Zeca Pagodinho está ainda ‘Mais Feliz’

“Anjo do Samba” foi como sua madrinha Beth Carvalho apelidou o sambista (Foto: Reprodução)

Rayanne Candido

“Nós somos feitos um pro outro de encomenda/ Como a chave e a fenda, como a luva e a mão/ O nosso amor é kama sutra, é juventude/ É demais, parece um grude/ Corpo, alma e coração”. Esse trecho faz parte de Mais Feliz, composição de Toninho Geraes regravada por Zeca e usado na abertura de seu novo álbum. Um lançamento de uma das maiores figuras do Brasil é muito mais do que somente uma coleção de canções, é um convite a relembrar toda a trajetória que marcou o país. É sinônimo da genuína brasilidade.

Em 4 de fevereiro de 1959, Jessé Gomes da Silva Filho nascia no Irajá. Desde cedo já trocava as aulas por uma boa roda de samba, mas nessa época nem imaginava que iria se tornar um dos maiores sambistas do país: Zeca Pagodinho. No início dos anos 80 gravou Amargura, sua primeira música, e essa faixa entrou no repertório do segundo disco do grupo Fundo de Quintal, fundado em 1977 e originário do Cacique de Ramos. Sua aproximação com o grupo o levou para perto de Beth Carvalho, ela quem gravou seu primeiro sucesso: “Camarão que Dorme a Onda Leva”, que ganhou até clipe no Fantástico. 2019 é o ano de seu 60º aniversário, tempo de renovação e de promessas para o futuro. 

Lançado pela Universal Music, Mais Feliz é composto por 14 faixas. São 11 músicas inéditas e 3 regravações. Além de ser repleto de participações especiais: Teresa Cristina, Hamilton de Holanda, Yamandu Costa, Xande de Pilares e a Velha Guarda da Portela. Em 2 minutos e 50 segundos  – o tempo aproximado de cada canção – é possível embarcar em uma jornada pelos olhos da mais pura simplicidade.

No dia 07 de dezembro, a cidade de São Paulo será contemplada com a visita do cantor no Credicard Hall para o show de estreia de seu 24º álbum. A venda para o público geral está disponível (Foto: Wilton Junior)

O disco é dedicado à uma pessoa especial: seu amigo (e companheiro de vida), Arlindo Cruz. É o primeiro álbum gravado sem a presença física de seu compadre – para se recuperar de complicações decorrentes de um AVC, Cruz teve que se ausentar dos holofotes. O músico está presente na coletânea por conta de Nuvens Brancas da Paz, samba inédito da dupla com Marcelinho Moreira. Zeca postou nas suas redes sociais o bilhete que escreveu para entrar como dedicatória no encarte do álbum: “Quero dedicar essa obra ao meu cumpadre, amigo e parceiro Arlindo Cruz. Esperando que na próxima, ele esteja junto comigo no estúdio. Como sempre foi”.

Transcender épocas e revisitar lugares: essas são as principais impressões que as faixas transmitem. A clássica O Sol Nascerá (Á Sorrir) de Cartola e Elton Medeiros foi regravada por Pagodinho em dueto com Teresa Cristina para a abertura da novela Bom Sucesso e marca presença em Mais Feliz. É praticamente impossível não sorrir ao ouvi-la, é como se a melodia despertasse a alegria adormecida dentro de cada um. “A sorrir, eu pretendo levar a vida/ Pois chorando/ Eu vi a mocidade perdida”.

Assim como sempre fez, Zeca canta crônicas do subúrbio carioca, um pouco mais lamentoso nas músicas que possuem corações partidos em sua essência. Entre as faixas com cenas suburbanas está Carro do Ovo com a exaltação de algo cotidiano que pode ser visto como um tesouro para muitos (“Quem é baixa renda transborda alegria/ Com essa iguaria caindo do céu”). Em Quem Casa Quer Casa é narrada a história de um rapaz à procura de um lar e finalmente, para a alegria do subúrbio: a chegada do fim de semana é comemorada com Sexta-Feira (“Graças a Deus sexta-feira chegou/ Tá em cima da hora de largar/ Da minha batalha… Missão cumprida”).

Como o próprio “Anjo do Samba” definiu, Mais feliz é um disco que reúne diferentes mensagens. O repertório tem canções para todo tipo de situação: “Tem samba bom, romântico, feliz, pedindo paz. Tem recado para todo mundo. Quem quiser me ouvir, eu vou cantando”. Na faixa Na Cara da Sociedade é estampado o lamento pela insegurança e violência que tomou conta do Rio de Janeiro, numa composição que visa a reflexão do cenário atual e traz um sentimento de completa melancolia. Ele começa entoando: “Vou aproveitar essa canção para pedir paz no mundo, no Brasil e, principalmente, no Rio de Janeiro. Muita paz”

As participações especiais dão um brilho nas composições, a total entrega dos participantes faz qualquer ouvinte se sentir na presença de cada um deles. O ex-vocalista do Revelação, Xande de Pilares, marca presença e canta Dependente do Amor com Zeca. Hamilton de Holanda e Yamandú Costa também partilham a cena na regravação de Apelo (original de Vinicius de Moraes e Baden Powell). 

No curta-documentário O Jaqueirão do Zeca (2004) o processo de criação das composições é retratado. É feito sempre da mesma forma: o cantor convida os compositores para uma tradicional feijoada em sua casa e a mágica acontece (Foto: Wilton Junior)

Mais feliz é uma viagem completa. Passa por Del Castilho – lugar da infância do cantor, visita o Irajá da adolescência e dá voltas pelas redondezas. Vislumbra Madureira e Cascadura que abrigavam o Pagode da Tia Doca e o Pagode do Arlindo e, finalmente, chega à Xérem, onde vive sua vida adulta. Sem se esquecer dos espaços em que passou e deixando a vida o levar, Zeca Pagodinho chegou até aqui e, dessa mesma forma, ainda chegará em muitos outros lugares.

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