Quem tem medo de Jennifer Check?: Garota Infernal e o verdadeiro inimigo

Cena do filme Garota Infernal. Megan Fox, que interpreta Jennifer Check, é uma mulher branca, de olhos azuis e cabelos pretos. Jennifer é uma adolescente no colegial. Ela se olha no espelho de um armário azul marinho, típico dos colégios estadunidenses. O espelho é arredondado com strass prata e rosa em sua volta. Na lateral superior esquerda e na lateral inferior direita do espelho estão colados dois adesivos de desenhos orgânicos, também em rosa. Não se vê nada na cena além da vista do rosto de Jennifer refletido no espelho e o fundo azul marinho do armário.
Fracasso comercial, Garota Infernal pouco a pouco se restabeleceu como terror cult feminista (Foto: Fox/Dune Entertainment)

Ayra Mori

Se em 2009 Garota Infernal foi considerado um crasso fracasso, após uma década de seu lançamento o filme se restabeleceu como Terror cult feminista à frente de seu tempo. Escrito por Diablo Cody, dirigido por Karyn Kusama e protagonizado pela dupla Megan Fox e Amanda Seyfried, Garota Infernal é um estudo de caso sobre como um roteiro perspicaz, um enquadramento subversivo da câmera e personagens autoconscientes são capazes de transfigurar o olhar masculino predominante no gênero, pondo em foco a perspectiva feminina quanto às violações do corpo através de Jennifer e, bem, “O inferno é uma garota adolescente”.

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Vire-se, seus sonhos serão frutificados no Deserto Particular

Cena do filme Deserto Particular, mostra uma mulher dentro do carro, escuro e com apenas seu nariz e cabelo iluminados pelo poste da rua.
Submissão do nosso país para o Oscar 2022, Deserto Particular estreou na seção Mostra Brasil da 45ª Mostra de SP (Foto: Pandora Filmes)

Vitor Evangelista

A tarefa de selecionar, entre uma vastidão de olhares e marcas, um único filme para representar o país mundo afora não é nada fácil. Afinal, qual a fórmula secreta para a submissão perfeita? Quais atributos um longa nacional deve possuir para, de fato, ser o “mais brasileiro” possível? Em 2022, a missão é de Deserto Particular, bela produção comandada por Aly Muritiba e presente na seção Mostra Brasil da 45ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo.

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Enquanto eu não te encontro: uma narrativa de acaso com o amor e encontro com a representatividade

Fotografia da capa e contracapa do livro Enquanto eu não te encontro, fundo roxo e amarelo com nuvens, título do livro e um desenho de um casal com braços abertos na capa, e na contracapa desenho de personagens na boate.
A capa e contracapa do livro contam com ilustrações dos ambientes e personagens que fazem parte da história, e também exalta pessoas nordestinas, já que foi ilustrada por Renata Nolasco, uma artista LGBT e potiguar (Foto: Editora Seguinte)

Monique Marquesini 

Uma mudança para a cidade grande, encontros e desencontros, cultura nordestina, amizades, música pop, autoconhecimento e protagonistas LGBTQIA+: essas são algumas características do livro de estreia de Pedro Rhuas. Lançado em julho de 2021 pela Editora Seguinte, o título curioso Enquanto eu não te encontro guarda a simplicidade de um romance adolescente junto da amplitude de novas descobertas para um garoto gay, nordestino e calouro na universidade.

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Tove dança nas reviravoltas rumo à Arte

Cena do filme Tove. Ao lado esquerdo da imagem, vemos a protagonista Tove, interpretada por Alma Poysti, uma mulher branca, de cabelos loiros curtos, aparentando cerca de 35 anos, vestindo uma blusa de botão verde e uma cardigan bege, com os braços apoiados em uma mesa e um lápis azul na mão esquerda. À sua frente, do lado direito da imagem, vemos uma mesa com papéis, pincéis, um cavalete e outros objetos de pintura sobre ela.
Exibido exclusivamente nas salas de cinema da capital, Tove faz parte da seção Perspectiva Internacional da 45ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo (Foto: Helsinki Filmi)

Vitória Lopes Gomez

A vida é uma aventura maravilhosa e deve-se explorar todos as suas reviravoltas”. Mente e a mão por trás de um dos cartuns mais famosos do mundo, Tove Jansson se considerava uma “artista falida”. Na cinebiografia Tove, produção finlandesa exibida na 45ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo, a diretora Zaida Bergroth ilumina os caminhos da escritora, pintora e ilustradora sueco-finlandesa até a criação de seus mundialmente conhecidos Moomins, que a tornaram referência mundial e um tesouro cultural do país. 

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The Rocky Horror Picture Show não cabe em nenhuma caixinha

Cena do filme The Rocky Horror Picture Show. Na imagem, em um primeiro plano, vemos o braço flexionado e musculoso do personagem Rocky, um homem branco e loiro, que está de costas e só aparece parcialmente. Em um segundo plano, atrás do braço de Rocky, vemos, da esquerda para a direita, Janet e Brad, uma mulher e um homem brancos, ambos aparentando cerca de 30 anos e vestindo roupões brancos; à frente deles, Magenta, uma mulher branca de cabelos encaracolados vestindo um vestido preto e de lado para a câmera; Frank, o personagem principal, vestindo um corset preto e maquiagem e flexionando os braços; e Riff Raff, um homem branco, de cabelos loiros e longos somente na lateral da cabeça, segurando uma toalha e encarando Frank.
The Rocky Horror Picture Show surgiu porque o criador Richard O’Brien, que também interpreta Riff Raff, estava entediado e insatisfeito com seus papéis no teatro (Foto: 20th Century Fox)

Vitória Lopes Gomez

Nota mental: nunca tentar definir o gênero cinematográfico e nem descrever o roteiro de The Rocky Horror Picture Show. O longa musical dirigido por Jim Sharman e baseado na peça teatral homônima levou às telas a essência satírica e tumultuada de comédia, terror e ficção científica todos juntos e misturados, com muita música, irreverência e atrevimento. Assim como os filmes B que se propôs a homenagear, a rebelde produção foi criticada, deixada de lado e jogada para as exibições com menor audiência. Entre o público das sessões, o propositalmente ridículo e contracultural The Rocky Horror Picture Show foi compreendido e, justamente por causa dos renegados, se tornou o clássico cult definitivo e atemporal que é hoje.

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A quem pertence O Babadook?

Imagem de divulgação do filme “O Babadook”, de 2014. Foto preto-e-branco de uma página acinzentada. No centro, vemos o desenho de Babadook, feito com lápis preto. Trata-se de uma silhueta alongada, com os braços colados sobre o tronco e os longos dedos de suas mãos abertos. Ele tem olhos esbugalhados, um nariz triangular, e uma grande boca cheia de dentes que se abre em um sorriso perturbador. Além disso, ele veste na cabeça uma cartola. Sua sombra se projeta do lado esquerdo até o desenho de um armário com a porta aberta. E, do lado direito, em paralelo com o armário, vê-se o desenho de uma porta semi-aberta.
O nome “Babadook” trata-se de um neologismo que reproduz a pronúncia de “a bad book”, “um livro mau” em inglês (Foto: Causeway Films)

Enrico Souto

Filme australiano independente lançado em 2014, O Babadook é um dos longas mais marcantes da história recente do Terror e, a despeito de sua pouca visibilidade, foi um sucesso de crítica, sendo considerado hoje um clássico moderno. Seus méritos narrativos e cinematográficos são incontestáveis, porém, o que realmente o marcou como um ícone da cultura pop foi sua apropriação feita pela comunidade LGBTQIA+. Embora visto por muitos como uma grande piada, esse paralelo com a experiência queer evoca camadas da narrativa que jamais seriam alcançadas em uma leitura mais superficial. E, visto que parte do público médio repudia essa relação, é necessário questionar: a quem pertence uma obra como O Babadook?

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Scream: eles sempre voltam

Cena da série Scream. Na foto, em um primeiro plano, vemos uma pessoa vestindo uma capa preta, luvas pretas e uma máscara cirúrgica branca, empunhando uma faca.
Ao contrário dos filmes, a série Scream não ganhou um nome traduzido e permaneceu homônima ao título original da franquia (Foto: MTV)

Vitória Lopes Gomez

Em uma época em que os slashers já estavam mais do que consolidados, Pânico se tornou um clássico por um motivo: o filme de Wes Craven revitalizou o subgênero ao se aproveitar das próprias convenções e regras e subvertê-las a seu favor. As fórmulas e os clichês viraram brincadeira nas mãos do diretor e do roteirista Kevin Williamson. Com muita referência, metalinguagem e, acima de tudo, autoconsciência, Pânico deu um jeito de satirizar o Terror ao mesmo tempo que se tornava um dos maiores clássicos do gênero.

Como a franquia de filmes apontou, “eles sempre voltam”. E assim foi: alguns anos e algumas sequências depois, a MTV resolveu dar continuidade às obras no formato televisivo. Afinal, “adolescentes” era basicamente o carro-chefe da emissora e, contanto que as vítimas agissem como a idealização das pessoas da idade, até um assassino à solta renderia conteúdo. O primeiro desafio veio, justamente, em adaptar os 120 minutos dos longas para os 10 episódios da primeira temporada de Scream. O próprio Noah avisou no piloto: slashers não duram muito tempo.

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Cineclube Persona – Setembro de 2021

Arte retangular horizontal azul-metálico com o olho do persona centralizado, com a íris no mesmo tom de azul. No canto superior esquerdo está escrito "cineclube" em branco e embaixo "persona" em branco com texto vazado. No canto inferior direito está escrito "setembro de 2021" com letras pretas. Ao longo da imagem vemos quatro quadros de moldura preta com fotos de Simu Liu (homem amarelo, canadense de origem chinesa), Carla Diaz (mulher branca) e Leonardo Bittencourt (homem branco), Asa Butterfield (homem branco) e Mimi Keene e Andy Samberg (homem branco) e Andre Braugher (homem negro).
Destaques de Setembro de 2021: Shang-Chi, 8ª temporada de Brooklyn Nine-Nine, 3ª temporada de Sex Education e A Menina que Matou os Pais (Foto: Reprodução/Arte: Ana Júlia Trevisan/Texto de Abertura: Marcela Zogheib)

O mês de setembro sediou a 73ª edição do Emmy, e a cobertura do Persona comentou sobre incontáveis produções indicadas e vencedoras do prêmio mais importante da Televisão, além de conteúdos com informações sobre as categorias e quem ficou de fora. Mas nem só de tapete vermelho vive um mês, e chegou a hora de comentar sobre as novidades de setembro no Cinema e na TV.

Grandes nomes do Cinema marcaram presença em lançamentos. A começar por Clint Eastwood que, no auge dos seus 91 anos, dirigiu e estrelou o filme Cry Macho, lançado nos cinemas e no HBO Max americano, trazendo uma perspectiva diferente de antigos papéis de sua carreira. Temos também My Son, thriller com a vencedora do Emmy Claire Foy e James McAvoy, que filmou o longa inteiramente sem ler o roteiro, experienciando todos os momentos junto à audiência, acompanhando a investigação do desaparecimento do filho do casal.

O HBO Max também foi o palco de Ryan Reynolds, Taika Waititi e Joe Keery, que compõem o elenco recheado de estrelas de Free Guy. A história de aventura conta a história de Guy, um caixa de banco que descobre ser um personagem de videogame. Indo da comédia para o mistério, M. Night Shyamalan dirige Gael Garcia Bernal, Eliza Scanlen e outros grandes atores no longa Tempo (Old), sobre uma praia deserta onde os visitantes envelhecem repentinamente.

Para já ir se preparando para o Halloween, os lançamentos de terror chegam em peso. Candyman, produzido pelo Jordan Peele e dirigido por Nia DaCosta, propõe uma volta ao clássico do gênero, e Maligno, novo filme de James Wan,  presta homenagem ao Cinema de Terror.

A Netflix, por sua vez, traz opções para todos os gostos, lançando Kate, filme de ação protagonizado por Mary Elizabeth Winstead, e Confissões de uma Adolescente Excluída, comédia baseada na obra de mesmo nome de Thalita Rebouças. Na onda de filmes sobre adolescência, Meu Nome é Badgá chega aos cinemas trazendo uma perspectiva diferente dessa fase, pelos olhos de uma skatista de 17 anos da periferia de São Paulo.

O Amazon Prime Video também chegou forte esse mês, com as duas partes que acompanham o julgamento do caso Richthofen, O Menino que Matou Meus Pais, contando a versão de Suzane, interpretada por Carla Diaz, e A Menina que Matou os Pais, acompanhando a perspectiva de seu namorado, Daniel Cravinhos. Além desses, The Voyeurs, inspirado em Janela Indiscreta,  entra no catálogo do streaming da Amazon, estrelando Justice Smith e Sydney Sweeney.

Apostando na música, o Prime também traz uma repaginada da clássica história de Cinderella, com covers de músicas pop interpretadas por sua protagonista Camila Cabello. E a terceira edição do desfile da Rihanna, Savage X Fenty Show Vol. 3, coloca grandes nomes nas passarelas, como Troye Sivan, Thuso Mbedu, e Symone e Gottmik de RuPaul’s Drag Race. E falando de drag, Todos Estão Falando Sobre Jamie conta, através de um musical, a jornada de um garoto que quer se tornar drag queen.

Já no streaming da Disney, a música ficou por conta de Billie Eilish e Happier Than Ever: Uma Carta de Amor para Los Angeles, que acompanha um show da artista, além de trazer uma animação através de suas canções. E quando podemos ensaiar uma volta aos cinemas com a vacinação avançando na nossa população – e mantendo o uso de máscaras, não custa reforçar -, a Marvel está de volta às telonas com Shang-Chi e a Lenda dos Dez Anéis, primeiro filme com um herói asiático do estúdio.

Na TV, RuPaul’s Drag Race All Stars 6 coroa, pela primeira vez, uma mulher trans, a vencedora Kylie Sonique Love. Enquanto isso, a segunda temporada do spin-off europeu Drag Race Holland, chegou repleto de brigas e reviravoltas (e também deu o prêmio à uma mulher trans).

Representando os documentários, Controlling Britney Spears, a continuação de Framing Britney Spears, saiu de surpresa. Mais uma vez produzido pelo The New York Times, o programa continua destrinchando a delicada situação vivida pela princesa do pop.

Setembro também foi o mês de despedida de algumas séries. A oitava e última temporada da amada Brooklyn Nine-Nine vem com mudanças motivadas pelos protestos contra violência policial e o movimento Black Lives Matter. E na Netflix, Lúcifer entrega sua 6ª temporada com um final cheio de significados. 

Para os fãs de comédia romântica, Sen Çal Kapimi, sensação da TV turca, lança a sua segunda temporada. A Hulu também vem com grandes sucessos em setembro. Reservation Dogs, produzida por Taika Waititi e original do FX, conta a história de jovens nativo-americanos que querem deixar a reserva onde vivem. Além dela, a minissérie Nine Perfect Strangers traz Nicole Kidman, Melissa McCarthy, Regina Hall e outros atores conhecidos de Hollywood em uma trama paradisíaca e bem misteriosa.

Animações também integraram o elenco de lançamentos de séries do mês. No Disney+, Monstros no Trabalho, um spin-off de Monstros S.A., mostra a vida de um jovem monstro recém formado que precisa se adaptar ao novo funcionamento da fábrica, que agora faz as crianças rirem. Star Wars: Visions, uma série de antologia em formato de curtas feita por estúdios de anime, brinca com o universo da franquia de George Lucas, enquanto Rick & Morty, no HBO Max, chega com sua 5ª temporada explorando ainda mais a conturbada relação de seus protagonistas.

A Netflix não brincou em setembro, e além dos filmes, o streaming trouxe muitas séries, começando por Q-Force, que acompanha um espião gay e sua equipe LGBTQIA+. Retornam Sangue e Água, depois do sucesso da primeira temporada, e Sex Education, que chega em sua terceira temporada com novas questões a serem discutidas, e com o primeiro personagem não-binárie da série, interpretado por Dua Saleh. 

O streaming também tem bastante conteúdo pra quem gosta de ação: o volume 1 da parte final de La Casa de Papel, uma das séries mais famosas da produtora, chega com episódios intensos e um desfecho surpreendente. Além de Round 6, produção coreana que é a febre do mês. Perto de assumir o posto de série mais assistida da plataforma, a história acompanha pessoas competindo em um jogo de sobrevivência por um prêmio milionário. Por fim, Missa da Meia-Noite: o novo terror dramático de Mike Flanagan, cheio de tensão e religião. Tudo isso e muito mais você confere no Cineclube de Setembro de 2021, sob a curadoria da Editoria do Persona e de seus Colaboradores

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Nota Musical – Setembro de 2021

Arte quadrada na cor rosa pink. No centro está a caixa de um CD, este decorado por uma foto de quatro artistas: Lil Nas X, Liniker, ABBA e Kacey Musgraves No canto superior, escrito em uma curvatura que acompanha o CD, está "nota musical" em branco. No canto inferior está, em preto, o texto "setembro de 2021".
Destaques do mês de setembro: Kacey Musgraves, Lil Nas X, Liniker e ABBA (Foto: Reprodução/Arte: Nathália Mendes/Texto de Abertura: Eduardo Rota Hilário)

Tranquilo como um vulcão, setembro chegou com um restinho de inverno que mais parecia uma sauna ao ar livre. Com temperaturas elevadas, o fim da estação tipicamente fria logo deu lugar à elegância da primavera – e nos fez lembrar de que, infelizmente, nem tudo são flores na vida. Entre erupções vulcânicas e medo de tsunamis, talvez nada tenha assustado tanto os brasileiros quanto os atos antidemocráticos que escancararam a fragilidade de nossa recente democracia. Mantendo-se firme ao lado da Cultura, e não permitindo que esses absurdos sejam esquecidos, o Persona respeitosamente introduz a nona edição do Nota Musical.      

Se, no fim de agosto, Kanye West bateu recordes na Apple Music com o álbum Donda, é verdade que ele também viu essa conquista durar pouco. Com Certified Lover Boy, lançado no comecinho de setembro, Drake assumiu a posição de seu rival, garantindo o posto de álbum mais ouvido na plataforma nas primeiras 24h em 2021. Apesar dos números elevados, esse projeto se mostrou ambicioso demais, e embora alcance seus pontos altos, é um disco que peca pelo excesso de ideias. De qualquer forma, nada deslegitima o sucesso do trabalho imersivo – e cheio das dores – de Drake.  

Mergulhando igualmente em si mesma, Liniker lançou o primeiro álbum solo da carreira. Repleto de referências musicais, Indigo Borboleta Anil é um bom primeiro passo para a nova etapa da cantora, que obteve inclusive o reconhecimento de verdadeiras lendas nacionais, como Milton Nascimento. E se estamos falando de trabalhos bem sucedidos ao se assumirem pessoais, não podemos deixar de mencionar o disco Dai a Cesar o que é de Cesar. Abordando do racismo à religião, o primeiro álbum de Cesar Mc é, com certeza, uma estreia muito notável para o rap nacional.

Ainda em solos brasileiros, Gaby Amarantos fica responsável por um dos melhores álbuns nacionais do ano. Com parcerias invejáveis, como Elza Soares, Alcione e Ney Matogrosso, Purakê extrapola o tecnobrega ao reunir novos sons da Região Norte do Brasil. Enquanto isso, no Nordeste, observamos diariamente uma das maiores polarizações da atualidade: com incontáveis fãs e haters na internet, Juliette entrega doçura, leveza e origem paraibana em seu primeiro EP, mostrando que, fora do BBB, ela pode viralizar com uma inusitada relação entre preconceito e farinha. Já Luana Flores, também da Paraíba, funde tradição e inovação em Nordeste Futurista, um excelente Extended Play de estreia.

Misturas sonoras e experimentalismos, aliás, estão por toda parte. Em The Dune Sketchbook, por exemplo, Hans Zimmer aprofunda os trabalhos musicais desenvolvidos para a nova adaptação cinematográfica de Duna, chegando a criar inclusive uma espécie de som de outra galáxia. Ao mesmo tempo, Lady Gaga torna o universo de Chromatica irregular, sem deixar, contudo, de executar, ao lado de BloodPop, uma curadoria diversificada e rica para Dawn of Chromatica. O álbum de remixes tem, por sinal, um de seus auges em Fun Tonight, colaboração com a nossa Pabllo Vittar.

Mas a Mother Monster não foi a única a realizar grandes curadorias no mês. Comemorando os 30 anos de The Black Album, a banda Metallica lançou o disco The Metallica Black List, marcado por números colossais e diversas releituras das faixas do clássico, em uma reunião de artistas e bandas para todos os gostos. Embora seja um pouco inusitado, um desses nomes é J Balvin, que também se destacou em setembro ao lançar José, o sétimo álbum de estúdio da carreira. Com mais de 20 participações especiais, o CD de tom intimista do embaixador global do reggaeton conquistou um bom desempenho no agregador de notas Metacritic, além de razoáveis reproduções no Spotify.   

Falando em rankings, quem também se sobressaiu no mês foi a rapper LISA. Depois de 5 anos em cena com o grupo BLACKPINK, ela finalmente estreou sua carreira solo com o single LALISA. Faixa-título do álbum ainda inédito, a canção alcançou o surpreendente segundo lugar na Billboard Global 200. E entre hits e polêmicas, não podemos esquecer que Lil Nas X deu à luz o tão aguardado MONTERO. Colaborando com grandes nomes da Música, como Elton John, Kanye West e Miley Cyrus, o atual ícone da comunidade LGBTQIA+, e promessa para o futuro do rap, se mostrou bem eclético em seu disco de estreia. 

Nessa importante valorização da diversidade, Phoebe Bridgers e a banda MUNA vivem um romance queer em Silk Chiffon. O single ganhou um videoclipe baseado no filme Nunca Fui Santa, de 1999, demonstrando que os anos 90 ainda estão em alta. Prova disso é também The 90s, de FINNEAS, canção que fará parte do álbum de estreia Optimist. Nela, o irmão de Billie Eilish canta as saudades de um mundo sem internet e com esperança no futuro, retrato explícito desse tempo passado.

Além disso, quase na mesma atmosfera, Radiohead transporta todo mundo para os anos 2000 com If You Say the Word, primeira música inédita do vindouro CD KID A MNESIA, edição especial que comemora os aniversários de duas obras clássicas da banda. Mas as novidades para os fãs de rock não param por aí. Oasis atacou em dose dupla, dando pistas do futuro álbum ao vivo Oasis Knebworth 1996 ao lançar os registros das canções Live Forever e Champagne Supernova, ambos presentes no disco. No entanto, como todo gênero musical, algumas decepções foram inevitáveis, e a culpa agora é da banda norte-americana Imagine Dragons. Em Mercury – Act 1, primeira parte de uma obra dividida em dois álbuns, o que encontramos é um trabalho sem coesão, confuso e diferente dos discos anteriores. 

Mas para quem gosta dessas viagens ao passado, ouvir as novidades dos veteranos talvez seja uma boa escolha. Sendo assim, depois da dupla Lady Gaga e Tony Bennett, com o single Love For Sale, um dos maiores destaques de setembro é com certeza a volta do ABBA. Após 40 anos ausente, o grupo pop sueco retorna com as canções I Still Have Faith In You e Don’t Shut Me Down, anunciando um álbum novo e um show especial. Não bastasse tamanha alegria, aqui no Brasil, Caetano Veloso chega com Anjos Tronchos, primeiro gostinho de um disco de composições inéditas – o ainda aguardado Meu Coco – desde 2012.

Além desses retornos, uma junção inesperada de nomes grandiosos da Música brasileira foi uma das belas surpresas do mês. Edi Rock, Ney Matogrosso e Linn da Quebrada regravaram o clássico Nada Será Como Antes para a trilha sonora da nova temporada de Segunda Chamada, e o resultado desse encontro está bem interessante. Ainda para as telinhas, St. Vincent presenteia o mundo com três canções originais, dentre outras faixas, na trilha sonora de The Nowhere Inn. Cynthia Erivo, por sua vez, lança Ch. 1 Vs. 1, seu primeiro disco completamente autoral, que transita entre pop, soul, R&B e gospel – e reforça o lado cantora da artista indicada a Melhor Atriz em Série Limitada ou Antologia ou Telefilme no Emmy 2021

Na mesma linha, o astro de Teen Wolf Tyler Posey estreia como artista solo no EP Drugs, trabalho no qual narra o uso exagerado e sua consequente luta contra as drogas. Já Alexa Demie, famosa por seu papel em Euphoria, dá seus primeiros passos no mundo da Música com o single Leopard Limo. E avançando no processo de recuperação de seus direitos autorais, Taylor Swift lança oficialmente a nova versão de Wildest Dreams, hit do álbum 1989, de 2014, que já tinha aparecido na trilha do filme Spirit: O Indomável. Igualmente no universo audiovisual, mas agora nos games, mxmtoon lança true colors, obra que faz parte da trilha sonora do jogo Life is Strange, e é formada por dois covers e duas composições originais.

Sendo a vida estranha ou não, é bom poder aproveitá-la. E Alicia Keys faz isso muito bem em LALA, sua parceria com Swae Lee. Criando um clipe luxuoso para o single, a cantora esbanja alegria em uma festa invejável. Algumas celebrações, no entanto, são um pouco macabras. É o caso de Charli XCX, que dança no funeral do próprio namorado no vídeo de Good Ones, música que narra o processo de acostumar-se com relacionamentos ruins. E falando em dança, é impossível não mencionar a nova canção de Glass Animal. Em I Don’t Wanna Talk (I Just Wanna Dance), a banda britânica não só aparece nas paradas da Billboard, como também cria uma atmosfera totalmente dançante, psicodélica e elétrica.       

Numa onda de tantos festejos, os detalhes mais sutis da vida também garantem seus espaços especiais. Em Te Ao Mārama, Lorde dá continuidade à fase mais iluminada de sua carreira, regravando algumas faixas de Solar Power em Maori, a língua nativa da Nova Zelândia – país onde a cantora nasceu e cresceu. Já Lana Del Rey se afasta das redes sociais para focar na Música, mas não sem antes deixar um presentinho para os fãs: Arcadia, single presente no ainda tão aguardado álbum Blue Bannisters, ganhou um clipe dirigido pela própria artista. E em Angel Baby, sua mais recente balada, Troye Sivan tem o coração completamente tomado por uma paixão avassaladora.    

Infelizmente, os amores estonteantes nem sempre são eternos ou duradouros. E Kacey Musgraves sabe bem disso. Após o sucesso e aclamação de Golden Hour, a cantora norte-americana vencedora do Grammy retorna com star-crossed, seu quarto álbum de estúdio. Influenciado pelo divórcio entre a artista e o músico Ruston Kelly, o trabalho foi até mesmo descrito como “uma tragédia moderna em três atos”. Aliás, nesse clima de traumas e outros elementos extremamente particulares, a rapper Little Simz se destaca ao lançar o disco Sometimes I Might Be Introvert, trabalho que pode vir a ser classificado como um dos melhores CDs do mês, ou até mesmo do ano.             

Se algumas pessoas têm sorte disco após disco, outras não são tão queridas pelo destino. Ao lançar gg bb xx, o quarto álbum de estúdio da banda, LANY cai numa criação genérica e repetitiva, entregando uma obra um pouco frustrante. Ao mesmo tempo, alguns trabalhos, antes de serem bons ou ruins, são apenas totalmente inesperados. Foi o que aconteceu com o EP YELLOW TAPE, de ZAYN. Lançado sem qualquer aviso, e fora das plataformas oficiais de streaming, as três novas músicas do ex-One Direction mergulham no rap, entregando letras profundas, marcadas por indiretas e algumas questões particulares.

Aliás, lançamento inusitado foi o que não faltou no mês. Entre o EP Take a Stand (The Noam Chomsky Music Project) – homenagem ao linguista norte-americano Noam Chomsky – e a aparição da mãe de Beyoncé no clipe do primeiro single solo oficial de Chlöe, Have Mercy, o maior destaque dentre as surpresas de setembro pode ter sido facilmente Life of the Party, colaboração entre Kanye West e Andre 3000. Se essa faixa foi um dos descartes do álbum Donda, Drake achou uma boa ideia vazá-la em um programa de rádio. Aumentando a rivalidade entre os rappers, Kanye West logo deu sua resposta, compartilhando publicamente o endereço de Drake.   

Mas os ecos do famigerado álbum lançado no fim de agosto não param por aí. Baby Keem, que também fez parte do disco, agora reúne seu primo Kendrick Lamar e Travis Scott no álbum The Melodic Blue. Apesar de novato, os passos de Keem têm se mostrado tão dignos quanto os de muitos veteranos. E por falar em veteranos, aqui no Brasil, Manu Gavassi inova em sub.ver.si.va – segundo single de seu quarto álbum de estúdio, previsto para sair em novembro – ao gravar, para essa música, um clipe somente em filme, sem versões digitais

Já Anitta se tornou a primeira artista brasileira a se apresentar no VMA. Com uma performance simples e breve, marcada por uma parceria com o Burger King e muito playback, a nossa girl from Rio teve seus merecidos momentos de brilho. E embora tenha começado há menos tempo, Pabllo Vittar arrasou no clipe de Bang Bang. Homenageando a artista Mylla Karvalho, a drag queen mais popular do mundo entregou muita coreografia no vídeo dirigido por Vinícius Cardoso – e o mais recente foco dentro de seu último álbum, Batidão Tropical.  

Fazendo uma cobertura cautelosa e bastante ampla do que rolou no mundo da Música no nono mês de 2021, o Nota Musical reúne os melhores e piores lançamentos musicais de Setembro. Compromissados com a valorização da Arte e de informações e dados de qualidade, a Editoria e os Colaboradores do Persona tentam trazer um pouco de respiro a quem (sobre)vive no Brasil de 2021, já que falar de Cultura nesta terra devastada é, ao mesmo tempo, luta e resistência.

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Shameless: essa família é muito unida e também muito ouriçada

William H. Macy é o único ator de Shameless nomeado no Emmy 2021 (Foto: Showtime)

Ana Júlia Trevisan

Não vamos mais contar o que rolou semana passada” “Acabou”, “Não vai rolar”, “É um insulto”: dessa maneira se encerra o ciclo de onze anos da série que recepcionava com um atrativo recap e finalizava seus episódios com uma cena pós-créditos nível Marvel. Shameless é uma comédia com todos os modos de um bom drama. A produção gira em torno dos Gallagher: uma família disfuncional de seis irmãos, onde a mãe tem bipolaridade e abandonou o lar e o pai é um bêbado, drogado e negligente. Assim como grandes séries vide The Office e Skins, Shameless é um remake americano da série britânica de mesmo nome.

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