Belo Mundo, Onde Você Está: as frustrações do mundo jovem adulto

 Capa do livro Belo Mundo, Onde Você Está. Na imagem, há uma capa azul, com o logo da editora Companhia das Letras na parte inferior esquerda da foto. O nome da autora, Sally Rooney, está escrito em letras maiúsculas pretas na parte central superior da página. Embaixo do nome da autora, está localizado o título da obra também em letras pretas e maiúsculas. Na foto, estão localizados quatro personagens cortados ao meio por faixas amarelas.
Belo Mundo, Onde Você Está é o terceiro romance da escritora inglesa, que lançou também os livros Pessoas Normais e Conversas Entre Amigos (Foto: Editora Companhia das Letras)

Isabella Siqueira

Lançado em setembro de 2021, Belo Mundo, Onde Você Está (Beautiful World, Where Are You) é o terceiro romance de Sally Rooney, célebre escritora conhecida pelo sucesso Pessoas Normais. Lançado simultaneamente no Brasil, o livro discorre sobre as incertezas e inseguranças do mundo jovem adulto, assunto já consolidado na literatura da autora inglesa. 

Sally Rooney é um fenômeno inegável. Seus livros são tão familiares para a geração millennial, representada no romance Belo Mundo, Onde Você Está pela melancolia que sentem. Se engana quem pensa que a obra fala sobre dois casais e suas histórias românticas ideais, Rooney se aprofunda em quatro personagens diversos, explorando suas frustrações e o caminho confuso de suas vidas sentimentais.

Tal como em Pessoas Normais, Sally Rooney opta por detalhar cada aspecto da rotina cotidiana, evidenciando a neurose dos jovens com a vida que levam, ao mesmo tempo dando certa densidade psicológica para o romance. A escrita clássica da autora também vai tomando outras formas, grande parte da narrativa do livro se dá em longos e-mails, que parecem terem sido escritos sem um único respiro, em uma espécie de fluxo de pensamentos interminável. 

“E quem sou eu para pedir humildade e franqueza dos outros? O que eu já dei ao planeta para pedir tanto em troca? Eu poderia me desintegrar em um monte de poeira que o mundo não daria a mínima, e é assim que tem que ser.”

Com tradução de Débora Landsberg, o romance não possui uma trama definida, o leitor não recebe uma história com um caminho certo ou previsível. A história, tal qual o mundo jovem adulto na maioria dos casos, é feita de incertezas e indecisões. A trama apresenta quatro personagens principais: Alice, Felix, Eileen e Simon, jovens em seus quase 30 anos que possuem características e debates interiores sensacionais. O ponto de encontro desse grupo de pessoas é a amizade de Alice e Eileen, duas colegas de faculdade que estão distantes fisicamente, mas que permanecem em contato por meio da correspondência eletrônica.

Presente no contexto editorial, Alice é uma jovem escritora assustada com o sucesso inusitado que enfrentou com o lançamento de seus dois primeiros romances. Sally Rooney opta por discutir a Literatura contemporânea pela ótica e perspectiva da personagem, que além de ser cética quanto ao rumo da coisa toda, que parece não enfrentar o mundo, também se sente intimidada com os compromissos profissionais da carreira literária. 

Após um surto, a personagem opta por deixar para trás o universo editorial de Dublin, Nova York e Londres, se refugiando numa pequena cidade da Irlanda. É nesse cenário que Alice conhece Felix, o homem mais distante do mundo literário possível. De certa forma, ele se distancia também de todos outros protagonistas, fazendo parte da vida real. O casal se conhece pelo Tinder e, após um primeiro encontro horrendo, acabam construindo uma relação difícil de definir. 

Na imagem, a autora Sally Rooney está posando para uma foto de perfil. Posando em um fundo que está desfocado, a escritora é uma mulher branca com cabelos castanhos e médios. Ela está posicionada com seus braços ao lado dentro de um bolso. Além disso, a autora também veste uma camisa branca, com uma saia xadrez em azul e verde, que está presa por um cinto marrom. Ao fundo está um campo com grama e árvores.
Após a adaptação de Normal People como minissérie em 2020, o romance Conversas Entre Amigos será adaptado como uma série também pelo selo Hulu e BBC (Foto: Ellius Grace)

A questão da classe social cria tensões que não separam o casal, mas demarcam a diferença gritante entre a realidade de ambos. Felix trabalha como empacotador em depósito, um subemprego braçal e distante da complexidade intelectual do trabalho de Alice em seu mundo literário. Impulsivo e inquieto, o personagem possui uma tendência absurda para a autossabotagem, sempre fazendo comentários insensíveis e tomando atitudes questionáveis. 

Vivendo separada da amiga em Dublin, Eileen é lembrada pela insegurança e solidão que sente. A personagem herdou essas características de suas relações familiares, com quem mantém um rancor particular, principalmente, com sua irmã Lola, cujo casamento iminente parece estressar Eileen ainda mais. Além do término recente com o namorado de longa data, a vida profissional pouco ajuda a mulher, que está muito distante do glamour e reconhecimento da amiga, possuindo um emprego que odeia em uma revista literária e a famosa instabilidade financeira.

Com a fuga de sua melhor amiga, o único refúgio de Eileen se torna Simon, um amigo de infância que foi sua defesa contra o tratamento da irmã e o acolhimento precário dos pais. Por sua vez, Simon age como um salvador para as mulheres (incluindo Eileen) jovens com quem se relaciona. Apesar de parecer mais estável que os demais protagonistas, ele possui aspectos muito destoantes entre si, agindo como um católico meio cretino. Sua relação devota com a religião molda em parte sua personalidade, apesar de não dispensar o sexo casual, ele opta por agir com um mártir culpado que resgata jovens moças sempre que pode, um comportamento refletido em sua profissão. Simon é um parlamentar que discute problemas sociais mas que, efetivamente, não faz nada significativo. 

“O que nós temos agora no lugar? Nada. E detestamos as pessoas por cometerem erros muito mais do que as amamos por fazerem o bem, portanto o jeito mais fácil de viver é não fazer nada, não dizer nada e não amar ninguém.”

Narrado em terceira pessoa, Belo Mundo, Onde Você Está intercala o ponto de vista entre os protagonistas, mas acaba mantendo o foco na relação entre as amigas, Eileen e Alice. Além de se passar na vida cotidiana dos personagens, a obra também carrega as mensagens e e-mails enviados. Outro diferencial da obra de Sally Rooney é o discurso livre utilizado: a autora não usa pontuações e mistura os diálogos junto às descrições e parágrafos. 

Dispensando um enredo quadrado, a inglesa não cria uma história convencional, optando por desenvolver um espaço para reflexões sobre amor, sexo, solidão e as desilusões que a entrada na vida adulta oferecem. Sem um contexto geral sobre a relação entre os personagens, a única pista sobre a história é a comunicação remota pelas duas amigas antigas, uma relação marcada pela distância física e emoções à flor da pele. 

O relacionamento à distância entre Alice e Eileen é o ponto central da obra, as duas amigas se sentem frustradas com o rumo que a vida tomou desde a faculdade. Alice lida com o esgotamento mental decorrente do sucesso repentino, Eileen vive um término doloroso, problemas financeiros, uma personalidade insegura e uma confusão amorosa com Simon. As pressões da vida adulta atingiram duramente as personagens, que vivem em busca de seu Belo Mundo.

Foto da escritora Sally Rooney. A autora está posando de perfil, ela é uma mulher branca, os seus cabelos são castanhos médios lisos, e seus olhos são verdes. Além disso, ela veste uma blusa no estilo cacharrel na cor cinza. O fundo é uma parede clara e desfocada.
A escritora irlandesa é considerada uma das vozes da geração Millennial, e suas obras já abordaram a subjugação feminina, questões de classe e violência doméstica (Foto: Linda Brownlee)

Por viverem longe uma da outra, Alice e Eileen apenas se falam por longos e-mails. As personagens nos presenteiam com seu modo de enxergar o mundo em que vivem, expondo suas inseguranças, que permeiam o medo do fracasso, da solidão e as expectativas frustradas. Mas, apesar dos sentimentos sinceros que essas conversas trazem, o que chama a atenção são os ganchos para discussões profundas. As jovens falam sobre a feiura visual da vida moderna, a experiência estética versus a vaidade, religião e política mundial. 

Em momento interessantíssimo, Sally Rooney também engata uma discussão sobre Literatura contemporânea, explorando como são superficiais os romances sobre a vida cotidiana. Os escritores atuais se valem da aprovação da crítica euro-americana, agindo como se suas opiniões fossem relevantes, únicas e especiais. Tais autores também fazem parte de uma classe burguesa, que de livre e espontânea vontade opta por ignorar os problemas sociais que o mundo enfrenta, realidades muito diferentes da que vivem.

Curiosamente, essa discussão pode ser vista como uma autocrítica da própria autora, que não fala de um lugar tão distante desses escritores. Sally Rooney está posicionada em um espaço de conforto em que relata os traumas da burguesia, irrelevantes se comparados à miséria que outras milhões de pessoas vivem, mas ainda assim traumas. 

“Minha própria obra é, nem preciso dizer, a mais criminosa nesse sentido. Por essa razão, acho que nunca mais vou escrever um romance.”

Alice e Félix se conheceram pelo Tinder. Mesmo com características distintas, ambos conseguem se encontrar numa relação sem um rótulo definido. Contudo, é doloroso ver Alice se contentando com o tratamento humilhante e as críticas que Félix faz a ela. Por sua vez, Felix também possui suas próprias inseguranças quanto ao seu passado complicado. Os dois acabam construindo uma relação nociva de gato e sapato: Felix demonstra uma superioridade sobre Alice, que finge ser submissa a suas palavras insensíveis. 

Eileen vive a procura da felicidade, que uma vez sentiu ao estar junto de Alice e Simon. Contudo, principalmente para Eileen, as mudanças foram ainda mais incisivas. Suas inseguranças e o medo do fracasso a impedem de ser feliz e conseguir novas oportunidades. É nesse turbilhão de emoções negativas que ela encontra e se desencontra com Simon. A relação de ambos é confusa, Eileen sente ser dependente de Simon, que demonstra justamente o contrário. 

Para os que se relacionam intimamente com as angústias dos personagens, o livro é um verdadeiro soco no estômago. O período da juventude constrói expectativas e ilusões, a casa dos trinta anos entrega frustrações tardias. Belo Mundo, Onde Você Está é um livro que aponta decepções, principalmente, por que nos relacionamos com personagens tão sozinhos, instáveis e até abusivos consigo mesmos. Sally Rooney prova que consegue transpor uma geração com tanta honestidade que chega a incomodar.

Deixe uma resposta