo todo se encontram nunca foi tão grave. São um dos grupos mais vulneráveis socialmente, agrupando pais e mães que se sujeitam aos trabalhos mais ímpios para sustentar suas famílias, e uma juventude que não vê perspectiva de um crescimento saudável. Nesse contexto, qual o papel que o esporte exerce? O futebol pode adquirir uma função transformadora e emancipatória para essas pessoas? Questões importantíssimas, mas que nunca são tratadas com a devida atenção por Capitães de Zaatari, documentário egípcio que é exibido na 45ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo.

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A Felicidade das Coisas se exprime entre angústias

Imagem retangular retirada do filme ‘A Felicidade das Coisas’. Em foco, vemos o rosto de Paula, uma mulher de pele parda, cabelos da cor preta, curtos e lisos, que veste um suéter branco e vermelho, e uma camiseta branca por baixo. Ela olha para frente, séria e reflexiva. Ao fundo, vemos desfocado o pôr-do-sol tímido de um dia ligeiramente nublado.
O drama familiar em questão integra tanto a seção Mostra Brasil quanto a Competição Novos Diretores da 45ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo (Foto: Embaúba Filmes)

Enrico Souto

Uma família de classe média-baixa, desajustada, que viaja na expectativa de sair da rotina, fugir da monotonia e recarregar as energias, mas que ao chegar lá, precisa enfrentar todas as tensões que transbordam do lado de fora, dessa vez acompanhadas da frustração de que não há como escapar dos infortúnios da vida. É essa experiência, tão relacionável e tão próxima de nós, que é relatada em A Felicidade das Coisas, filme brasileiro que marca presença na 45ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo, revelando, por fim, a potência dessas pacatas relações, e o que encontramos ao investigá-las.

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A quem pertence O Babadook?

Imagem de divulgação do filme “O Babadook”, de 2014. Foto preto-e-branco de uma página acinzentada. No centro, vemos o desenho de Babadook, feito com lápis preto. Trata-se de uma silhueta alongada, com os braços colados sobre o tronco e os longos dedos de suas mãos abertos. Ele tem olhos esbugalhados, um nariz triangular, e uma grande boca cheia de dentes que se abre em um sorriso perturbador. Além disso, ele veste na cabeça uma cartola. Sua sombra se projeta do lado esquerdo até o desenho de um armário com a porta aberta. E, do lado direito, em paralelo com o armário, vê-se o desenho de uma porta semi-aberta.
O nome “Babadook” trata-se de um neologismo que reproduz a pronúncia de “a bad book”, “um livro mau” em inglês (Foto: Causeway Films)

Enrico Souto

Filme australiano independente lançado em 2014, O Babadook é um dos longas mais marcantes da história recente do Terror e, a despeito de sua pouca visibilidade, foi um sucesso de crítica, sendo considerado hoje um clássico moderno. Seus méritos narrativos e cinematográficos são incontestáveis, porém, o que realmente o marcou como um ícone da cultura pop foi sua apropriação feita pela comunidade LGBTQIA+. Embora visto por muitos como uma grande piada, esse paralelo com a experiência queer evoca camadas da narrativa que jamais seriam alcançadas em uma leitura mais superficial. E, visto que parte do público médio repudia essa relação, é necessário questionar: a quem pertence uma obra como O Babadook?

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O santo e o profano de Kanye West em Donda

Capa do CD Donda, do cantor Kanye West. Imagem quadrada, inteiramente preta.
Não, não é o seu navegador que não carregou a imagem, esta é a capa de Donda: preto, apenas preto (Foto: Def Jam/UMG Recordings)

Enrico Souto

Em discussões sobre Kanye West, normalmente encontram-se dois tipos de pessoas: aquelas que o consideram um gênio e visionário incompreendido, quase uma figura divina, e que suas atitudes questionáveis são na realidade apenas parte de sua eterna performance artística; e aquelas que acham sua arte irrelevante, superestimada, e que ele não passa de uma pessoa abominável que depende de suas ações reprováveis para se manter em alta. Nenhum dos dois discursos são verdadeiros, ao mesmo tempo que também o são. De todo modo, o cenário que rodeia o artista é bem mais complexo do que categorizações reducionistas.

Seu talento e o valor artístico de sua obra são inquestionáveis, e o jeito com que ele transformou a produção musical no rap e em gêneros derivados prova que ele é, de fato, um dos maiores e mais importantes artistas contemporâneos. Além de também ser uma das figuras cruciais para como a cultura pop se moldou no século XXI. O que não legitima seu endeusamento e a constante banalização de suas atitudes extra-música por fãs. Discutir sobre Kanye West é discutir sobre indústria musical, racismo, saúde mental, a função social de celebridades e a responsabilidade que ela carrega. E Donda trouxe intensamente todos esses temas à tona, de uma só vez.

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Cineclube Persona – Agosto de 2021

Destaques de Agosto de 2021: Falecimento de Tarcísio Meira, Gossip Girl, O Esquadrão Suicida e The Green Knight (Foto: Reprodução/Arte: Larissa Vieira/Texto de Abertura: Gabriel Gatti)

Agosto passou voando, mas ainda assim trouxe grandes marcos para esse ano. As Paraolimpíadas, que se iniciaram no final do mês, levaram um holofote para atletas incríveis que trouxeram várias medalhas para o Brasil. Além disso, os preparativos para o Emmy 2021 continuam a todo o vapor, com a cobertura do Persona rolando aqui no site e nas redes sociais. Também neste mês, sentimos a morte do ator Tarcísio Meira e de Paulo José, duas perdas enormes para a teledramaturgia. Entre esses acontecimentos, diversos filmes e séries foram lançados e o Cineclube Persona se reúne para comentar o que saiu de melhor e pior no mês de Agosto de 2021

O oitavo mês do ano se destacou com o lançamento de cinebiografias. Respect é um longa que retrata a história da cantora Aretha Franklin e já aponta  uma possibilidade, mesmo que remota, de indicar Jennifer Hudson ao Oscar 2022 . Quem também ganhou um filme sobre sua vida foi o ator Val Kilmer, representado no longa Val, disponível no Amazon Prime Video. Ainda em agosto, o Globoplay revisitou a história do Brasil com a biografia Doutor Gama, narrando a história de Luiz Gama, um advogado negro que libertou mais de 500 escravos. Além disso, não faltou representatividade LGBT com os documentários Pray Away, produzido por Ryan Murphy, e Luana Muniz – Filha da Lua, sobre a travesti Rainha da Lapa, que o Persona assistiu com exclusividade antes do lançamento e ainda entrevistou os diretores.

Agosto proporcionou dramas para a Sétima Arte, como CODA, comédia dramática sobre uma adolescente ouvinte filha de adultos surdos, que ganhou o Festival de Sundance 2020 e agora está disponível na Apple TV+ nos EUA. Outra novidade deste mês é Stillwater, que teve sua estreia em Cannes e tem como diretor Tom McCarthy, vencedor do Oscar de Melhor Roteiro Original em 2016 por Spotlight. Além dos dramas, as animações também se destacaram. A Jornada de Vivo, por exemplo, disponível na Netflix, nos apresenta ao jupará apaixonado que viaja para entregar uma canção, contando com a participação do Lin-Manuel Miranda. Nesse mês, foram lançados alguns animes, como The Witcher: Lenda do Lobo, sobre um bruxo convencido a caçar criaturas por dinheiro, e Evangelion: 3.0+1.0 Thrice Upon a Time, quarto e último filme da série Rebuild of Evangelion, baseado no anime Neon Genesis Evangelion.

Mas nem só de dramas e biografias foi feito o mês. O Esquadrão Suicida, “continuação” do filme fracassado de 2016, agora conta com James Gunn na direção, dessa vez do lado da DC, depois de sua demissão pela Marvel por tweets antigos com pedofilia. Lisa Joy, uma das criadoras de Westworld, foi responsável pela direção de Reminiscence, que retrata um investigador particular da mente que ajuda seus clientes, até uma delas mudar sua vida. Esse mês ainda teve outros lançamentos, como A Nuvem e The Green Knight, baseado no romance Sir Gawain e o Cavaleiro Verde do século 14. O longa, produzido pela A24, foi protagonizado pelo ator Dev Patel e foi dirigido por David Lowery, responsável por A Ghost Story.

Agosto também teve espaço para as produções água com açúcar. O longa Ele é Demais (He’s All That), sobre a transformação de um menino desengonçado no rei do baile, é uma nova versão do filme Ela é Demais, mas que traz os gêneros dos personagens invertidos. Os últimos trinta dias  ainda foram o palco do fim da trilogia de Joey King e Jacob Elordi, A Barraca do Beijo 3, que encerrou sua trama com Elle se preparando para fazer tudo que ainda deseja antes de ir para a faculdade.

O lançamento de Você Nunca Esteve Sozinha, série original do Globoplay, conta a vida da Juliette antes e após vencer o BBB. Ainda aqui na América Latina, foi lançada também Todo va a estar bien (Everything Will Be Fine), uma comédia com o Diego Luna. Na falta de Killing Eve, Sandra Oh assume o comando de The Chair, produzida pela Netflix. Seguindo pelas comédias dramáticas, Kevin Can F**k Himself, original da AMC e distribuído pelo Amazon Prime Video, é o primeiro trabalho da Annie Murphy depois de vencer o Emmy por Schitt’s Creek, em 2020. 

Outra sitcom de agosto foi Grace & Frankie, com a Netflix lançando como degustação quatro episódios da sétima e última temporada, que só chegará na íntegra em 2022. A Apple TV+, por sua vez, se destacou esse mês no humor com Schmigadoon!, uma sátira musical, e Physical, com Rose Byrne. Numa dobradinha entre Nota Musical e Cineclube, Selena Gomez aparece por aqui protagonizando Only Murders in the Building,  ao lado de Steve Martin e Martin Short. A série do Hulu lançou seus primeiros episódios em Agosto, mas só aparecerá na íntegra aqui no Persona quando acabar sua exibição, nos próximos meses.

Já mais voltado para o público adolescente, acompanhamos  o lançamento de Cruel Summer no Amazon Prime Video, e o fim da primeira parte da nova Gossip Girl, com protagonistas da Geração Z no HBO Max. Como uma campanha para o Emmy 2021, o Hulu lançou o episódio Pen15 Animated Special, que faz parte da segunda temporada da série. Outra série animada deste mês é Divirta-se em Casa com o Pateta, formada por curtas com o personagem da Turma do Mickey disponível no Disney+. Em agosto, a nostalgia do revival de iCarly, sem a Sam, chegou ao fim da sua primeira temporada.

O terror também teve espaço nesse mês, com a série da Netflix Brand New Cherry Flavor, que mistura Cinema, sexo e horror, com o pragonismo da Rosa Salazar, e com o fim de American Horror Stories, um spin-off de AHS com uma história diferente a cada episódio. Outra antologia de agosto é a segunda temporada de Modern Love, disponível no Amazon Prime Video, que conta com Kit Harington, de Game of Thrones, e Anna Paquin, vencedora do Oscar de Melhor Atriz Coadjuvante, em 1994. 

Um dos maiores destaques do mês é a primeira temporada de The White Lotus, nova produção da HBO que mostra a rotina de um resort no Havaí, com o abuso dos funcionários por parte dos hóspedes ricos e com uma morte suspeita. E falando em riqueza, a Netflix estreou a série Cozinhando com Paris, em que a socialite traz seus convidados para jantar, como a Kim Kardashian.

Caminhando por diversos gêneros e streamings, o Persona segue isolado em casa e apresenta as novidades audiovisuais do mês de agosto. Entre  algumas produções muito bem feitas e outras nem tanto, a Editoria e os Colaboradores comentam de tudo um pouco do que acabou de sair do forno do Cinema e da TV no oitavo mês de 2021.

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Nota Musical – Agosto de 2021

Destaques do mês de julho: Lorde, Marina Sena, Halsey e Lizzo (Foto: Reprodução/Arte: Larissa Vieira/Texto de Abertura: Ayra Mori)

Se despedindo do frio intenso do mês passado, Agosto passou correndo, nos lembrando que faltam somente quatro meses para o fim de um ano que mais pareceu mentira do que verdade. Atingindo o número de 122 milhões de vacinados com a primeira dose, o futuro parece clarear. Mas mesmo sob perspectivas mais otimistas, a realidade é de que a pandemia ainda perdura e devemos (!) nos cuidar. Com a esperança de que tudo passe logo, o Persona continua isolado dentro de casa e traz a oitava edição do Nota Musical.

Abrindo o mês com chave de ouro, Lorde finalmente lança na íntegra o aguardadíssimo Solar Power, após quatro anos de muita espera e cobrança dos fãs. E carregada da difícil tarefa de superar o insuperável Melodrama, a neozelandesa se despe do fardo de salvadora deixando claro que essa nunca foi sua intenção. Assim, entre idas melancólicas à manicure e discussões sobre mudanças climáticas, Ella Yelich-O’Connor – para os mais chegados – celebra as banalidades da vida sob o Sol, convidando, quem quiser, a se derramar junto.

Outro retrato mais pessimista da vida pós-covid-19 é Pressure Machine, dos veteranos The Killers, que conta com a colaboração invejosa de Phoebe Bridgers na faixa Runaways Horses. Com título de um dos melhores discos de 2020, a queridinha do indie rock contemporâneo também revisitou o aclamado Punisher com três remixes inéditos de Kyoto. E semelhante à colega de banda (boygenius), Lucy Dacus entrega ao público uma nova versão de Going Going Gone, que originalmente integra o sensível autorretrato da cantora-compositora em Home Video.

Além das revisitações de registros já conhecidos, Agosto trouxe junto de si estreias empolgantes. O vocalista do sucesso juvenil 5 Seconds of Summer, Luke Hemmings, lança o primeiro trabalho solo da carreira com When Facing the Things We Turn Away From, encarando de frente o passado através de um processo empático de autoconhecimento. Igualmente, Orla Gartland surpreende com Woman on the Internet. Em seu álbum inaugural, a irlandesa refuta todos os estigmas criados em cima do passado como youtuber, abraçando aqui quem ela realmente é.

Já se despedindo, Iggy Azalea dá adeus ao mundo da música com The End of an Era, último ato da carreira, cheio de batidas encorpadas do funk carioca. Infelizmente, contrário à rapper australiana, algumas figuras parecem nunca dizer o tão necessário ciao! Em meio aos singles forçosos do mês, destacam-se o insosso Summer of Love de Shawn Mendes & Tainy e HIT IT do calejado Black Eyed Peas, com feats inusitados de influencers latinos. J. Balvin, por outro lado, continua influente no reggaeton internacional, divulgando Que Locura, prévia do álbum a ser lançado em Setembro.

Outra figura querida pelo público é Tinashe, que presenteou os fãs com o esperadíssimo 333. No seu melhor trabalho até o momento, a artista toma conta da criação narrativa do álbum recheado de sentimentalismo comum do R&B. Enquanto isso, The Weeknd continua bebendo da fonte oitentista da nova era, com direito a muito sintetizador no mais recente Take My Breath. E, o imitador oficial de After Hours, Ed Sheeran dá novamente as caras com Visiting Hours – coincidência? Dessa vez, sem a fantasia arlequina, o britânico aposta no usual violão acústico, assim como FINNEAS em A Concert Six Months From Now.

Na efervescência de exaltações nostálgicas, o trio de synthpop CHVRCHES mergulha de cabeça nas influências que inspiraram o terceiro álbum, criando uma narrativa quase cinematográfica. Trazendo “A” participação de Robert Smith, Screen Violence já nasce digno de um filme de terror slasher dos anos 80, carregado de sangue, sintetizador e uma final girl de respeito. Evocando a mesma década, Angel Olsen exalta o período com covers de hits oitentistas em Aisles, uma prévia vibrante do que vem a seguir. Já para quem busca sonoridades mais experimentais, o imersivo SINNER GET READY de Lingua Ignota e as faixas sombriamente atmosféricas de Cruising da banda black midi são garantias certas de uma experiência original, com um quê de sinistro.

Ainda em Agosto, a hashtag #fleabagiscoming causou comoção nos trendings do Twitter, mas infelizmente não pelos motivos que gostaríamos. Com o mesmo nome da incrível Fleabag – série criada pela gênia Phoebe Waller-Bridge –, YUNGBLUD lançou nesse mês um novo single, ostentando fortes referências grunge. Machine Gun Kelly traz as mesmas veias noventistas em papercuts, produzido em conjunto com Travis Baker e Nick Long. Ao se afastar da sonoridade de seus registros passados, MGK não agradou todos os ouvidos e respondeu às críticas com um “STFU”. Crescentemente aparecendo em produções pop-rock alternativas do ano, o baterista do nostálgico Blink-182, Travis Baker, é incluído mais uma vez no último EP misery lake de Blackbear.

Guns N’ Roses também alvoroçou sua fanbase com ABSUЯD, primeira música da banda após treze anos sem novos materiais. E de fãs sêniores à fãs Gen Z devotos, Red Velvet entrega ao público Queendom, mais um sucesso comercial adicionado à lista do grupo de k-pop. Agora comemorando parcerias de longa data, a amizade fofíssima entre Tony Bennett e Lady Gaga dá as graças com a versão enérgica da dupla de I Get A Kick Out Of You, bem como o retorno de Skrillex com Justin Bieber e Don Toliver em Don’t Go.

Falando em duplas de respeito, Lizzo retorna após dois longos anos em Rumors ao lado da rapper Cardi B como deusas do Olimpo banhadas a ouro. Ambas encaram juntas as críticas ligadas ao corpo, avisando: todos os boatos são verdadeiros! E em meio à voltas triunfantes, Kacey Musgraves ressurge das cinzas com justified, anunciando o próximo álbum intitulado star-crossed, que desde sua revelação, já se tornou um dos mais esperados do ano. A musa country-pop se debruça sobre as dores do fim de um relacionamento, entregando um single perfeito para se chorar sozinhos no carro enquanto sofremos por desilusões amorosas.

Saindo direto de um conto épico medieval, If I Can’t Have Love, I Want Power exibe, logo de cara, Halsey em todo seu poder como matriarca sentada sobre um trono de ferro – ou melhor, o seu trono de ouro. Marcando o pop internacional com muito conceito, o álbum inclui em sua produção a improvável colaboração da cantora com os membros de Nine Inch Nails, Trent Reznor e Atticus Ross, se tornando uma declaração soberba sobre maternidade, auto-sabotagem e emancipação feminina.

Em clima saudosista, o querido Zeca Pagodinho marcou presença com Meu Partido É Alto!, evocando alegrias distantes. Vento nos cabelos, fim de tarde e cerveja gelada são lembranças afloradas pelo pagodeiro ao longo das faixas do álbum, assim como na performance descontraída de Eita Menina em versão pagode por Lagum. No sertanejo, Gabeu ressignifica o gênero tradicional através de uma reinterpretação queer com o bem-humorado AGROPOC.

Seguindo no Brasil, Marina Sena faz jus ao título do álbum de estreia, De Primeira, ultrapassando a marca de 3 milhões de streams no Spotify. Com produção e direção de arte impecáveis, a mineira entrega um pop recheado de brasilidades, seguindo como uma das promessas da música brasileira, ao lado de nomes como Jup do Bairro, um dos mais relevantes da cena musical nacional atual, e Manu Gavassi em seu desabafo internacional – diferente de Vitão e seu TAKAFAYA. Ao mesmo tempo, o cearense Matuê alcança com “Quer Voarparada global na Billboard, se consolidando como um dos principais nomes do trap nacional.

Dando continuidade, de Madu à Supercombo, se destaca Ney Matogrosso, que como um dos maiores intérpretes da música brasileira, continua fazendo o que bem entender em Nu Com a Minha Música. Na comemoração dos 80 anos de sua deliciosa existência, quem é presenteado são os fãs. E entre reboladas e presentinhos, a funkeira Valesca Popozuda retorna despirocada como sempre.

Assim, somado às fragilidades e ameaças aos direitos das mulheres no Afeganistão e no mundo, o episódio serve como um lembrete urgente de que a luta contra a misoginia deve ser diária e tomada como um compromisso sério. No oitavo mês do Nota Musical, o Persona reúne a Editoria e os Colaboradores em apoio a todas as vítimas de violência contra a mulher, antes de analisar os acertos e deslizes musicais de Agosto.

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20 anos atrás, A Viagem de Chihiro ensinava através do silêncio

Cena do filme de animação “A Viagem de Chihiro”. À frente, vemos Chihiro, uma garota asiática, pele branca, bochechas rosadas e cabelo castanho preso em um rabo de cavalo. Ela usa uma camisa branca e verde, um short vermelho e tênis amarelos. Ela está sorrindo eufórica, correndo em cima de uma ponte de madeira, enquanto uma multidão acalorada atrás dela se despede e comemora. Todos estão em um grande prédio de arquitetura japonesa, pintado de vermelho e branco, com os tetos esverdeados. A cena se passa de dia.
Chihiro atesta: ainda vale a pena ser criança (Foto: Studio Ghibli)

Enrico Souto

Entre as jornadas monumentais, épicas e maiores que a vida de Princesa Mononoke e O Castelo Animado, e as histórias mais comedidas, intimistas e descaradamente infantis de Meu Vizinho Totoro e O Serviço de Entregas da Kiki, A Viagem de Chihiro é a amálgama perfeita dessas duas facetas de Hayao Miyazaki. Não que Mononoke não tenha retratos de serenidade e um forte prisma emocional, nem que Kiki não disponha de cenas grandiosas e homéricas – o diretor costuma trabalhar em uma zona cinzenta que uma categorização meramente dualista não seria capaz de cobrir –, porém, olhando para trás 20 anos depois, é indiscutível que, nesse título, essas potências, provenientes do gênero de realismo mágico, encontram seu equilíbrio definitivo, a partir de uma narrativa sensível e tocante sobre os infortúnios de crescer e se tornar adulto, rompendo barreiras culturais e de linguagem como nenhuma outra mídia fez antes.

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Nota Musical – Junho de 2021

Arte retangular de fundo na rosa. Em cima, na esquerda, foi adicionado o texto "nota musical" de branco e em baixo "junho de 2021" de preto. Foi adicionado também o logo do Persona, estilizado de forma com que a íris do olho fique rosa também. No lado direito, foi adicionado um acrílico de CD com um disco dentro. Dentro do disco foram adicionadas 4 fotos dos artistas: Pabllo Vittar, Tyler The Creator, Garbo e Linn da quebrada.
Destaques do mês de junho: Linn Da Quebrada, Pabllo Vittar, Tyler, The Creator e Garbo (Foto: Reprodução/Arte: Larissa Vieira/Texto de Abertura: Ana Júlia Trevisan)

Junho é o mês de enaltecer o amor, e acima disso, é o mês da celebração, da luta e do Orgulho LGBTQIA+. Para marcar a data, o Persona apresenta esta edição do Nota Musical valorizando o trabalho de artistas que fazem parte da comunidade, com destaque especial para os que representam os tons de rosa e azul da bandeira. Nem nos dias que são dedicados à reivindicação de direitos o preconceito do país dá trégua, e ainda hoje, é necessário gritar que Vidas Trans Importam!

Para quem quer ressoar o grito, um primeiro passo é dar play em Liniker, uma das maiores referências da comunidade LGBTQIA+ brasileira, que nos presenteou com o caloroso clipe de seu mais novo single. O mesmo vale para potencializar as palavras e existência de Linn Da Quebrada, que prepara o terreno para seu novo álbum com muito conceito, coesão e aclamação.

Para quem procura novos artistas, Joy Oladokun canta sua vivência como mulher negra, pessoa gorda e LGBTQIA+, em letras biográficas transformadas pelo seu tato singular com as canções. Também falando sobre suas vivências, Home Video de Lucy Dacus é a história de amor e amadurecimento da cantora, que reflete sua própria existência.

Em CALL ME IF YOU GET LOST, Tyler, The Creator, que já explorou sua sexualidade em álbuns anteriores, revisita outras décadas do hip-hop para seu novo trabalho. Ainda assim, o cantor não deixa de passear entre o R&B e o soul e inspirar com sua autenticidade e destreza musical.

O mês firmou nomes que serão lembrados como os Melhores do Ano. No indie rock – com influência do jazz -, Rostam supera a Changephobia com um disco completo e original. No rock alternativo, a grandiosa Wolf Alice lançou o emotivo Blue Weekend. No pop, a revelação Griff se desprendeu da mesmice do gênero com One Foot In Front Of The Other. No pop alternativo, Japanese Breakfast marca 2021 com Jubilee e toda pureza de Michelle Zauner.

O pop brasileiro veio para esquentar o frio de Junho. IZA leva todo seu imenso poder para Gueto, que engrandece a cultura periférica. Marina Sena une o melhor da música nacional em VOLTEI PRA MIM. E com cringe entrando em nosso vocabulário, Garbo sai diretamente do Tumblr e nos apresenta a juventude softpop.

E se estamos sofrendo com as baixas temperaturas por aqui, na Coreia do Sul o girlgroup TWICE esbanja o clima tropical, trazendo um gostinho caloroso para nossas bocas. Ainda do lado oriental da Terra, o calor do verão dá espaço às sombras, no dolorido álbum da chinesa Pan Daijing. 

Já Pabllo Vittar prova por a + b que piranha não sente frio, e nos deixa triste e com T em seu Batidão Tropical. O lançamento é uma prova de amor e orgulho por Maranhão, terra natal da cantora. Com regravações e inéditas, um dos melhores álbuns nacionais do ano é criado, dominando o Top 50 do Spotify Brasil. 

Mas mais uma vez, é preciso lembrar que a pandemia ainda não acabou. E é para escapar desse ambiente de angústia gerado pelo isolamento social que vemos artistas florescerem e, até mesmo, se reinventarem. É o caso da rapper K.Flay que escuta todas suas Inside Voices e as solta como grito de guerra. De forma mais passivo-agressiva, mas ainda capaz de acolher, Cavetown externaliza seus atormentados sentimentos. Usem máscara, se cuidem e cuidem dos seus.

Seja pelas alterações climáticas, seja pela interminável pandemia, o mundo beira o inabitável. Para fugir disso, Doja Cat cria seu próprio planeta em um disco que divide opiniões. Reafirmando a influência do TikTok no cenário musical, Planet Her lidava com grandes expectativas e entregou os extremismos, entre músicas que vieram para habitar o repeat e outras que não queremos na porta de casa.

Junho veio também para ajudar as cantoras a saírem do meio do mato. Na Nova Zelândia, o fogo no rabo de Lorde nos deixou saudosos por verão e praia, e ainda trouxe o gostinho do novo álbum, Solar Power, que virá em agosto. Em solo brasileiro, Marisa Monte nos pediu Calma, pois, depois de uma década, o disco de inéditas está saindo do forno.

Dois anos depois do temível Love + Fear, MARINA volta revigorada com sons do tabu quebrando em Ancient Dreams In A Modern Land. Já Maroon 5 retornou de maneira oposta, batalhando para que JORDI não fosse um trabalho completamente esquecível. Billie Eilish se aproxima de estar mais feliz do que nunca com seu vindouro álbum e aposta numa versão mais debochada de si no single Lost Cause.

O mês das festas juninas foi propício para bolo, guaraná e muito doce. Dois discos gigantes da Música Internacional comemoraram seus aniversários, ganhando de presente edições especiais. O mais velho é o disco de estreia de Alicia Keys, Songs In A Minor, que inovou o R&B e o soul há 20 anos. Além dela, Lady Gaga convida a comunidade LGBTQIA+ para Born This Way The Tenth Anniversary, reinventando o álbum que marcou toda uma geração. 

O fenômeno da internet, boy pablo já se tornou figurinha carimbada dos posts mensais. Dessa vez, o jovem chileno-norueguês aparece para finalizar sua trilogia e nos deixar atentos para quais podem ser os próximos passos. Quem também dá as caras de novo é Kali Uchis que, mais uma vez, espreme seu fenomenal trabalho Sin Miedo. Agora podemos apreciar a cantora em versão acústica e vê-la cavalgando em seu cavalo branco. Good Morning Sunshine.

Outra que não larga o osso é Dua Lipa, que ainda vive seu Future Nostalgia. Foi na sola da bota que a cantora lançou o clipe de Love Again, permitindo que fãs e haters criassem teorias sobre um ovo. Relacionamentos falhos? Relacionamento novo? Foto mais curtida do Instagram? Todas essas hipóteses passaram pela cabeça do fandom, mas nenhuma foi confirmada pela artista.

Para os amantes das mídias físicas, BROCKHAMPTON surpreendeu positivamente com o deluxe do psicodélico ROADRUNNER: NEW LIGHT, NEW MACHINE. Com quatro novas faixas para acompanhar vinis e CDs, a banda mantém o alto padrão de qualidade proposto no disco.

A queridíssima Olivia Rodrigo – Olivia Rogéria, para os chegados – nos leva para o mágico mundo da Disney com The Rose Song, parte da trilha sonora da 2ª temporada de High School Musical: The Musical: The Series. A jovem ainda convidou seus amigos para a formatura online. Seguindo os típicos padrões estadunidenses, Olívia apresenta SOUR entre limusine e líderes de torcida.

Para um mês tão importante e recheado de novidades, a Editoria e os colaboradores do Persona encerram a primeira metade de 2021 reunidos para fuxicar os melhores e os piores de Junho e para celebrar o Orgulho LGBTQIA+. O guia mensal de CDs, EPs, músicas, clipes e performances acompanha uma playlist fresquinha pra escutar no carro, no banho ou onde quiser.

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Entre as safras de J. Cole, The Off-Season cumpre seu papel

Capa do álbum The Off-Season. Foto quadrada, com cenário de noite. Ao lado esquerdo da imagem é possível observar uma grande tabela de basquete, queimando em fogo de cima a baixo. Do lado direito, mais à frente, está J. Cole, homem negro, de barba e cabelos em longos dreads que se alongam até seus ombros. Ele veste uma calça e moletom pretos, com suas mãos dentro dos bolsos. Sua cabeça inclina-se para a direita, enquanto apenas parte de seu rosto é iluminado pelo fogo. Além disso, atrás da cena, vemos uma densa cortina de fumaça tomando todo o céu.
Capa do álbum The Off-Season, de J. Cole (Foto: Dreamville)

Enrico Souto

Dia 29 de dezembro de 2020, J. Cole surpreendia a todos com um post inusitado em seu Instagram, consistindo numa imagem da página aberta de um caderno. Em seu topo estava em destaque The Fall Off Era, e, abaixo, listados vários nomes de antigos e possíveis novos projetos, dispostos em uma linha vertical, denotando tempo. Acima, podia-se ler, ambas horizontalmente riscadas, dando a entender que são etapas já cumpridas, Features – em referência à corrida de colaborações que o rapper entregou entre 2018 e 2020 – e ROTD3 – aludindo à última compilação lançada pela Dreamville, gravadora fundada por Cole; uma das melhores produções coletivas que o hip-hop nos concedeu na última década, envolvendo todos os seus artistas associados e inúmeros outros colaboradores.

Mais abaixo, apresentavam-se os dizeres It’s a Boy e The Fall Off, aparentemente futuros trabalhos que podemos esperar de Cole, que dariam seguimento à era aqui anunciada. Em que estágio estamos agora? No centro do papel, sanduichado pelos dizeres citados anteriormente, estava grafado The Off-Season, que seria lançado seis meses depois, em 14 de maio de 2021. O álbum já havia sido antecipado antes com o freestyle Album Of The Year, de 2018, porém sua espera sempre caminhou na sombra de The Fall Off, o projeto mais aguardado de Cole, que promete ser o maior feito de sua carreira. Numa lógica de parasitismo, semelhante ao que ocorre nas produções do MCU, The Off-Season, dentro do roteiro dessa grande epopeia, até cumpre seu papel, porém inevitavelmente tem seu rendimento individual como obra afetado.

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