Em nome de Verhoeven, todos bebem do sangue de Benedetta

Cena do filme Benedetta. Nela, está o rosto de Benedetta aproximado. Benedetta é uma freira adulta branca. Ela veste um hábito. Seus olhos e boca estão fechados. No olho esquerdo, um polegar passa água benta por cima. O polegar é de uma pessoa branca. O olho direito também está umedecido pela água.
De santa imaculada à iconografia sexual, Benedetta é a falsa heroína do drama controverso de Paul Verhoeven, que após sua estreia mundial em Cannes 2021 inflamou protestos pela crítica conservadora (Foto: SBS Productions)

Ayra Mori

Intocável, a figura da freira se tornou fonte de lascivas fantasias. Cobertas pelo mistério do tecido negro de seus hábitos, enclausuradas pela solidez das paredes de pedra e tomadas pela devoção santificada por Jesus, desde a origem da Igreja Católica como organização, a silhueta inconfundível das noivas de Cristo corporificou-se, do espírito à carne, contra o olhar. Desse olhar reprimido emergiu uma miríade de representações cuja maior tentação se debruça no magnetismo feminino oculto dentro de um convento. No retorno de Paul Verhoeven em Cannes 2021, o drama semi-biográfico Benedetta tateia o subgênero, revelando, por trás do protagonismo progressivo das mulheres enquadradas em cena, um agressivo observador – masculino.

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Eduardo e Mônica: o amor sempre fala mais alto

Seja na Música ou nas telas de cinema, Eduardo e Mônica exalam química em uma paixão fascinante de se ver e escutar (Foto: Paris Filmes)

Guilherme Teixeira

Quatro anos após o início de suas gravações, a aguardada comédia romântica Eduardo e Mônica chega aos cinemas reverenciando não só a música de Renato Russo, clássica brasileira que inspirou o filme, mas também o amor e o respeito às diferenças. O longa, dirigido por René Sampaio e estrelado por Gabriel Leone e Alice Braga, narra a história do jovem vestibulando e da médica independente que se cruzam na tal festa estranha com gente esquisita e mostram que, definitivamente, os opostos se atraem. Ele, que assiste novela e joga futebol de botão com o avô, em contraposição se apaixona por ela, que bebe conhaque e gosta do Bandeira, Bauhaus, Van Gogh, Mutantes, Caetano e de Rimbaud. 

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Para Sally Rooney, o mundo é repleto de Pessoas normais

Arte com fundo roxo. No canto superior esquerdo, vemos o olho do Persona com a íris da mesma cor do fundo. Ao centro, vemos a capa do livro Pessoas normais, e uma borda laranja do lado direito da capa, formando uma sombra. No canto inferior direito vemos escrito Clube do Livro Persona
O Clube do Livro do Persona começou 2022 acompanhado por Pessoas normais, romance escrito por Sally Rooney e traduzido por Débora Landsberg (Foto: Companhia das Letras/Arte: Ana Júlia Trevisan)

Vitor Evangelista

Na escola, no interior da Irlanda, Connell e Marianne fingem não se conhecer. Orbitando em mundos diferentes, os estudantes do Ensino Médio acabam se esbarrando quando ele busca a mãe, que trabalha como faxineira na casa da garota. As rápidas trocas de olhares acabam se transformando em pequenas conversas sobre os livros e os gostos pessoais um do outro. O problema é que, em público, Connell invisibiliza Marianne, por vergonha, por culpa, por egoísmo. Mas está tudo bem, afinal, eles não passam de pessoas normais.

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Sou feliz porque sei, com certeza, que ela me ama: 90 anos de Senhoritas em Uniforme

Cena do filme Senhoritas em Uniforme de Leontine Sagan. Nela está Fräulein von Bernburg, interpretada por Dorothea Wieck, e Manuela, interpretada por Hertha Thiele. Ambas são mulheres brancas e se encaram. Fräulein von Bernburg segura o rosto de Manuela com as mãos, inclinando-o para cima. A fotografia é em preto e branco com filtro granulado. Os tons escuros se esfumam junto do branco que parece brilhar. A proporção da tela é de 1.20:1.
Precursor do Cinema queer, Mädchen in Uniform (título original de Senhoritas em Uniforme) foi a estreia da curta filmografia de Leontine Sagan [Foto: Deutsche Film-Gemeinschaft]
Ayra Mori

1931, dentro de um internato, se deu o primeiro beijo lésbico reconhecido pela história da Sétima Arte. O título é honra, não dos tímidos beijos trocados por um casal de mulheres arlequinamente dançantes em Le départ d’Arlequin et de Pierrette (1900), da pioneira mãe do Cinema, Alice Guy-Blaché, ou do sex appeal de um beijo sáfico roubado por uma Marlene Dietrich andrógina em Marrocos (1930), mas sim, por direito, de Senhoritas em Uniforme (1931). Marco do audiovisual LGBTQIA+, a produção alemã determinou os destinos da ficção queer ao longo de seus 90 anos, revelando com sensibilidade o florescer do desejo lésbico. E realizado por uma equipe de mulheres, na desobediência, é alcançada a libertação.

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A mordida de Teen Wolf comemora uma década

Cena da série Teen Wolf. Nela está Scott, homem branco de cabelo preto, com feições mais animalescas. Sua boca está aberta, mostrando dentes de lobo. Seus olhos tem a cor avermelhada. No fundo é possível ver a entrada de um túnel, e o ambiente está escuro.
Tyler Posey é quem viveu o protagonista Scott McCall há uma década, e foi o primeiro a comemorar os 10 anos com a novidade de que seu bando voltaria para mais uma aventura em um filme (Foto: MTV)

Mariana Chagas e Nathália Mendes

Se a adolescência por si só é um caos, imagine para Scott McCall (Tyler Posey) ter garras, dentes afiados e pelos por todo o rosto crescendo durante um jogo de lacrosse. Teen Wolf pareceu ingênuo por surfar na onda de Crepúsculo e Diários de um Vampiro lá em 2011, aproveitando as lendas de lobisomens e vampiros que se tornaram uma febre. No entanto, o criador Jeff Davis conseguiu mergulhar um lobo adolescente na complexidade da mitologia e, ao mesmo tempo, lidar com problemas profundos da passagem para a vida adulta.

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5 anos de Remonta: só Liniker e os Caramelows sabem o quanto dói

Em 2015, Liniker e os Caramelows lançaram o EP Cru com as faixas Zero, Louise de Brésil e Caeu (Foto: Let’s GIG)

Ana Júlia Trevisan

“Eu não quero mais saber de desamor”: Liniker abre Remonta, seu primeiro disco, lançado em 2016, sendo categórica e exteriorizando seu pedido de ‘basta!’. A cantora araraquarense de, na época, apenas 21 anos, não estava sozinha nessa viagem imersiva e sentimentalista. É ao lado da banda Caramelows, que contava com a voz de Renata Éssis, o contrabaixo elétrico de Rafael Barone, a guitarra de William Zaharanszki, a bateria de Péricles Zuanon, o trompete Márcio Bortoloti, as teclas de Fernando Travassos, as percussões acústicas de Marja Lenski e (ufa!) o saxofone de Éder Araújo; que Liniker dá luz às suas composições. O amor visceral é usado como a substância vital na construção do trabalho que transformou a artista numa das maiores representantes da dita Nova MPB.

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Se você não pode parar a chuva, dance com ela ao som de Equals

Capa do álbum Equals, de Ed Sheeran. O fundo é vermelho, com jatos de tintas preta, amarelo e rosa. Ao centro, está pintado em preto um sinal de igual. Em torno do sinal, estão desenhos de borboletas em movimento. Na parte inferior uma amarela e, no sentido anti-horário, estão uma azul, uma verde claro, uma bege claro, uma verde e uma azul piscina.
O aguardado quinto álbum solo de Ed Sheeran saiu no final do mês de outubro (Foto: Asylum Records UK/Warner Music UK)

Heloísa Ançanello e Júlia Paes de Arruda 

Amadurecer pode trazer consigo um sentimento de nostalgia. Relembrar, de bom agrado, os velhos tempos e se deliciar com os novos caminhos que tem pela frente. É nessa atmosfera que Ed Sheeran apresenta = (Equals), com um doce sabor que não víamos desde seu último lançamento solo, em 2017. Ainda que o britânico permaneça na sua zona de conforto com o pop comercial, o álbum se destaca por sua qualidade em cada nota e ritmo, tornando-o um dos melhores e mais vulneráveis trabalhos que o cantor já nos apresentou. 

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Belo Mundo, Onde Você Está: as frustrações do mundo jovem adulto

 Capa do livro Belo Mundo, Onde Você Está. Na imagem, há uma capa azul, com o logo da editora Companhia das Letras na parte inferior esquerda da foto. O nome da autora, Sally Rooney, está escrito em letras maiúsculas pretas na parte central superior da página. Embaixo do nome da autora, está localizado o título da obra também em letras pretas e maiúsculas. Na foto, estão localizados quatro personagens cortados ao meio por faixas amarelas.
Belo Mundo, Onde Você Está é o terceiro romance da escritora inglesa, que lançou também os livros Pessoas Normais e Conversas Entre Amigos (Foto: Editora Companhia das Letras)

Isabella Siqueira

Lançado em setembro de 2021, Belo Mundo, Onde Você Está (Beautiful World, Where Are You) é o terceiro romance de Sally Rooney, célebre escritora conhecida pelo sucesso Pessoas Normais. Lançado simultaneamente no Brasil, o livro discorre sobre as incertezas e inseguranças do mundo jovem adulto, assunto já consolidado na literatura da autora inglesa. 

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A Roda do Destino é feita de acasos

Cena do filme Roda do Destino exibe duas mulheres japonesas paradas em frente a uma porta de vidro. A mulher à direita veste uma camiseta azul larga e tem cabelo curto. A mulher à esquerda tem cabelo preto de tamanho médio e veste uma blusa branca.
As mulheres são surpreendidas por coincidências no longa que faz parte da Perspectiva Internacional da 45ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo (Foto: Neopa)

Caio Machado

A vida é imprevisível demais para ser controlada, por mais que tentemos dar ordená-la através da rotina. Com o passar dos dias, nos deparamos com surpresas que podem ser boas ou ruins, como reencontrar uma velha amiga da época da escola ou descobrir que um conhecido está melhor de vida do que você. Roda do Destino, filme exibido na 45ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo, se aproveita da imprevisibilidade da vida para proporcionar belíssimos diálogos, carregados de uma intensidade que expõe os sentimentos de seus personagens com uma sinceridade encantadora. 

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Mothering Sunday vive para os últimos

Cena do filme Mothering Sunday. Na imagem, vemos a protagonista Jane, uma mulher branca, de cabelos loiros, lisos e longos, aparentando cerca de 25 anos, deitada sem camiseta em um lençol branco. Ela está deitada de perfil e o lado direito do seu rosto está virado para cima. Com a mão direita, ela segura um colar preso em seu pescoço. Uma faixa de luz ilumina somente o seu olho direito.
A atenção aos mínimos detalhes é o charme e a sina de Mothering Sunday, produção do Reino Unido presente na seção Perspectiva Internacional da 45ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo (Foto: Number 9 Films)

Vitória Lopes Gomez

Em uma linda e ensolarada tarde de folga, um jovem casal se encontra às escondidas para seu último dia juntos. Cortinas esvoaçantes, uma paisagem verde, corpos nus e histórias contadas pela metade. Confissões ao pé do travesseiro, sentimentos à flor da pele, um passado trágico que ninguém ousa mencionar. Mothering Sunday poderia ter saído de um poema – e bom, bateu na trave. Dirigido por Eva Husson e roteirizado por Alice Birch, o longa britânico foi adaptado do romance homônimo de Graham Swift e, depois de passar pelos Festivais de Cannes e Toronto, estreou no Brasil integrando a 45ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo.

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