Os 45 anos de Cría Cuervos perpetuam uma narrativa melancólica, psicológica e política

A imagem apresenta Ana Torrent, uma criança branca, de cabelos castanhos, lisos e curtos, usando um casaco vermelho. Um pouco atrás, mais para a esquerda da foto está Geraldine Chaplin, uma mulher branca, de cabelos castanhos, lisos, na altura dos ombros, que usa uma vestimenta verde. A expressão de ambas é neutra e o fundo exibe uma parede cinza.
Carlos Saura mistura o passado e o presente da personagem Ana em Cría Cuervos (Foto: Elías Querejeta Producciones Cinematográficas S.L.)

Gabriel Gatti

O corvo é uma ave comumente apresentada como algo negativo. Na Espanha, por exemplo, a frase “cría cuervos y te sacarán los ojos”, utilizada para designar ingratidão, é muito conhecida. Nesse raciocínio, o diretor Carlos Saura faz alusão ao dito popular em Cría Cuervos, que conta a história de três irmãs criadas pela tia após o falecimento dos pais. O longa, de 1976, foi lançado no período da redemocratização espanhola, após 36 anos sob domínio da Ditadura Franquista. Esse contexto histórico serviu de inspiração para Saura na produção do filme. 

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Os 15 filmes do Festival do Rio 2021

Arte em fundo azul-escuro. Ao lado esquerdo, lê-se em branco: os 15 filmes do festival do rio 2021. No canto inferior esquerdo, está o olho do Persona, com a íris azul. Do lado direto, estão 3 vezes o logo do Festival, em forma do Corcovado, com cenas de 3 filmes: Slalom, DNA e Verão de 85.
Entre os destaques das duas semanas do Festival do Rio, estão Slalom – Até o Limite, DNA e Verão de 85 (Foto: Reprodução/Arte: Ana Júlia Trevisan/Texto de Abertura: Caroline Campos)

Quando o assunto é Festival, o Persona, em conjunto, clama por um único evento: o dia do Cineclube. E claro, se for em terras cariocas, a empolgação é maior ainda. Depois de 15 dias e 15 filmes, chega ao fim o Festival do Rio 2021, que com uma seleção variada de obras singulares, uniu todas as tribos e agradou até o mais cri-cri dos cinéfilos de plantão.

Da Dinamarca à Costa do Marfim, de indicados ao Oscar até esnobados injustos, um pouquinho do que há de melhor na produção cinematográfica mundial veio visitar remotamente a Cidade Maravilhosa e garantir, diariamente, um descanso fora das amarras das nossas próprias narrativas. Pela plataforma do Telecine, cada filme era disponibilizado por 24 horas e 24 horas apenas, ou seja, chegara o momento de planejar a maratona.

Figurinhas já batidas integraram o catálogo do Festival. Uma nova exibição de Druk – Mais uma Rodada é sempre bem-vinda e o atual vencedor da categoria de Melhor Filme Internacional no Oscar 2021 foi o felizardo responsável por iniciar a jornada com muito álcool e uma boa dose de Mads Mikkelsen (ou seria o contrário?). E os donos de estatuetas douradas não pararam por aí: o ácido Bela Vingança, que garantiu o prêmio em Roteiro Original para Emerald Fennell, arrancou exclamações e conquistou uma vaga entre as 15 obras. Excepcionais, sim. Mas, às vezes, poderia ter sido mais produtivo ceder espaço às produções não tão comentadas nos últimos meses.

Pincelando temas dolorosos e desconfortáveis da melhor forma que o Cinema consegue fazer, não faltou sensibilidade para discutir o que de mais horrendo a sociedade já produziu e encarar nossos demônios como espécie humana. Quo Vadis, Aida? e Caros Camaradas! miram no histórico, Slalom – Até o Limite e Ainda Há Tempo desenham o atual. Das mais variadas formas, esta edição do Festival do Rio coloca o espectador frente a frente com o espelho e exige reflexão; exige autoconsciência.

É óbvio que, no meio de tudo isso, sobra espaço para o cômico, o lúdico e até para o fantástico. No entanto, não se engane – como toda forma de expressão, o Cinema é um produto de seu tempo, dialogando com seu tempo e, muitas vezes, questionando na mesma medida. Por baixo do prédio ficcional de Edifício Gagarine ou das histórias arrebatadoras de Noite de Reis, há sempre uma lente que foca no que somos ou no que deveríamos ser.

Depois de uma cobertura completa da leva de filmes 2021, a Editoria do Persona embaralha os papéis e comenta obra por obra, loucura por loucura, apresentada na fresquíssima edição do Festival do Rio. Para quem já está com saudades das narrativas diárias, os textos abaixo revivem parte do caos latente proporcionado durante esses últimos 15 dias pelo maior festival de Cinema da América Latina.

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As experiências visuais do 5º Festival Ecrã

Entre longas, médias, curtas, videoartes, artes imersivas e games, Julho de 2021 nos trouxe as experimentações artísticas e sensoriais do 5º Festival Ecrã (Arte: Vitor Tenca/Texto de Abertura: Caio Machado e João Batista Signorelli)

Depois da jornada através do Cinema Fantástico que foi o Fantaspoa XVII, o Persona volta para o mundo dos festivais de Cinema, mas desta vez se aproximando ainda mais do experimental e incomum. A 5ª edição do Festival Ecrã de Experimentações Audiovisuais nos levou por caminhos dos mais abstratos, passando pelo intrigante, profundo, ou simplesmente incompreensível. De narrativas estruturadas à experiências puramente estéticas, o Ecrã foi online, gratuito e apresentou, além de longas e curtas, outras das inúmeras possibilidades proporcionadas pelo audiovisual: videoartes, performances, instalações, artes interativas e até mesmo games marcaram presença no festival que aceita tudo, menos o convencional e o conformista. 

O Festival surgiu timidamente em 2017, com apenas 10 obras ao longo de 2 dias, e cresceu a cada ano até explodir em 2020, em sua primeira edição online, quando deu a uma enorme quantidade de cinéfilos, órfãos das salas de cinema e sedentos por novidades, a chance de descobrir dezenas de obras audiovisuais inovadoras. Em sua 5ª edição, realizada de 15 a 25 de julho, o jovem festival permanece independente de patrocinadores e sem cobrar um único centavo de seus espectadores, o que significa que o evento precisa buscar meios alternativos para se manter financeiramente. Por isso, o Ecrã abriu uma campanha de financiamento coletivo para esta edição, com a qual é possível contribuir até o dia 15 de agosto. 

Através de uma plataforma própria, a quinta edição teve uma curadoria heterogênea como toda seleção de um Festival experimental deve ser. Trazendo desde obras de cineastas essenciais para o Cinema de vanguarda mundial, como James Benning e Ken Jacobs, à produções estudantis saídas diretamente das universidades brasileiras, o Ecrã ofereceu um panorama amplo de produções nacionais e internacionais das mais diversas, que buscam romper as fronteiras e arrebentar as caixinhas do tradicional e do óbvio. 

Das 120 produções presentes na programação do Festival, o Persona assistiu 40, todas comentadas a seguir por Caio Machado, Caroline Campos, Gabriel Gatti, Gabriel Oliveira F. Arruda, João Batista Signorelli e Vitor Evangelista. Nos 10 dias de Festival, vimos um pouco de tudo: filmes macabros, engraçados, surpreendentes, incômodos, ou apenas abstratos demais para serem descritos. Se você quer sair do óbvio e passar longe do previsível, pode ter certeza que logo abaixo encontrará material de sobra para se interessar. 

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Caros Camaradas!: o silenciamento das massas fala mais alto do que a injustiça

imagem em branco e preto de uma mulher loira com os cabelos presos, de perfil, com olhar triste, vestindo uma jaqueta. No plano mais a direita está escrito Caros Camaradas! Trabalhadores em Luta em preto. O fundo exibe imagens borradas e sombras de protestos.
Presente na seleção do Festival do Rio 2021, Caros Camaradas! traz em sua narrativa um dualismo documental (Foto: Production Center of Andrei Konchalovsky)

Gabriel Gatti

A Revolução Russa de 1917 ocorreu em dois levantes, sendo o primeiro em fevereiro, no qual os revolucionários lutaram contra a monarquia do czar Nicolau II. O segundo, que aconteceu em outubro, começou a implantar os ideais socialistas. Porém, o sonho da igualdade foi muito mais conturbado do que as massas russas poderiam imaginar. O aumento do preço dos produtos do dia a dia e a redução do salário fez com que milhares de trabalhadores fossem às ruas de Novocherkassk, no dia 2 de junho de 1962. É justamente a história desse protesto que Andrei Konchalovsky conta no filme Caros Camaradas!, presente no Festival do Rio 2021.

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Após 30 anos, o clássico Thelma & Louise continua atual e necessário

Cena do filme em que Geena Davis, uma jovem branca de cabelos claros e ondulados, e Susan Sarandon, uma jovem branca de cabelos ondulados, com óculos de sol e lenço, se juntam para tirar uma selfie.
A primeira selfie do cinema foi protagonizada por Geena Davis e Susan Sarandon no clássico Thelma & Louise (Foto: Metro Goldwyn Mayer)

Gabriel Gatti

Muitos filmes hollywoodianos seguem um padrão comum em suas produções, quase como uma receita de bolo. Neles é perceptível uma maioria esmagadora de personagens masculinos como protagonistas. Em contrapartida, a história criada pela roteirista Callie Khouri propunha uma ruptura nos clichês da indústria cinematográfica. Desse modo, ao receber o roteiro em mãos, o diretor Ridley Scott deu vida ao icônico Thelma & Louise.

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Twin Peaks: 30 anos de um universo onde as corujas não são o que parecem

Letreiro da cidade em que se passa a história (Foto: Reprodução)

Gabriel Gatti

Em 1990, o mundo queria saber: quem matou Laura Palmer? Criada por Mark Frost e David Lynch, Twin Peaks foi um dos maiores marcos da televisão mundial. A série se passa em uma cidadezinha pacata que fica na fronteira entre os Estados Unidos e o Canadá, onde ocorreu o terrível assassinato de uma estudante, Laura Palmer (Sheryl Lee). O episódio piloto começa com o morador local Pete Matell (Jack Nance) saindo para pescar e encontrando o corpo da jovem envolto em plástico às margens do lago. Em decorrência do assassinato, o agente nada convencional do FBI, Dale Cooper (Kyle MacLachlan), vai a Twin Peaks para investigar o caso.

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Lady Gaga debate saúde mental através de um sonho conceitual em 911

Gaga começa o curta no meio do deserto cercada por romãs (Foto: Interscope Records)

Gabriel Gatti

Não falta conceito para a era Chromatica e para Lady Gaga. Lançada em fevereiro de 2020, a primeira faixa divulgada do novo álbum da cantora foi Stupid Love, na qual os fãs foram convidados a entrarem em um mundo criado pela Mother Monster. O clipe, entretanto, falhou na hora de entregar a ideia. O excesso de chroma key e os looks toscos comprometeram o conteúdo do vídeo. Com Rain On Me não foi muito diferente: a parceria com Ariana Grande resultou em um hit aclamado pelos fãs, porém deixou a desejar ao focar demasiadamente na coreografia e não pensar na construção de uma narrativa. No entanto, o mesmo erro não ocorreu no curta-metragem de 911. Dirigido por Tarsem Singh (Dublê de Anjo, 2006), o vídeo traz história, figurinos bem produzidos e muito conceito.

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