Eduardo e Mônica: o amor sempre fala mais alto

Seja na Música ou nas telas de cinema, Eduardo e Mônica exalam química em uma paixão fascinante de se ver e escutar (Foto: Paris Filmes)

Guilherme Teixeira

Quatro anos após o início de suas gravações, a aguardada comédia romântica Eduardo e Mônica chega aos cinemas reverenciando não só a música de Renato Russo, clássica brasileira que inspirou o filme, mas também o amor e o respeito às diferenças. O longa, dirigido por René Sampaio e estrelado por Gabriel Leone e Alice Braga, narra a história do jovem vestibulando e da médica independente que se cruzam na tal festa estranha com gente esquisita e mostram que, definitivamente, os opostos se atraem. Ele, que assiste novela e joga futebol de botão com o avô, em contraposição se apaixona por ela, que bebe conhaque e gosta do Bandeira, Bauhaus, Van Gogh, Mutantes, Caetano e de Rimbaud. 

Ambientado em Brasília durante o retorno à democracia após o Golpe Militar de 1964, o enredo retrata a situação política do Brasil nos anos 80, sempre presente nas composições do músico. Eram tempos sombrios, onde a polarização política tomava conta da sociedade e da Arte nacional.. A união do contexto histórico com os ideais da chamada Geração Coca- Cola potencializa ainda mais as diferenças entre o casal no longa, trazendo as figuras paternas dos protagonistas como oponentes, sendo o pai de Mônica um militante exilado, e o avô de Eduardo um militar aposentado que hoje chamaria o golpe de revolução

O primeiro clímax deste conflito ocorre na ceia de natal, onde Seu Bira (Otávio Augusto), integrante da direita conservadora, faz duras críticas à militância esquerdista e ao pai da mocinha, que acabara de falecer. A contrariedade de ideais pesa no romance, que vivia seus primeiros momentos. A primeira data comemorativa que o casal passa juntos rompe com as expectativas criadas por eles e põe em confronto suas maiores sensibilidades: as relações familiares.

Cena do filme Eduardo e Mônica, em que é mostrado o casal unido, com as testas grudadas uma na outra, prestes a se beijar. Vestem camisetas com tons neutros de roxo.
Inevitavelmente, as diferenças interferem no romance e colocam o amor entre eles à prova (Foto: Paris Filmes)

A partir disso, o roteiro de Matheus Souza, Claudia Souto, Michele Frantz Jessica Candal e Gabriel Bortolini e a direção levam o público às lágrimas ao explorar brilhantemente as divergências do casal, essas que escancaram o peso de serem diferentes. A comoção se dá sobretudo à construção das personagens, que é feita majestosamente. Para além do romance, destaca-se a individualidade de ambos, que se mostram tão apaixonantes quanto na letra da canção de Renato Russo, fugindo das limitações clichês do casal perfeito. Perfeitamente imperfeitos. “O filme fala, entre outras coisas, sobre como é possível amar e respeitar quem pensa muito diferente de você. Todos nós já fomos em alguma medida o Eduardo ou a Mônica em alguma relação”, afirma o diretor de Eduardo e Mônica, René Sampaio.

Para ele, trazer o universo de Renato Russo às telonas não é novidade. Em maio de 2013, o cineasta levou ao cinema a adaptação cinematográfica de Faroeste Caboclo, que compôs o icônico disco Dois (1986), e contou com Fabrício Boliveira, Ísis Valverde e Felipe Abib nos papéis principais. Sampaio ainda estuda uma terceira adaptação baseada no repertório da banda, sempre magnífico e cênico. Independente de qual canção seja a escolhida, a certeza que fica é que se o novo longa-metragem seguir o padrão de excelência, colherá também o sucesso nas bilheterias.

Imagem dos bastidores de gravação de Eduardo e Mônica. A fotografia traz uma conversa entre os protagonistas do filme e René Sampaio, o diretor do longa, durante as gravações. Alice e René usam roupas escuras, enquanto Gabriel utiliza um moletom vinho e calça jeans. A imagem foi registrada em uma rua deserta de Brasília enquanto gravavam durante a noite.
O trabalho cênico se sobressai pelo talento entregue por trás das câmeras (Foto: Barry Company)

No longa, também se destaca a fidelidade do roteiro à música e a personalidade construída nas personagens. Os momentos em que a liberdade individual acerca do romance é pautada são muito bem desenvolvidos, fazendo com que os telespectadores compreendam Eduardo e Mônica e ampliem suas visões sobre o que realmente é amar e ser livre. A sensibilidade promovida engrandece a obra através da verdade transmitida. O que os olhos veem é aquilo que os ouvidos escutam. 

Era importante sermos fiéis ao espírito do Renato. E das músicas compostas por ele, esta é a mais solar. A ideia, então, foi manter essa energia”, declarou a roteirista Bianca de Felippes. E assim foi. A proposta entregue segue firme no que o vocalista do Legião Urbana trouxe ao criar a canção baseada no romance de Leonice de Araújo Coimbra e Fernando Coimbra — embora o casal já tenha declarado que não se identifica com a letra, mas que possui uma forte ligação afetiva com o hino.

O casal que serviu de fonte de inspiração para a composição da música segue junto e apaixonado (Foto: Folha de S.Paulo)

Produzida em tempos onde a Arte nacional viveu dias melhores em que haviam maiores investimentos públicos no setor cultural brasileiro, a adaptação gravada em 2018 e prevista para estrear em 2020, chega ao grande público tarde, mas na hora certa, dando brilho à reabertura das salas de cinema durante a pandemia. Em meio à ascensão da comédia nacional, uma produção exímia como Eduardo e Mônica ressalta a magnitude da Arte brasileira e de seus profissionais, que brilharam desde a preparação de um elenco afiadíssimo até o jogo de câmeras. Tudo anda no tom, não há exageros e nem ausências. 

Inegavelmente, Eduardo e Mônica é um dos maiores acertos do universo cinematográfico nos últimos anos e tem um futuro promissor nas grandes premiações, já tendo ganhado merecidamente um prêmio no Edmonton International Film Festival, na categoria de Melhor Filme Estrangeiro. E, com maestria, o enredo reforça a mensagem passada na composição da música há trinta e seis anos: o amor sempre fala mais alto.

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