Em Lucifer, os traumas familiares celestiais são tão humanos quanto os seus

Poster de divulgação da série Lúcifer. O poster é retangular, com fundo vermelho. À esquerda, está o rosto de Lúcifer com os olhos vermelhos. Ele é um homem branco, tem barba rala na cor marrom escuro, da mesma maneira que seu cabelo e sua sobrancelha. Há sombreamento vermelho do lado direito de sua face. Logo depois, centralizado, encontram-se os escritos “SIN AND SINNER”, em letreiro de néon vermelho, e "Lúcifer" em dourado. Por fim, à direita do poster, está Miguel, o irmão gêmeo de Lúcifer. Ele possui as mesmas características físicas do Lúcifer, mas com uma cicatriz que começa na testa e termina na bochecha. Há um sombreamento vermelho no lado esquerdo de sua face.
“No princípio, o anjo Lucifer foi expulso do céu e condenado a governar o inferno para sempre. Até que ele decidiu tirar férias” (Foto: Netflix)

Jordana A. Pironti

Já se perguntou por que o anjo caído decidiu começar uma revolução no Paraíso que o levou a ser castigado e a comandar o Inferno pela eternidade? A segunda parte da 5ª temporada de Lucifer, série da Netflix desenvolvida por Tom Kapinos e comandada por Joe Henderson, coloca o Diabo à frente de seus problemas com seu pai, Deus (Dennis Haysbert), e mostra que na verdade a família celestial é tão desconfigurada e problemática como qualquer outra.

A 5ª temporada aflorou o romance entre o Diabo (Tom Ellis) e a Detetive Decker (Lauren German), mas não por muito tempo. Os novos episódios, embalados por uma trilha sonora carregada de rock alternativo, retomam a briga entre Lucifer, seu irmão gêmeo invejoso Miguel, e Amenidial (D. B. Woodside). Ao que os três estão prestes a encerrar a vida um do outro em meio ao cenário congelado da delegacia de Los Angeles, uma luz branca forte aparece e então Deus, pela primeira vez na série, pisa na Terra.

A psicologia explica que boa parte dos traumas de uma pessoa são decorrentes do tratamento que receberam dos seus pais, e com o Rei do Inferno não foi diferente. Lucifer Morningstar amadureceu muito ao decorrer das temporadas, demonstrando mais autonomia e responsabilidade por suas ações e conhecendo melhor as emoções dele e das pessoas que ama. Mas o grande feito dessa nova parte foi mostrar com ênfase os motivos familiares das inseguranças profundas dele, que são metaforizadas em um comportamento narcisista e autodepreciativo.

Quando Deus tenta uma reconciliação e reaproximação da família, Lucifer, que costumava não reconhecer suas feridas e a justificar os motivos de suas falhas no comportamento dos outros, reage evidenciando os traumas familiares antigos e reativando esses comportamentos. Como consequência, ele passa a duvidar novamente se é merecedor do amor da Detetive.

A imagem é uma foto. A esquerda encontra-se Miguel, sentado em uma mesa de madeira posta com comidas, pratos, talheres, taças de vinhos e velas. Ele está com os cotovelos apoiados na mesa e as mãos entrelaçadas. Depois dele, à ponta da mesa, senta Lúcifer com as mãos em posição de reza. Logo depois dele, à direita da imagem e do outro lado da mesa, está Linda. Ela é uma mulher branca de cabelos loiros que usa óculos preto, e também está com as mãos em posição de reza. Por fim, ao lado de Linda, sentado na frente de Miguel, está Amenidieal. Ele é um homem negro, careca e que tem um cavanhaque ralo, e está com as mãos cruzadas apoiadas no queixo.
Lucifer aceita o convite para o jantar com a família e o evento se torna a gota d’água para o Rei do Inferno sobre a postura indireta de seu pai (Foto: Netflix)

A série sempre nos leva pelas viagens psicológicas de autoconhecimento do Rei do Inferno, baseadas em sua visão irônica e auto destrutiva, com um leve toque de personalidade intensa. Mas a apresentação de Deus, o ser mais poderoso do universo, como uma figura de pai controlar e ao mesmo tempo negligente, traz o olhar fora do convencional que qualifica Lucifer

Caindo em inúmeras contradições, Deus, carregado de frases vagas e indiretas, justifica sua postura distante e fria pela vontade de proporcionar aos filhos livre escolha. No entanto, ele constantemente controla e julga os comportamentos deles, depositando altas expectativas, situação muito bem ironizada no episódio musical em que Lucifer canta e dança com seus colegas de trabalho, durante momentos extremamente delicados, e contra sua vontade.

Centralizado na imagem está Lucifer. Ele está com os olhos fechados, a cabeça levemente inclinada para cima e as mãos em posição de reza. O fundo do espaço atrás dele está embaçado. é possível ver que o ambiente possui luz indireta e se parece com um bar. Tem prateleiras com bebidas, um balcão e bancos altos pretos com os pés metalizados.
A segunda parte da 5ª temporada estreou dia 28 de maio na Netflix (Foto: Netflix)

Lucifer não se entrega ao esperado maniqueísmo de histórias de bem e mal. O andar das temporadas traz constantes quebras de perspectiva, sendo a grande virada de chave relativizar a maldade intrínseca e a bondade absoluta. As pessoas com quem o Diabo se relaciona na vida terrena são capazes de enxergar o melhor nele, isso o impulsiona a crescer e, consequentemente, reconhecer e evidenciar os erros de seu pai, desmistificando a perfeição angelical.

É surpreendente o grande sucesso da série em se conectar com o público. A humanização do divino foi capaz de criar uma conexão inesperada entre o personagem principal, o Diabo, e o telespectador. Acompanhar o crescimento psicológico de Lucifer coloca quem assiste em posição de análise, não apenas sobre os próprios comportamentos mas também sobre a humanidade, evidenciando que nem tudo é preto e branco. Muitas vezes, a realidade pode ser pintada em cinquenta tons de cinza. 

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