Os Melhores Livros de 2022

Entre o melhor da Literatura em 2022, tivemos a tradução da obra póstuma de David Foster Wallace, novas edições de Shirley Jackson e o romance de estreia de Jarid Arraes (Arte: Henrique Marinhos/Texto de Abertura: Bruno Andrade)

No último ano, a editoria de Literatura foi uma das áreas que se consolidou no Persona. A parceria com a Companhia das Letras recebeu uma melhoria, nos tornando Parceiros Fixos. Como resultado, mais de 30 livros foram resenhados em 2022, e a grande maioria foram obras lançadas pela editora. Nós também ficamos de olho em eventos literários, como o Nobel de Literatura, e nosso Clube de Leitura e Estante do Persona se revitalizaram. Como um balanço do que foi o ano passado para o projeto – e para a Literatura no mundo –, chegamos com Os Melhores Livros de 2022.

Dos dias 2 ao 10 de Julho, membros da nossa Editoria cobriram a 26ª Bienal Internacional do Livro de São Paulo, que ocorreu no Expo Center Norte. Dentre os destaques, a Homenagem a José Saramago – que completaria 100 anos em 2022 –, feita por Andréa Del Fuego, José Luís Peixoto e Jeferson Tenório, e a presença de Paulina Chiziane e Valter Hugo Mãe, marcaram a última edição do festival.

O evento, na verdade, teve dupla celebração: além do centenário do único escritor de língua portuguesa a receber o Nobel de Literatura, 2022 também marcou o bicentenário da Independência do Brasil. Dessa forma, a celebração se deu na forma de reconhecimento da identidade linguística, que une continentes através do idioma em comum, e contou também com a presença do presidente de Portugal, Marcelo Rebelo de Sousa.

Em Maio, a Companhia das Letras publicou a tradução O rei pálido, romance póstumo de David Foster Wallace, finalista do Pulitzer em 2012 e que estava em processo de tradução desde 2014. Pela mesma casa editorial, Sátántangó, do húngaro László Krasznahorkai, finalmente chegou ao mercado editorial brasileiro. Eterno favorito ao Nobel de Literatura, esse é o primeiro livro do autor publicado no país. 

E, falando da premiação, 2022 foi o ano de Annie Ernaux. A escritora francesa foi a grande vencedora do Nobel de Literatura, e foi tema do nosso Clube do Livro meses antes de sua consagração. Em Novembro, ela veio ao Brasil para participar da Festa Literária de Paraty (Flip), onde dividiu uma mesa com Geovani Martins, autor de Via Ápia. Além das entrevistas com os escritores Tobias Carvalho e Daniel Galera, o Persona também foi representado no podcast Clube Rádio Companhia, da Companhia das Letras, no papo sobre os 10 anos de lançamento de Barba ensopada de sangue, de Galera.

Abaixo, você confere a lista das obras que marcaram os membros da Editoria e nossos colaboradores no ano de 2022, com gêneros e estilos para todos os gostos. Seja qual for a sua escolha, o Persona segue defendendo a pluralidade, irreverência e emancipação propiciada pelos livros. Boa leitura!

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Estante do Persona – Outubro de 2022

Com tradução de Livia Deorsola, As convidadas foi a aventura do Clube do Livro em Outubro de 2022 (Foto: Companhia das Letras/Arte: Nathália Mendes/Texto de abertura: Vitória Gomez)

“Você me disse que o medo sempre foi uma das minhas distrações favoritas. Essas loucuras minhas são das que você mais gosta, porque demonstram que ainda resta em mim algum resquício de infância. Não sou corajosa, mas em minha inconsciência jamais recuso o perigo, eu o busco para brincar com ele.”

– Silvina Ocampo

O final do ano se aproxima e o Clube do Livro não deixou a peteca cair. Se as relações humanas já permearam mais debates do que conseguimos contar em uma mão, a escolha do mês remexeu a abordagem do tema e desafiou os leitores do Persona. As convidadas, leitura selecionada para Outubro, tem as relações amorosas como ponto central da maioria de seus 44 contos de duração. O livro de Silvina Ocampo, porém, leva o absurdo a sério e o extrapola para explorar os tais relacionamentos.

Publicado no Brasil em 2022 pela Companhia das Letras, a coletânea de curtas histórias é tão surpreendente quanto é chocante. Ora sombria, ora cômica, Ocampo invade o costumeiro com o extraordinário e o inesperado. Na subjetividade de deixar seus pontos emaranhados em situações peculiares, escondidos sob o véu da interpretação de cada leitor, a escritora argentina rende material para teorias e debates através da lente do realismo mágico e da literatura fantástica, levando sua testemunha a apenas um passo de descobrir o que não pretende desvendar.

Assim como na obra, selecionada graças a parceria do Persona com a Companhia das Letras, Outubro talvez tenha sido o mês da antecipação no campo literário. Anunciada como convidada da Festa Literária Internacional de Paraty – tema garantido no próximo Estante -, a francesa Annie Ernaux recebeu o Nobel de Literatura pela “coragem e acuidade clínica com que descobre as raízes, os distanciamentos e as restrições coletivas da memória pessoal”. Uma das favoritas ao prêmio, Ernaux se tornou apenas a 17ª mulher a vencer a honraria, de 119 ganhadores desde 1901. Após a vitória, ela destacou que deve poder testemunhar “uma forma de equidade, justiça, em relação ao mundo”.

A mente por trás de Les Armoires Vides (1974), Os Anos (2008) e O Acontecimento (2000) – esse último, experienciado pelo Clube do Livro em Julho -, foi honrada pela forma com que mescla suas experiências de vida a temas de interesse coletivo, cunhado como “autosociobiografia”. Na primeira obra, por exemplo, a escritora reflete sobre classes sociais em uma inconstante França ao passo que narra seu próprio cotidiano no empreendimento da família no interior do país. A linguagem simples e direta, “cristalina”, de Ernaux também pode ser mencionada com um dos motivos do envolvimento arrebatador de seus textos.

Do âmbito global ao nacional, a antecipação se estendeu ao Prêmio Jabuti: um dos maiores reconhecimentos da Literatura e do mercado editorial brasileiro revelou seus finalistas na última semana do mês. Dentre os 10 concorrentes em cada categoria, divididas nos eixos de Literatura, Não Ficção, Produção Editorial e Inovação, a de Romance Literário se destacou. Com 8 dos 10 nomes que chegaram ao corte final sendo autoras mulheres, a lista dos 5 indicados ao troféu foi ainda mais positivo. Mas isso é tema para o próximo mês. Dentre as menções, Natalia Borges Polesso concorreu pela terceira vez (a segunda na categoria), agora com A extinção das abelhas. Andréa del Fuego, por A pediatra, e Aline Bei, por Pequena coreografia do adeus, ambas conhecidas do Persona, também integraram a lista.

Já na língua portuguesa como um todo, o Prêmio Camões 2022 laureou o ensaísta e poeta Silviano Santiago. Autor dos ensaios O entre-lugar do discurso latino-americano, O cosmopolitismo do pobre e As raízes e o labirinto da América Latina, o escritor mineiro levou seis vezes o Prêmio Jabuti e o prêmio Machado de Assis da Academia Brasileira de Letras. Agora, soma o Camões a sua estante, pelo conjunto de sua obra. Dentre os cotados do Brasil, Portugal e países africanos de língua portuguesa, Santiago é o 14º brasileiro a fazer parte da curta lista de vencedores; em 2021, quem recebeu a honraria foi Paulina Chiziane, de Moçambique.

Entre reconhecimentos e antecipações, o Clube do Livro segue atento aos próximos destaques vindos do Jabuti e aos debates fundamentais suscitados na Flip 2022, que pautarão a Literatura pelos próximos meses. Enquanto isso, é a Editoria do Persona quem indica as leituras do final do ano.

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Estante do Persona – Setembro de 2022

Em Setembro, o Clube do Livro do Persona completou sua 12ª leitura sob os cuidados da Pediatra, de Andréa del Fuego (Foto: Companhia das Letras/Arte: Nathália Mendes/Texto de abertura: Raquel Dutra)

“Ainda é tempo de morrer amanhã, que será o ontem de depois de amanhã, se eu então continuar vivo.” 

– Javier Marías

O primeiro ano do Clube do Livro está chegando: em Setembro, completamos nossa 12ª edição, preparados para encerrar um ciclo que nos fez próximos da Literatura como nunca antes havia acontecido. Iniciando as comemorações desse marco tão especial, trouxemos A Pediatra, de Andréa del Fuego, para deixar suas impressões sobre o tão saudável projeto caçula do Persona.

O que encontramos a partir daí, no entanto, foi um procedimento nada convencional. A obra da autora paulistana se concentra em Cecília, uma pediatra que é o exato oposto do estereótipo que lhe é associado. Longe da imagem maternal e paciente evocada pela sua profissão, a personagem é munida de uma frieza incorrigível, o que a faz, nem tão surpreendentemente assim, uma médica muito bem-sucedida. 

Com essa narrativa peculiar, as palavras concisas de Andréa del Fuego permeiam um humor perspicaz no cenário da classe média alta de São Paulo. Pelo fluxo de consciência de Cecília e suas peripécias cirurgicamente calculadas, a autora não precisa de mais de 160 páginas para propor reflexões nada pretensiosas sobre papéis de gênero, relacionamentos familiares e desigualdades sociais.

Lançado em 2021, A Pediatra é somente a mais recente demonstração dos méritos da mestra em Filosofia laureada com o prêmio José Saramago em 2011. Na ocasião, a obra tratava-se apenas de seu primeiro romance: Os Malaquias, drama familiar que carrega a referência do Nobel de Literatura português, tido como a principal referência da autora. Enquanto a nova edição do livro integra novamente o título ao catálogo da Companhia das Letras, o último romance de Andréa del Fuego faz seu nome integrar novamente a lista do Prêmio Jabuti, Prêmio São Paulo de Literatura e do Prêmio Oceanos.

Mas nem só de comemorações são feitos os inícios e fins de ciclos. No 9º mês do ano, também houve a despedida de Javier Marías, escritor, tradutor e editor espanhol considerado um dos contemporâneos mais importantes da língua. Com apenas 20 anos, iniciou seus trabalhos literários com Os domínios do lobo (1971), se consolidando na Literatura da Espanha com os romances O homem sentimental (1986) e Todas as almas (1989). O cenário internacional veio em 1992, quando Coração tão branco rompeu todas as barreiras ao vender 1 milhão de exemplares e ser traduzido para mais de 40 idiomas.

Além de se destacar entre os romances, cujo hall de sucessos ainda engloba Os enamoramentos (2011) e a trilogia – considerada sua obra-prima – Seu rosto amanhã (2002-2007), o autor também era conhecido pelos seus contos e artigos, sempre alinhados pela sua perspectiva de formação e experiência como docente em Filosofia e Letras, primeiro pela Universidade Complutense de Madrid, depois na Universidade de Oxford. No dia 11 de Setembro, Javier Marías faleceu aos 70 anos, em decorrência de uma pneumonia. Sua extensa produção literária angariou respeito e admiração pela crítica e pelos leitores, sendo um eterno favorito ao Nobel de Literatura – mas isso é assunto para o mês que vem.

Entre as idas e vindas do meio, parte fundamental do nosso radar afiado desde Outubro de 2021, introduzimos mais um Estante do Persona. Na companhia de outros trabalhos literários louváveis que a nossa Editoria selecionou para as indicações do mês, finalizamos o primeiro ano do Clube do Livro de olho no que vai terminar de definir a Literatura em 2022.

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A ode à memória dos Anos do Super 8: Annie Ernaux se lembra

Presente na 46ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo na seção Perspectiva Internacional, Os Anos do Super 8 foi exibido na Quinzena dos Realizadores do Festival de Cannes (Foto: Les Films Pelleas)

Vitória Gomez

Um dos nomes mais falados da Arte no momento, Annie Ernaux chegou à 46ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo. A escritora francesa recentemente venceu o Prêmio Nobel de Literatura e, ainda em 2022, estende sua atuação à indústria cinematográfica com Os Anos do Super 8, presente na seção Perspectiva Internacional do festival. Ao lado de David Ernaux-Briot, seu filho e co-diretor, Ernaux torna as fitas caseiras da família, registradas em uma câmera Super 8, um documentário maior do que sua vida, se debruçando sobre a essência da memória e da juventude.

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A individuação de Annie Ernaux é O Acontecimento de todas nós

O mês de Julho foi marcado pela discussão acerca dos direitos reprodutivos das mulheres no Brasil e no mundo, e o Clube do Livro do Persona acompanhou o movimento com a escolha de leitura de O Acontecimento, de Annie Ernaux (Foto: Fósforo/Arte: Ana Clara Abbate)

Simplesmente isso não se vê. (…) Nos tomamos por pessoas, mas não somos pessoas. Somos, à nossa maneira, pequenos acontecimentos.

– Gilles Deleuze em aula ministrada no ano de 1980 no Centro Universitário de Vincennes, em Paris, na França.

Raquel Dutra

Quando, em 2000, Annie Ernaux intitulou o livro que abriria pela primeira vez ao mundo a sua experiência com uma gravidez indesejada e um aborto clandestino na França de 1960, ela com certeza estava ciente da referência filosófica que marcaria a sua obra, mas não imaginava com a mesma intensidade a dimensão da sua representação – e, por consequência, o rompimento que O Acontecimento provocaria com suas próprias conceituações. É que, enquanto o termo do título evoca a ideia de uma experiência de individuação (como o próprio detentor da “filosofia do acontecimento”definiu), todo o desenvolvimento do livro trata de uma história particular vivida a nível universal (mais precisamente, presente em quase metade das vivências em questão do mundo).

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Estante do Persona – Julho de 2022

Arte retangular de cor lilás escuro. Ao centro há uma estante branca com três prateleiras. A primeira prateleira é dividida ao meio, a segunda prateleira é dividida em três e a terceira prateleira é dividida em três. Na parte superior lê-se em preto 'estante’, na primeira prateleira lê-se em preto 'do persona', à direita nessa prateleira está a logo do Persona, um olho com íris roxa. Na segunda prateleira, ao meio, está a capa do livro “O Acontecimento” ao lado de 8 lombadas brancas. Na terceira prateleira, à direita, está o troféu com a logo do persona. Na parte inferior lê-se em branco ‘julho de 2022'
Em Julho, o Clube do Livro do Persona se infiltrou na narrativa intimista de Annie Ernaux e seu O Acontecimento (Foto: Fósforo Editora/Arte: Nathália Mendes/Texto de Abertura: Bruno Andrade)

“Um livro deve ser o machado que partirá os mares congelados dentro de nossa alma.”

— Franz Kafka

Julho foi o mês do Persona se infiltrar ainda mais nos entremeios literários: dos dias 2 ao 10, membros da nossa Editoria cobriram a Bienal Internacional do Livro de São Paulo, que ocorreu no Expo Center Norte. Dentre os destaques, a Homenagem a José Saramago – que completaria 100 anos em 2022 –, feita por Andréa Del Fuego, José Luís Peixoto e Jeferson Tenório, e a presença de Paulina Chiziane e Valter Hugo Mãe, marcaram a última edição do festival.

Neste ano, o evento teve dupla celebração: além do centenário do único escritor de língua portuguesa a receber o Prêmio Nobel de Literatura, 2022 também marca o bicentenário da Independência do Brasil. Assim, a celebração se deu na forma de reconhecimento da identidade linguística, que une continentes através do idioma em comum. O evento contou também com a presença do presidente de Portugal, Marcelo Rebelo de Sousa.

Contudo, Julho também foi um período de indigestas – porém necessárias – reflexões. Após a repercussão nacional dos absurdos que envolveram o direito ao aborto legal de uma menina de 11 anos em Santa Catarina, a questão ganhou ainda mais enfoque quando, ao final de Junho, a Suprema Corte dos Estados Unidos derrubou a decisão judicial de 1973 que garantia a legalidade do aborto em todo o território nacional. As discussões se nortearam no aspecto de direitos fundamentais que, a princípio, pareciam resguardados, mas que, a bem da verdade, precisam de constante vigilância. 

É nesse contexto que o filme dirigido por Audrey Diwan, com a mesma temática, chegou aos cinemas brasileiros integrando o Festival Varilux de Cinema Francês, em uma adaptação cinematográfica do marcante relato da francesa Annie Ernaux. Assim, não foi difícil escolher para o Clube do Livro do Persona a obra O Acontecimento.

Baseado em um episódio biográfico, o livro conta a história de uma jovem de 23 anos que engravida e, sem poder contar com o apoio do namorado ou da própria família, precisa fazer um aborto. Ilegal na França da época, ela vive praticamente sozinha o acontecimento que, quarenta anos depois, revive no livro.

Refletindo sobre a onipresença da lei e seu imperativo sobre os corpos femininos, Ernaux mostra uma faceta literária que mistura a ficção com a não-ficção. Agora, para fechar – ou ampliar – um importante momento de reflexões, deixamos as indicações de mais um Estante do Persona.

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