A vida além da dor: Jubilee e as várias facetas do luto que formam o Japanese Breakfast

Capa do disco Jubilee, de Japanese Breakfast. A cantora Michelle Zauner na está na capa do disco, vestindo um vestido amarelo, maquiagem artística no mesmo tom e tranças no cabelo. Há caquis pendurados no primeiro plano e ela segura um na frente do olho direito.O fundo é claro, quase branco. Há também muitas tatuagens em seu braços.
Após os tons azulados melancólicos da capa de Psychopomp (2016) e do contraste intenso de pretos e vermelhos em Soft Sounds from Another Planet (2017), Michelle Zauner buscou o calor dos amarelos e laranjas, evocando uma aura de alegria para o terceiro registro de estúdio do Japanese Breakfast (Foto: Dead Oceans)

Carlos Botelho

Parece que o mundo é dividido em dois tipos diferentes de pessoas, as que já experimentaram a dor e as que ainda vão experimentar.” Não conheceria uma maneira mais acertada de começar a falar de Michelle Zauner e seu Japanese Breakfast que não fosse através desse trecho de seu livro de memórias, Crying in H Mart: A Memoir (Knopf Publishing Group, 2021), que virou verso da canção Posing In Bondage, de seu último álbum de estúdio, Jubilee. Michelle teve sua vida adulta marcada pela tragédia pessoal que foi perder a mãe por um câncer, e a dor desse trauma reverberou em todo o catálogo de seu projeto musical, o Japanese Breakfast.

Apesar do luto ainda ser um tema importante em seu processo de criação, Zauner optou por buscar novas perspectivas para o seu terceiro registro de inéditas. A própria artista considera esse estágio da carreira como um momento decisivo de amadurecimento, citando em entrevistas referências como a obra-prima Homogenic, de Björk, Summerteeth, do Wilco e Teen Dream, do Beach House. O resultado dessa progressão artística de Jubilee é um disco mais pop, caloroso e com maior variedade lírica e sonora.

Texto alternativo: Fotografia de Michelle Zauner. A artista está com cabelo solto e um vestido roxo com estampa azul. Ela está na frente de um plano de fundo que imita uma grande cidade à noite, toda iluminada.
A cantora de pai norte-americano e mãe coreana sempre teve dificuldade de compreender suas origens culturais, algo que ganhou novos contornos com a morte da mãe em 2014 em decorrência de um câncer no pâncreas (Foto: Bobby Doherty)

O álbum já se abre com a instigante Paprika, faixa que ganhou esse nome por incorporar instrumentais típicos de bandas marciais, que trouxeram à artista a lembrança da trilha sonora do filme de ficção científica japonesa de mesmo nome. A canção nasceu de uma viagem a Poconos regada a cogumelos e Kate Bush. O tom surrealista da letra é inspirado na própria Kate, que serviu para Michelle como um exemplo de caminho menos óbvio para sua transição a uma sonoridade mais pop em Jubilee.

Seguindo a tracklist, nos deparamos com um rosto familiar, a já conhecida Be Sweet, primeira amostra do disco antes de seu lançamento. Oitentista e contagiante, a faixa tem uma história curiosa, visto que emergiu de um desencontro de Zauner em uma sessão de gravação com Jack Tatum, do Wild Nothing. Após os dois descobrirem já dentro do estúdio que ninguém ali estava interessado em trabalhar no próprio repertório, decidiram então por escrever uma música pop que pudessem vender depois. O resultado foi uma canção açucarada que casou perfeitamente com os vocais carismáticos da frontwoman do Japanese Breakfast.

Texto alternativo: Fotografia de Michelle Zauner. A artista está sentada e veste um grande vestido branco sem alças, cabelo em trança e grandes brincos florais. Há folha e flores espalhadas sobre ela. O fundo é cinza.
Seu livro de memórias, Crying in H Mart, nasceu de um artigo de mesmo nome publicado em 2018 no The New Yorker, alcançando o segundo lugar na lista de mais vendidos do The New York Times (Foto: Tonje Thilesen)

Duas faixas que se destacam por um denominador comum em Jubilee são Kokomo, IN e Savage Good Boy, pois ambas composições que partem de outra perspectiva que não a pessoal da cantora. Enquanto na primeira temos o ponto de vista agridoce de um jovem garoto cuja namorada está se ausentando para um intercâmbio, na segunda ela encarna uma persona oposta, um homem rico de ambição desenfreada. Experimentações líricas mostram um acerto dentro de um registro que busca novos ares. 

Todavia, a já familiar exploração da dor pessoal enquanto manifestação artística genuína é evidenciada na balada Tactics. A canção embalada por belíssimos arranjos de cordas fala sobre se afastar definitivamente de uma relação que não é saudável, no caso da artista com seu pai. Ela descreve a atual situação dos dois como uma segunda morte em sua vida, uma orfandade escolhida. Seguindo a temática recorrente do luto presente em Jubilee, In Hell trata do delicado momento em que Zauner teve que sacrificar o seu cachorro infância. “O inferno é encontrar alguém para amar e eu não posso te ver de novo”, ela afirma na música com retrogosto amargo e propriedade que só alguém íntimo do ato de perder consegue alcançar.

Fotografia de Michelle Zauner. Michelle está deitada vestindo com um blazer amarelo limão. Atrás dela, existe um plano de fundo de uma cidade e ela sorri olhando pro lado.
Michelle tem se dedicado a diferentes projetos, um dos mais curiosos foi de coaching de set da atriz australiana Angourie Rice, sobre como se comportar em uma banda, para o seu papel na série Mare of Easttown da HBO (Foto: Bobby Doherty)

Descrever todas as nuances de Michelle Zauner e sua obra Jubilee não cabe em uma simples crítica musical. Também não cabe em seu livro que trata de toda a relação de conflitos geracionais e culturais com a mãe e com a experiência de perdê-la. Certamente não caberá no filme que está será adaptado do livro e terá trilha sonora assinada pela autora. O que cabe é apreciar uma carreira em pleno funcionamento, onde cada novo aprendizado trazido pela dor é compartilhado com o público na forma de um trabalho artístico detalhado e sincero.

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