A Roda do Destino é feita de acasos

Cena do filme Roda do Destino exibe duas mulheres japonesas paradas em frente a uma porta de vidro. A mulher à direita veste uma camiseta azul larga e tem cabelo curto. A mulher à esquerda tem cabelo preto de tamanho médio e veste uma blusa branca.
As mulheres são surpreendidas por coincidências no longa que faz parte da Perspectiva Internacional da 45ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo (Foto: Neopa)

Caio Machado

A vida é imprevisível demais para ser controlada, por mais que tentemos dar ordená-la através da rotina. Com o passar dos dias, nos deparamos com surpresas que podem ser boas ou ruins, como reencontrar uma velha amiga da época da escola ou descobrir que um conhecido está melhor de vida do que você. Roda do Destino, filme exibido na 45ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo, se aproveita da imprevisibilidade da vida para proporcionar belíssimos diálogos, carregados de uma intensidade que expõe os sentimentos de seus personagens com uma sinceridade encantadora. 

Na produção japonesa, acompanhamos três histórias distintas sobre relacionamentos: Meiko (Kotone Furukawa) se surpreende ao perceber que sua melhor amiga, Tsugumi (Hyunri), se apaixonou por seu ex-namorado, Kazuaki (Ayumu Nakajima); Sasaki (Shouma Kai) se aproveita de uma colega de classe, Nao (Katsuki Mori), para se vingar de seu professor da universidade; e Natsuko (Fusako Arabe) encontra uma mulher que acredita ser alguém do seu passado, o que leva as duas a desabafarem sobre sentimentos guardados profundamente. 

 Cena do filme Roda do Destino exibe um homem e uma mulher em um escritório. Ambos são japoneses. A mulher tem cabelo de tamanho médio, veste uma blusa marrom e uma saia. Ela está com um livro aberto em mãos e olha para o homem, que está sentado numa cadeira. O homem, por sua vez, é mais velho e tem alguns fios brancos no cabelo e na barba. Ele veste uma camisa branca.
No filme, a leitura de uma passagem de um livro possui uma tensão impressionante (Foto: Neopa)

Basear um filme em longos diálogos não é algo fácil e, em muitos casos, pode resultar numa experiência verborrágica, digna de uma palestra. No caso de Roda do Destino (Guzen To Sozo, no original), longa-metragem vencedor do Grande Prêmio do Júri do Festival de Berlim, o que ocorre é exatamente o contrário. O diretor Ryusuke Hamaguchi, que também assume o roteiro, utiliza as conversas entre seus poucos personagens para refletir sobre como o amor marca a vida de alguém para sempre, como uma atitude errada pode custar um emprego e um sentimento guardado por tempo demais pode impedir que uma pessoa seja feliz. 

A câmera, quase sempre sempre parada nas cenas, serve para transformar aquelas situações, tão mundanas em sua superfície, em confissões íntimas das mulheres que protagonizam cada segmento. Aos poucos e com certo receio, Meiko, Nao e Natsuko despejam os sentimentos que têm guardado dentro de si para o espectador, que serve como o ouvinte perfeito para um desabafo. Graças ao excelente elenco feminino, sentimos que cada palavra dita carrega uma história por trás, que não conseguimos ver em cena, mas temos a oportunidade de vislumbrá-la por meio da conversa. 

Cena do filme Roda do Destino exibe um homem e uma mulher em um escritório repleto de computadores. Ambos são japoneses. A mulher tem cabelo curto, com franja, e veste uma blusa de moletom branca e com estampa. O homem de cabelo preto, à direita, olha para ela. Ele veste uma camisa verde.
O amor é um dos maiores temas da obra (Foto: Neopa)

Por trás da simplicidade de suas cenas, Wheel of Fortune and Fantasy carrega uma força enorme em suas interações humanas. Nas mãos de Ryusuke Hamaguchi, as coincidências da vida são utilizadas para dar voz a personagens femininas complexas, cheias de angústias numa cidade tão grande que chega a ser intimidadora. Observar os encontros e desencontros que elas têm naquele ambiente enquanto refletem sobre a vida em sociedade, amores passados e a passagem do tempo deixa um questionamento: será mesmo que destino existe? Se não existe, então é tudo obra do acaso? De qualquer forma, a beleza está no imprevisível, e não no controle. 

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