Annette é um conto de fadas turbulento

Cena do filme Annette. Vemos homens, mulheres e crianças parados na calçada de uma rua de Los Angeles. As que estão na frente estão ajoelhadas, olhando para cima. As pessoas no fundo estão em pé. Duas delas, uma mulher branca com cabelo loiro e uma mulher negra, conversam no canto superior esquerdo.
O musical liderado por Adam Driver e Marion Cotillard faz parte da Perspectiva Internacional da 45ª Mostra de Cinema de SP (Foto: MUBI)

Caio Machado 

O cinema de Leos Carax sempre teve uma relação íntima com a Música, indo da belíssima caminhada noturna ao som de David Bowie em Boy Meets Girl ao “intervalo” com uma impressionante versão instrumental de Let My Baby Ride em Holy Motors. Nesse sentido, Annette, novo trabalho do cineasta francês exibido na 45ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo, extrapola esse laço com a Música de uma forma nada convencional. 

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Ahed’s Knee tem os olhos maiores que a boca

Cena do filme Ahed's Knee mostra o close-up de um homem e uma mulher muito próximos um do outro, se olhando nos olhos.
Coprodução entre Itália, Alemanha e Israel, Ahed’s Knee faz parte da Perspectiva Internacional de Mostra de SP (Foto: Fênix Filmes)

Vitor Evangelista

Nascido como um exercício de autorreflexão e uma carga exorbitante de sentimentos, o filme Ahed’s Knee chama atenção por uma série de fatores. Primeiro, vem da mente de Nadav Lapid, cineasta que viu seu longa anterior, Synonymes, vencer dois importantes prêmios de Berlim. Segundo, pois o indeciso Júri de Cannes 2021 o condecorou em um empate com Memoria. Terceiro, pois sua chegada no Brasil pela 45ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo carimba o passaporte já lotado de festivais por onde viajou.

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Yuni!

O drama adolescente da cineasta Kamila Andini é parte da seção Perspectiva Internacional da 45ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo e a aposta da Indonésia para representar o país no Oscar 2022 (Foto: Cercamon)

Raquel Dutra

O nome do novo filme de Kamila Andini é exclamado em muitos momentos dentro dos 90 minutos que o abrigam. Não é para menos, afinal, as reações à figura que o batiza: uma adolescente cheia de sonhos, perspicácia e incertezas que vive no interior conservador e religioso da Indonésia. Antes de chegar na 45ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo, Yuni gerou o mesmo sentimento no Festival de Toronto 2021, de onde saiu com uma recepção muito positiva e agraciada com Platform Prize, que reconhece filmes com “alto mérito artístico” e que também apresentam “uma forte visão de direção”.

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Por que buscamos a Memoria?

Cena do filme Memoria. A foto mostra Jessica, uma mulher branca, de cabelo ruivo-escuro, vestindo camisa clara e calça jeans.Ela está sentada em uma cama bagunçada, em um quarto com mobília e quadros antigos e paredes brancas. Uma luz branca forte emana da janela.
Memoria está sendo exibido na seção Perspectiva Internacional da 45ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo (Foto: MUBI)

João Batista Signorelli 

Todas as memórias são imperfeitas, incompletas, limitadas. Um som, um gesto, uma visão, tudo se dissolve passado o seu momento de existir, e sobrevivem apenas em uma reconstituição nebulosa registrada em nossa mente. Uma memória pode não traduzir com exatidão os eventos vivenciados por um indivíduo, o que não quer dizer em nenhuma hipótese que ela é sem significado. As lembranças representam ideias que, muitas vezes, não somos capazes de traduzir em linguagem, mas que, ainda assim, sentimos, e sentindo sabemos que aquilo é significativo. Do mesmo modo que uma memória paira em nossa mente, Memoria, exibido na 45ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo, é uma obra enigmática e impossível de ser descrita com precisão, mas que, talvez por isso mesmo, está repleta de significados. 

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O vencedor leva tudo em Bergman Island

Cena do filme Bergman Island. Na imagem estão Chris e Tony, em ordem. Chris, interpretada por Vicky Krieps, é uma mulher branca com cerca de 38 anos e cabelo cacheado castanho. Ela veste um suéter laranja queimado. Tony, interpretado por Tim Roth, é um homem branco com cerca de 60 anos e cabelo curto castanho claro. Ele veste uma blusa azul marinho. Ambos estão de perfil, olhando para uma janela. O fundo é uma parede branca de reboco simples.
Integrando a seleção da 45ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo, Bergman Island teve sua estreia oficial no Festival de Cannes 2021 (Foto: IFC Films)

Ayra Mori

Foi na Sétima Arte que Ingmar Bergman convidou seus fantasmas mais obscuros para uma batalha taciturna de xadrez. Numa série de movimentos milimetricamente calculados, xeque, o cineasta sueco ultrapassou os limites entre o homem ordinário e o gênio do Cinema Moderno. Integrando a Perspectiva Internacional da 45ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo, Mia Hansen-Løve se aventura em Bergman Island. E incubando-se da ingrata responsabilidade de homenagear tamanho legado, a diretora francesa vai para além de Bergman, refletindo acerca do amor, da desilusão e, principalmente, da recuperação artística.

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O sofrimento transcende o tempo em Regresso a Reims (Fragmentos)

Fotografia colorida de uma família francesa. Na foto, da esquerda para a direita, há um homem de cabelos grisalhos, vestindo terno cinza e camisa branca, de braços cruzados e boca semi-aberta; depois, há um homem com cabelos pretos lisos, sorrindo de boca fechada, vestindo uma blusa azul, camisa branca e uma calça azul. Também está de braços cruzados. À sua esquerda, há uma mulher de braços cruzados, vestindo um vestido de cor verde, com uma bolsa em cor marrom pendurada em seu braço esquerdo. Ela possui um cabelo liso de cor preta, que cobre suas orelhas. Depois, há uma menina de cabelo castanho liso, utilizando um vestido de cor verde com bolinhas brancas. Ela está com os dois braços cruzados atrás das costas. Essas 4 pessoas são brancas. Ao fundo estão alguns pessoas caminhando, com bandeiras com as cores da França expostas.
Integrando a seção Perspectiva Internacional da 45ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo, Regresso a Reims (Fragmentos) é um recorte da história da classe média na França [Foto: Les Films de Pierre]
Bruno Andrade

Parte considerável dos conflitos geracionais consiste em renegar a vida pregressa do indivíduo que está bem diante de você, comumente associado a alguém antiquado à época. Essa ausência de visão pode transformá-lo em um ser suportável, mas diminuí-lo como ser humano. Pelo menos essa é a lição que tiramos de Pais e Filhos, de Ivan Turguêniev. A essa postura, o diretor e roteirista Jean-Gabriel Périot se opõe ferozmente, e joga luz sobre a história dos trabalhadores franceses em seu documentário Regresso a Reims (Fragmentos), exibido na 45ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo.   

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Um Herói aprisiona até o afeto

Cena do filme Um Herói. Mostra um homem adulto, iraniano, caminhando perto de uma montanha clara. Está de dia e está bem sol, e ele segura uma mala azul com a mão direita.
Submissão oficial do Irã para o Oscar 2022, Um Herói faz parte da Perspectiva Internacional da Mostra de SP (Foto: California Filmes)

Vitor Evangelista

Asghar Farhadi já tem cadeira cativa na Mostra Internacional de São Paulo, e com Um Herói (Ghahreman) a história não mudou. Premiado em Cannes e com um burburinho absurdo desde sua exibição em terras francesas, o novo drama do aclamado diretor aterrissa na capital paulista recheado de tensão e uma discussão muito boa a respeito de lei, moral e até mesmo dos limites da prisão.

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Madeira e Água: entre aquilo que temos e o que nos falta

Cena do filme Madeira e Água. A imagem mostra à distância uma mulher branca de meia idade na frente de uma densa floresta de pinheiros e de frente para um lago de água cristalina. Na água, vemos o reflexo da floresta e a mulher.
A produção integra a Competição Novos Diretores da 45ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo (Foto: Trance Films)

João Batista Signorelli

Uma viúva de meia-idade se aposenta de seu trabalho em uma igreja numa cidadezinha no sul da Alemanha, e aproveita o momento para reencontrar sua família na região onde outrora viveram à beira-mar. Como um de seus filhos se vê impossibilitado de viajar à Alemanha, ela decide ir a Hong Kong onde ele mora e trabalha para encontrá-lo, porém, ele não está lá para recebê-la. Madeira e Água, exibido na 45ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo, é um filme contemplativo de poucos diálogos, mas cujas imagens dizem muito. 

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Em Grave, Julia Ducournau está faminta por você

Cena do filme Grave. Justine (Garance Marillier) está no colo de Adrien (Rabah Nait Oufella), com a cabeça apoiada em seu ombro esquerdo, mordendo fortemente seu próprio braço direito. Justine é caucasiana, de cabelos pretos e longos. Ela está nua, e a câmera captura seu olhar animalesco conforme sangue se acumula em seu braço e escorre para a cama. Adrien é caucasiano, tem o cabelo escuro raspado e sua expressão não é visível, sua cabeça apoiada na cama. Ele gentilmente alisa o cabelo de Justine com a mão esquerda. Atrás deles, o resto do quarto está desfocado, mas podemos identificar alguns livros empilhados e roupas espalhadas.
Sim, você (Foto: Focus Features)

Gabriel Oliveira F. Arruda

Antes de adentrarmos mais uma vez na cabeça da diretora e roteirista Julia Ducournau para falar sobre Titane, vale a pena olhar cinco anos para trás e comentar seu poderoso filme de estreia, Grave. A mistura elegante de drama coming-of-age com terror corporal dá um sabor inteiramente próprio à obra, subvertendo clichês dos dois gêneros e clamando para si seu lugar na cultura cinematográfica como um dos filmes mais perturbadores dos últimos tempos.

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I Comete – Um Verão na Córsega é uma viagem ensolarada

Cena do filme Um Verão Na Córsega exibe um homem negro e uma mulher branca sentados à mesa em um jardim na França. Uma árvore faz sombra neles. O homem tem barba grande, cabelo preto e veste uma camiseta, acompanhada de uma bermuda cinzenta. Usa um all star nos pés. A mulher tem cabelo loiro comprido, usa regata preta e está à esquerda do homem. Ambos vestem roupas adequadas para o clima quente da região. Os dois tomam café da tarde enquanto conversam. Ao fundo, vemos um pouco do mar.
Lugares belíssimos inundam o longa que integra a Competição Novos Diretores da Mostra de SP (Foto: 5à7 Films)

Caio Machado

O verão é um terreno fértil bastante explorado pelo Cinema. Os lugares bonitos e ensolarados já foram palco de histórias intensas de amadurecimento, discussões sobre o amor e até mesmo terrores arrepiantes. I Comete – Um Verão na Córsega, filme exibido na 45ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo, aproveita a estação do ano para elaborar um mosaico fascinante da vida das pessoas que moram em uma pequena vila da ilha francesa. 

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