Realidade e ficção em 20 anos de Princesa Mononoke

 

PRINCESS MONONOKE - ANEXO 01 - PÔSTER RETIRADO DO ANDB

Egberto Santana Nunes

Alguns anos antes de levar a estatueta de melhor animação no Oscar de 2003 com o clássico A Viagem de ChihiroHayao Miyazaki batia recordes de bilheteria japonesa há um tempo com Princesa Mononoke. Não é para menos. Completando 20 anos esse ano, o longa procura discutir, sob uma perspectiva fantasiosa, agressiva e dramática, a ação do homem na natureza através de sua guerra ecológica.

Logo no início da animação, o letreiro explica a história do mundo em que se passa a trama, relatando que no passado a terra era coberta por florestas onde viviam os espíritos dos deuses e animais e homens viviam em harmonia. Porém, com o passar do tempo, estas paisagens foram destruídas e as que sobraram são protegidas por animais gigantes, que seguem o grande Deus do local. Em uma dessas se encontra a princesa que dá título ao filme, que encontra o protagonista Ashitaka: uma relação entre personagens que servirá de condução e conexão entre os dois mundos (animais-humanos).

PRINCESS MONONOKE - ANEXO 02 - RETIRADO DO SITE OTHERWERE
O elo entre os dois mundos: animais da floresta e humanos

Essa dualidade de mundos não é nova no campo da animação. Devido a relevância de seu tema – a degradação do meio ambiente por humanos -, sua exploração já foi feita por diversas ângulos. Talvez o caso mais notável seja a animação Wall-E, que possui essa relação entre personagens, porém, se alinhando mais a dualidade entre a natureza x humanos. Mas Mononoke possui o diferencial de  mostrar a “vingança da natureza” sob a sociedade. Algo que só poderia ser traduzido perfeitamente em animação e das mentes de um dos mestres dessa arte. Essa embate é palco de tristes e, ao mesmo tempo, belas cenas de batalhas entre Eboshi, espécie de líder da aldeia de Tatara Ba, representando os humanos, e San, a Princesa-lobo em defesa do habitat dos animais.

No que diz respeito aos personagens, o diretor usou de um “arquétipo” muito conhecido em Hollywood: a da criança abandonada pelos pais em um ambiente desconhecido. Impossível não se lembrar de Mogli: O Menino Lobo, uma lenda revisitada pelo ocidente dezenas de vezes, ao conhecermos San, largada pelos pais na floresta e crescendo com a tribo de lobos de Moro, cuja personagem se refere como mãe, bem semelhante às histórias do personagem escrito por Rudyard Kipling em 1894.

San é apresentada lutando bravamente para defender seu território contada através de sua mãe-lobo. Por conta de seu passado e dos ataques ao seu espaço, ela desenvolve um ódio profundo aos humanos e um amor forte de proteção aos animais e ao ambiente.

PRINCESS MONONOKE - ANEXO 03 - RETIRADO ANDB
Mononoke com sua mãe, a líder da matilha de lobos, Moro

Enquanto San carrega esse estigma de humana entre os animais da floresta, Ashitaka tem o papel de elo entre os dois mundos. Por mais que seja de conhecimento de todos a existência dos animais gigantescos, ainda assim é uma espécie de lenda por ser parte de um passado remoto. Funcionando como os olhos do espectador que está descobrindo tudo isso, Miyazaki desenvolve a trama com neutralidade tentando proteger San dos ataques dos humanos e impedindo o embate entre os dois.

É importante, de qualquer forma, o assumir de uma guerreira na animação. Visto que hoje em dia a discussão sobre o papel da mulher na cultura é cada vez mais forte, elas sempre foram personagens centrais das animações de Miyazaki. Podemos perceber que suas personagens nunca se submetem aos homens para conquistar algo ou, ainda, defender seu território. O papel do homem é sempre como amigos, e nunca como salvadores ou heróis, mostrando, inclusive, uma independência feminina.

Em Mononoke, apesar de San carregar o título, mas não ser a protagonista, ela carrega importante papel de representar a figura da floresta enquanto Eboshi representa humanos rivais. A relação da princesa com Ashitaka é de apoio mútuo e descoberta de um novo mundo escondido – a da bondade do ser humano -, repetindo aqui a posição forte da mulher em mais uma obra de Miyazaki.

anexo 5 - retirado do site anime arcade
O conflito entre dois mundos

Coincidência ou não, no mês de aniversário da Princesa, é noticiado que um estudo americano concluiu que podemos estar vivendo a sexta extinção em massa, como se toda a trama do filme não fosse o alerta suficiente do nosso futuro.

Dessa forma, o quinto trabalho de Miyazaki pelo Studio Ghibli é, infelizmente, mesmo 20 anos após seu lançamento, uma demonstração perfeita de uma analogia com a realidade. Essa última caminhando no mesmo passo da ficção, mesmo quando o factual é tão perigoso quanto o cenário fantasioso, embora a beleza de uma não se encontra na outra.

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