Após 30 anos, o clássico Thelma & Louise continua atual e necessário

Cena do filme em que Geena Davis, uma jovem branca de cabelos claros e ondulados, e Susan Sarandon, uma jovem branca de cabelos ondulados, com óculos de sol e lenço, se juntam para tirar uma selfie.
A primeira selfie do cinema foi protagonizada por Geena Davis e Susan Sarandon no clássico Thelma & Louise (Foto: Metro Goldwyn Mayer)

Gabriel Gatti

Muitos filmes hollywoodianos seguem um padrão comum em suas produções, quase como uma receita de bolo. Neles é perceptível uma maioria esmagadora de personagens masculinos como protagonistas. Em contrapartida, a história criada pela roteirista Callie Khouri propunha uma ruptura nos clichês da indústria cinematográfica. Desse modo, ao receber o roteiro em mãos, o diretor Ridley Scott deu vida ao icônico Thelma & Louise.

Toda a produção do longa foi composta por uma equipe de peso. Apesar de novata, Callie Khouri já tinha experiência por trás das câmeras e pretendia em seu roteiro quebrar o padrão de mulheres hipersexualizadas que via no seu dia a dia de trabalho. Ridley Scott já era considerado um diretor consagrado por suas produções anteriores, como Alien e Blade Runner. E para encarnar as grandes protagonistas que dão nome ao filme, estão as atrizes Geena Davis e Susan Sarandon, que trouxeram vida por meio de suas atuações impecáveis na trama.

Cena do filme em que Thelma e Louise cruzam o deserto dentro de um carro conversível azul. A estrada é de terra, nos cantos está a vegetação baixa típica de clima desértico e uma montanha toma conta do fundo da imagem.
As amigas dirigem um Ford Thunderbird durante sua viagem de férias (Foto: Metro Goldwyn Mayer)

O filme conta a história de duas amigas com personalidades opostas que saem de férias para uma cabana de pesca nas montanhas. Thelma Dickinson (Geena Davis) é uma dona de casa que moldou sua vida de acordo com as medidas impostas pelo seu marido, Darryl (Christopher McDonald), um vendedor de tapetes, grosseiro e controlador. Enquanto que Louise Sawyer (Susan Sarandon) trabalha como garçonete, é bem resolvida e tem personalidade forte. Apesar de todas essas divergências, ambas se respeitavam e se apoiavam.

Durante sua jornada, as amigas param em um bar de estrada para descansar da viagem. No local, Thelma aproveita para se divertir bebendo e dançando com estranhos. Porém, Harlan (Timothy Carhart) tenta abusar sexualmente da jovem enquanto esta estava em estágio frágil. Para proteger a amiga, Louise atira no assediador. Após o conturbado ocorrido, ambas fogem do local. A partir disso, o longa se transforma em uma perseguição policial, que fortalece a personalidade e o laço das protagonistas da narrativa.

Cena do filme em que Susan Sarandon, a esquerda, aparece usando uma camiseta branca e apontando uma arma. A direita está Geena Davis, que usa uma camiseta preta com o desenho de uma caveira e óculos de sol. O fundo é o céu azul.
Ao longo da viagem, as personagens evoluem suas personalidades (Foto: Metro Goldwyn Mayer)

O filme segue a linha de um road movie, porém quebrando inúmeros padrões conhecidos pela indústria do Cinema. A narrativa já é inovadora por si só ao propor duas mulheres como protagonistas de uma jornada policial, mas também, as personagens apresentam personalidades muito bem desenvolvidas, algo que não é tão comum em produções que costumam colocar a persona feminina como coadjuvante. Além disso, a trama apresenta diversas cenas marcantes em que Thelma e Louise apresentam atitudes comuns nos longas predominantemente masculino, como beber, dirigir, roubar, matar e fugir da polícia, algo inovador e original para Hollywood.

Nesse cenário em que o protagonismo masculino se sobrepõe sempre às mulheres, é possível dizer que Thelma & Louise é um longa necessário para a cultura popular. Embora essa realidade em que há uma ausência feminina na frente e, principalmente, por trás das câmeras seja fato, essa história nem sempre foi assim. O primeiro filme narrativo de ficção da história do cinema, A Fada do Repolho, de 1896, foi dirigido pela francesa Alice Guy-Blaché. Outra figura representativa é a diretora Lois Weber, que realizava produções tão marcantes quanto D. W. Griffith e Georges Méliès. Embora simbólico para a construção da indústria cinematográfica, muitos não conhecem o trabalho das grandes mulheres que construíram esse mercado que, originalmente, era igualitário entre os gêneros. 

Cena branco e preta do curta A Fada do Repolho, em que Alice Guy-Blaché aparece ao centro sorrindo, com cabelo curto preto, um vestido longo branco e os braços erguidos. Ao seu lado estão vários repolhos fictícios grandes e ao fundo está uma grade.
Alice Guy-Blaché, diretora do filme A Fada do Repolho, é considerada pioneira do Cinema (Foto: Reprodução)

Mas apesar dessa opressão masculina no Cinema, Thelma & Louise deixou a sua marca. O longa chegou a receber quatro indicações ao Globo de Ouro e seis ao Oscar, ganhando apenas na categoria de Melhor Roteiro Original em ambas as premiações. Além disso, o filme ganhou muito palco por tratar tão bem de pautas feministas, já que nos anos 90 não era comum que se levantassem assuntos sobre a questão da igualdade de gênero, do assédio sexual e da liberdade feminina nas telonas. 

Apesar de ter criado essa onda de feminismo em Hollywood, o filme não resultou em melhoras dentro da indústria cinematográfica. Com os padrões de dominação masculina no ramo do cinema, a talentosa Geena Davis criou em 2006 o Geena Davis Institute on Gender in Media, com o objetivo de mitigar a discriminação por gênero. A atriz aborda no documentário Isso Muda Tudo, de 2018, que não tinha ideia da disparidade entre homem e mulher quando começou a atuar. Desde que se tornou ativista na área, Davis e sua equipe passaram a levantar dados que comprovam essa discrepância, para assim, tentar alcançar a igualdade entre gêneros. 

Cena do filme em que um carro azul conversível sobrevoa o Grand Canyon. A metade para baixo da imagem é composta por rochedos desérticos e a parte superior é o céu azul com poucas nuvens dispersas.
O filme se encerra com um salto em direção às colinas do Grand Canyon, perpetuando a liberdade de Thelma e Louise (Foto: Metro Goldwyn Mayer)

Apesar disso, a relevância do longa para o cenário feminino no Cinema é inegável e mesmo após 30 anos, o clássico Thelma & Louise permanece atual em sua proposta. De forma divertida, Callie Khouri escreveu uma história comovente sobre assuntos complexos na sociedade. A edição do filme permite com que o telespectador adentre na vida das personagens, ao mesmo tempo que a trilha sonora e a direção musical de Hans Zimmer intensificam as emoções trazidas na direção de Ridley Scott.

Thelma & Louise ainda mostra que alguns filmes vão além do entretenimento ao levantar bandeiras relevantes para a sociedade. As personagens são donas de suas vidas e mostram que o empoderamento feminino é muito mais divertido quando ocorre por meio da cumplicidade entre duas boas amigas. E com isso, o longa se encerra mostrando que, para elas, nada é mais importante do que a liberdade.

Deixe uma resposta