A violência é o combustível que incendeia a Regra 34

Quinto longa-metragem da diretora Júlia Murat foi exibido na seção Mostra Brasil da Mostra de São Paulo (Foto: Imovision)

Vitória Gomez

Uma máxima da internet, a Regra 34 pressupõe que tudo existente na web tem sua versão pornográfica. Seja desenhos animados ou cenas cotidianas, qualquer elemento pode virar ponto de partida para o prazer. Em Regra 34, longa-metragem da carioca Júlia Murat presente no Festival do Rio e na 46ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo, as contradições entre a liberdade do prazer e a sua raíz na sociedade borram as linhas entre consentimento e abuso. Na obra, uma coprodução Brasil e França, a violência é o combustível que incendeia a vida de Simone, confrontada com os frágeis limites que impõe ao próprio corpo.

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A Saída Está À Nossa Frente: as portas de emergência não se abrem para todos

Cena do filme A Saída Está À Nossa Frente. Na imagem, Tracy Staggs aparece de costas colocando uma mesa desmontável no chão. A personagem é branca e está de pé. Ela veste um conjunto de calça e casaco de moletom, as peças de roupa são cinza com detalhes em rosa e preto. O cabelo é loiro e está preso. Ao redor há grama e uma árvore seca, também aparecem uma bicicleta rosa e uma azul no canto inferior direito. No lado esquerdo há alguns objetos atulhados.
A Saída Está À Nossa Frente aborda a vida norte-americana de uma perspectiva alternativa; o filme fez parte da Competição Novos Diretores na 46ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo (Foto: Hamilton Film Group)

Jamily Rigonatto 

A narrativa do modo de vida americano presente em comerciais, produtos culturais e campanhas estadunidenses nos mostram uma realidade brilhante – moldada pela visão liberal do que isso significa. A ideia de desenvolvimento e sucesso escondem realidades nas quais o luxo e a tecnologia não estão presentes. Em A Saída Está À Nossa Frente, do diretor Rob Rice, o valor das pessoas que não vivem sob os holofotes de Hollywood caminha em linhas retas, sem possibilidades de pontos de fuga. A produção independente fez parte da 46ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo na Competição Novos Diretores, e com imagens tremidas e baixo orçamento, invade um horizonte tão real quanto cruel. 

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A Mãe: nas periferias de São Paulo, a ditadura nunca acabou

Presente na seção Mostra Brasil da 46ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo, A Mãe estreou nacionalmente no Festival de Gramado (Foto: CUP Filmes)

Vitória Gomez

A ditadura nunca acabou. A ditadura só vai acabar com o fim da Polícia Militar, porque ela é muito presente dentro do cotidiano da periferia”, defende Débora Maria da Silva, fundadora do grupo Mães de Maio, em sua participação em A Mãe. Integrante da 46ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo, na seção Mostra Brasil, o longa mescla ficção à realidade para escancará-la: para Maria (Marcélia Cartaxo), mãe solo e residente da periferia, o desaparecimento do seu filho pelas mãos da polícia e a burocracia para encontrá-lo se assemelha a incontáveis outros casos do cotidiano da Grande São Paulo.

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A beleza de Pedro repousa no retrato bruto da vida

Cena do filme Pedro. Na imagem, o personagem Pedro, um homem indiano de cabelos e olhos escuros, aparece contemplando algo com um olhar longínquo. A suas vestes são tecidos de cores neutras como o marrom. O cenário é um matagal verde iluminado por uma chama no período noturno. A fotografia captura a cintura, sentado no matagal onde apoia as mãos para trás.
Originário da Índia, Pedro participa da 46ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo na seção Perspectiva Internacional (Foto: Rishab Shetty Films)

Nathalia Tetzner

Obra do Cinema indiano, Pedro conta a história de um homem de casta inferior que se vê perdido ao acidentalmente matar uma vaca, símbolo sagrado da sua cultura. O ato somente ocorre porque o protagonista tenta incessavelmente encontrar o responsável pelo assassinato de seu cachorro e fiel escudeiro, em uma das tragédias envolvendo animais mais tristes desde a cadela Baleia de Graciliano Ramos. Estreia do diretor Natesh Hegde frente a longa-metragens, a obra foi exibida no festival IndieLisboa e, agora, participa da seção Perspectiva Internacional na 46ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo.

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Boy From Heaven desnuda a política por trás da religião

Vencedor do prêmio de Melhor Roteiro no Festival de Cannes, Boy From Heaven integrou a seção Perspectiva Internacional da 46ª Mostra SP (Foto: Pandora)

Bruno Andrade

Há sempre um suspense em torno de tramas políticas. Talvez o mistério seja o formato mais funcional em atrair a atenção do público para o assunto – mais do que serena, a política é sempre mortalmente séria. Ainda assim, é através das eleições que os indivíduos percebem sua importância social; é a manifestação contemporânea que, apesar dos ataques, mais tem resistido às mudanças pós-modernas, mesmo que a maneira e os motivos pelos quais se vote sejam diametralmente outros. Em períodos normais, se vota pelo futuro; em momentos perigosos, se vota para cessar a destruição. Sob essa perspectiva, Tarik Saleh, diretor e roteirista do premiado Boy From Heaven, longa que integrou a seção Perspectiva Internacional da 46ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo, vislumbra como o mundo está constantemente inventando maneiras de garantir o resultado desejado.

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Leonor Jamais Morrerá usa a metalinguagem como poucos

Cena do filme Leonor Jamais Morrerá exibe uma idosa filipina parada em meio ao jardim de sua casa. Ela olha para cima, com os olhos fechados e a luz do sol batendo em seu rosto. Ela usa um vestido colorido. À esquerda, vemos uma cerca-viva repleta de plantas e à direita vemos mais plantas na parede da cada, com alguns vasos em cima de um balcão perto do canto inferior direito da imagem.
Leonor Jamais Morrerá faz parte da Competição Novos Diretores na 46ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo (Foto: Arkeofilms)

Caio Machado

O Cinema é capaz de mostrar mundos fantasiosos, realidades alternativas, novas perspectivas de grupos marginalizados da sociedade… As possibilidades são infinitas. No caso de Leonor Jamais Morrerá, produção filipina que faz parte da 46ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo, a Sétima Arte é utilizada como meio de reconciliação entre mãe e filho. 

Na trama, Leonor Reyes (Sheila Francisco) já foi uma figura consagrada do cinema de ação filipino, responsável pela criação de uma série de filmes de sucesso, mas agora sua família sofre com dificuldades para pagar as contas. Após ver o anúncio de um concurso de roteiros no jornal, ela decide continuar um esboço inacabado sobre a jornada de Ronwaldo (Rocky Salumbides), que busca vingança pelo assassinato de seu irmão. Enquanto a imaginação ajuda Leonor a escapar das dificuldades da vida real, um acidente envolvendo a queda de uma televisão a deixa em coma, transportando-a para dentro da obra inacabada. Agora, ela pode descobrir o melhor final para a história.  

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Terra e tradição se abrem sob os pés da família de Alcarràs

Imagem retangular que mostra uma cena do filme Algarràs. Uma família branca está em pé, todos virados de lado, olhando na direção esquerda da imagem. O fundo tem montanhas e plantações verdes.
Exibido na Competição Novos Diretores da 46ª Mostra Internacional de São Paulo, o longa não esquece que uma tradicional família agricultora na Europa sempre conta com o trabalho braçal de imigrantes pretos (Foto: MUBI)

Nathália Mendes

Eu não canto pela voz, […] por quem canto é por minha terra, terra firme, casa amada”, dizem os versos cantados por Rogelio (Josep Abad), patriarca dos Solés que protagonizam Alcarràs, longa de Carla Simón exibido na 46ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, na Competição Novos Diretores. A obra, uma coprodução espanhola e italiana, conta como uma família de agricultores no interior da Catalunha se vê sendo expulsa de sua propriedade após anos cultivando pêssegos naquela terra. E não há nada que se possa fazer. Diante das perdas inevitáveis, Rogelio acompanha em silêncio, assistindo com olhos carregados de tristeza a tradição de gerações se desfazer, bem como sua própria família.

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Cuidado: Aftersun causa enjoo emocional

Cena do filme Aftersun, mostra pai e filha dançando abraçados. Ao fundo, vemos pessoas desfocadas.
Irlandesa radicada em Nova Iorque, Charlotte Wells impressionou Cannes e Toronto antes de trazer Aftersun para vencer a Competição Novos Diretores da 46ª Mostra de SP (Foto: MUBI)

Vitor Evangelista

Trabalhar o conceito da memória na Arte é uma artimanha e tanto. Para evocar o sentimento que viveu há cerca de duas décadas, é atrás das lembranças que vai a cineasta Charlotte Wells na confecção de Aftersun. A trama reflete um episódio experienciado pela irlandesa no fim dos anos noventa: uma viagem de férias à Turquia ao lado do pai, e seu apreço pela imagem como instrumento de ternura e captura do tempo.

A pequena Sophie (Frankie Corio) é a bússola do longa de estreia de Wells, parte da Competição Novos Diretores da 46ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo e eleito o Melhor Filme pelo Júri com o Troféu Bandeira Paulista. Ao lado do pai Calum (Paul Mescal), ela comemora o aniversário de 11 anos entre o quarto de hotel, a piscina, o oceano e as muitas caminhadas pelo ensolarado país euro-asiático, gravando as aventuras por meio de uma filmadora miniDV.

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Carvão queima o retrato da família tradicional brasileira

O enredo explosivo de Carvão faz parte da lista da seção Mostra Brasil da 46ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo (Foto: Pandora Filmes)

Jamily Rigonatto 

Quão falsas podem ser as interações da família que vemos todos os domingos com suas bíblias e crucifixos em mãos? Essa e outras reflexões similares são a proposta de Carvão, filme brasileiro dirigido por Carolina Markowicz. Entre tons hiperbólicos e reviravoltas, a produção se debruça sobre as contrariedades da moral humana. Parte da seção Mostra Brasil da 46ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo, o longa desmonta a farsa do conservadorismo e a transforma em cinzas. 

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Em Triângulo da Tristeza, ricaços escrevem ‘Deus’ com ‘d’ minúsculo e caem em tentação

Cena do filme Triângulo da Tristeza, mostra um homem branco, sarado e sem camisa, tirando uma foto com um celular em posição horizontal. Ao fundo, vemos o céu e está de dia.
Depois de vencer Cannes com The Square, Ruben Östlund repete o feito com Triângulo da Tristeza, exibido na Perspectiva Internacional da 46ª Mostra de SP (Foto: Diamond Films)

Vitor Evangelista

Ruben Östlund não se preocupa em soar presunçoso ou em talhar o discurso com o intuito de mastigar a jugular que atinge. O sueco, que levou para casa sua segunda Palma de Ouro meses atrás, chega em Triângulo da Tristeza num patamar de sátira e escárnio para além do já apresentado em seu currículo no Cinema. Parte da Perspectiva Internacional da 46ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo, seu premiado filme está interessado em caçoar.

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