Guns N’ Roses: 30 anos depois, o apetite ainda é insaciável

A capa original do álbum
A capa original do álbum

João Pedro de Lima Fávero

Apesar do discurso outsider desde a sua origem nos anos 70 (e que perdura até hoje), o rock pesado e o heavy metal estavam no auge do sucesso na segunda metade dos anos 80 tanto nos Estados Unidos como em outros lugares do mundo.

Graças à MTV, muitas bandas que exerciam o chamado “hair metal” estavam fazendo muito sucesso comercial desde o começo da década, com seus clipes passando à exaustão no canal e refletindo na alavancagem de venda dos álbuns. Assim foi com o Mötley Crüe e sua mistura do proto-punk do New York Dolls com o heavy metal, o Def Leppard com refrões chiclete de música pop, e até o Bon Jovi, com seus teclados em excesso e a aura aproveitada do Journey, dentre inúmeras outras bandas nesse meio.

Perante o sucesso comercial, o estilo já estava sendo diluído. Outros grupos apareceram não oferecendo nenhuma proposta diferente das já apresentadas no cenário, incluindo bandas dos anos 70 que se viram tendo de adotar as novas tendências para continuar fazendo sucesso, como Scorpions, Kiss, Whitesnake e Judas Priest.

Guns N Roses formação clássica axl slash duff adler izzy
Estilera muito mais foda ainda: a formação clássica da banda

Nesse cenário, nasce em Los Angeles o Guns N’ Roses, proveniente da fusão de duas bandas (L.A Guns e Hollywood Rose). Sua formação completa se deu em 1986 com Axl Rose (vocais), Izzy Stradlin’ (guitarra), Saul “Slash” Hudson (guitarra), Duff McKagan (baixo) e Steven Adler (bateria) que gravaram naquele ano, de forma independente, o EP Live ?!*@ Like A Suicide, que chamou a atenção necessária da gravadora Geffen para garantir um contrato para o primeiro álbum da banda.

Em março de 1987, começa a ser gravado o álbum Appetite for Destruction, que completa trinta anos neste dia 21, e ainda se mantém relevante e um dos álbuns mais vendidos de todos os tempos, com 30 milhões de cópias vendidas mundialmente.  As músicas foram escritas durante o período de shows que a banda fez em 1986, mas algumas contaram com partes instrumentais já prontas por Slash, McKagan e Adler na época de sua antiga banda Road Crew, e outras foram compostas por membros separadamente para serem finalizadas pela banda mais tarde. Um fato curioso é que um dos produtores considerados para o álbum foi Paul Stanley (Kiss), que foi recusado após pedir mudanças na bateria de Steven Adler e no direcionamento das músicas – Stanley queria músicas menos “agressivas”, e mais amigáveis às rádios. No final das contas, Mike Clink foi o escolhido como produtor.

A icônica capa alternativa
A icônica capa alternativa

Dado o som que as bandas de hard rock faziam à época, com guitarras técnicas influenciadas pesadamente por Eddie Van Halen, o Guns N’ Roses pegou totalmente o caminho contrário e foi pela via mais simples, tanto musical quanto visualmente, inspiradas pelo Aerosmith dos anos 70 (principalmente o álbum Rocks), o punk rock e o sleaze do Hanoi Rocks. Os dois lados do disco em vinil foram divididos tematicamente de acordo com a lírica das músicas. Em vez do lado A, temos o lado G (Guns) e letras sobre violência e drogas, e no lugar do lado B, temos o lado R (Roses) com letras sobre relacionamentos e sexo.

O conteúdo lírico de Appetite for Destruction pode soar raso para ouvidos distraídos ou que se deixam levar pela leviandade de outros nomes da cena, apenas hinos de adolescentes (semi) rebeldes. Mas observadas mais de perto, as passagens aparecem como um pedido de socorro daquele estilo de vida hedonista que dominava a Los Angeles da época, ou como alguém apenas seguindo a corrente e usando o estilo de vida como uma válvula de escape dos abusos sofridos, dominado pela raiva e descontando isso em atos egoístas. A onipresença de drogas, nominalmente a heroína, na vida da banda fez com que o tema fosse recorrente durante o álbum, consumida pelas diferentes personagens apresentadas nas narrativas.

O início com um dos maiores clássicos da banda, “Welcome to the Jungle” e seu riff inicial ecoado já resumem o tom do álbum, com Axl e sua voz peculiar e característica interpretando a cidade de Los Angeles, e os vícios que a cidade oferecia ao preço mais baixo. A ponte instrumental com batidas tribais e guitarras ardentes, enquanto o vocalista afirma que ninguém sobrevive à cidade dos anjos e ao seu lado menos glamouroso, é onde a música se torna a arrebatadora de estádios que todos conhecem.

A composição das guitarras, grande parte com destaque para a condução rítmica de Izzy, são a grande chave do álbum, como demandava todo álbum de hard rock – porém, sempre dando espaço para Slash gritar com a sua Gibson Les Paul. As líricas deixam explícitas como os integrantes não se orgulhavam completamente da vida destrutiva que levavam, e como o desejo de ter algo a mais do que sexo, drogas e rock n’ roll (“It’s so easy, but nothing seems to please me”).

O trabalho de produção é de ser notado, com todos os instrumentos tendo um som único, nunca depois apresentado pela própria banda nos seus futuros lançamentos enquanto cada integrante parece trabalhar para que sua parte seja notada. Isso é notado em “Nightrain”, da bateria “moleque” de Steven Adler ao baixo ribombante de Duff McKagan, sempre aparecendo para cimentar as camadas de guitarra.

Apesar da inspiração na crueza do punk, a simplicidade técnica aparece em faixas específicas, como “You’re Crazy” e “My Michelle”, bem a parte das variações e sintetizadores adicionados em “Paradise City”, em que Axl clama pela cidade perfeita, tão longe de onde ele se encontrava, enquanto um riff simples dirige a música, com seu ponto alto no final veloz da música, com Slash disparando um solo interminável enquanto o vocalista grita ao máximo que sua voz aguentava à época.

As diferentes camadas instrumentais são o toque especial no álbum. O riff de “Sweet Child O’ Mine” é o que apresenta a música, porém o violão suave ao fundo da mixagem é o que a deixa tão leve e seguindo. O fim do álbum com “Rocket Queen” e seu famoso solo com slide e gemidos parece unir as duas partes do álbum em uma música, com seu primeiro seguimento puramente falando sobre sexo, ao passo que vira uma canção de amor no final.

O título do álbum foi inspirado na violenta pintura homônima de Robert Williams, que também ilustrava a capa das primeiras edições, mostrando um robô estuprador prestes a ser destruído por outro robô maior, vingando a vítima. Após vários donos de lojas se recusarem a colocar aquela imagem em suas prateleiras, a arte foi alterada pela agora famosa cruz com os crânios dos cinco membros da banda.

Imediatamente no seu lançamento, Appetite for Destruction passou praticamente despercebido, atingindo o topo da Billboard apenas um ano depois, em 1988, apoiado no sucesso dos singles “Welcome to the Jungle”, “Paradise City” e principalmente “Sweet Child O’ Mine”, que se tornou um hit das rádios e com seu clipe passando exaustivamente na MTV. Em 2008, o disco havia alcançado a marca de 18 milhões de cópias vendidas nos Estados Unidos, sendo o álbum de estreia mais vendido na história da música. No Brasil, ele vendeu 100 milhões de cópias, garantindo disco de platina pela Associação Brasileira dos Produtores de Discos.

O sucesso de vendas do disco foi fomentada pela campanha anti-drogas do então presidente dos Estados Unidos, Ronald Reagan, além da comentada crise da AIDS na época, dois dos temas que são recorrentes nos versos da estreia do Guns N’ Roses. Além disso, o álbum soa como uma afronta à PMRC (Parents Music Resource Center), órgão criado por Tipper Gore para aumentar o controle dos pais sobre a música que crianças e adolescentes escutam, que deu origem ao selo “Parental Advisory”.

Após o estouro de Appetite, toda a cena hair metal do mundo sentiu o peso da mudança do estilo no Guns N’ Roses, influenciando bandas posteriores (a mais famosa sendo o Skid Row, de Sebastian Bach) e até macacos velhos do estilo, como o Mötley Crüe. Até hoje, bandas que mantém o estilo (semi) vivo, principalmente na Suécia, demonstram no seu som a influência direta da produção crua do álbum, bem diferente dos trabalhos açucarados que também marcaram o gênero.

Após a turnê do Appetite for Destruction, o Guns N’ Roses seguiu outra linha nos seus próximos álbuns de estúdio, intitulados Use Your Illusion I e II, com baladas ao piano, orquestrações e músicas passando da duração dos oito minutos, algo de se estranhar de uma banda que se inspirou no punk rock para a composição do disco que os jogou ao sucesso, porém os ajudou a se tornar uma permanente presença em arenas de todo o mundo. Esqueça a superficialidade do estilo de vida do Hair Metal e encontre nos versos e instrumentação todo o apetite que o Guns N’ Roses tinha pela agressividade e destruição.

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