Ruben Östlund não se preocupa em soar presunçoso ou em talhar o discurso com o intuito de mastigar a jugular que atinge. O sueco, que levou para casa sua segunda Palma de Ouro meses atrás, chega em Triângulo da Tristeza num patamar de sátira e escárnio para além do já apresentado em seu currículo no Cinema. Parte da Perspectiva Internacional da 46ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo, seu premiado filme está interessado em caçoar.
Imagine a família Roy de Succession, mas ao invés de magnatas bilionários, eles são pobretões, sem um tostão furado no bolso e em constante pé de guerra pela mísera das migalhas. Essa é a ambientação do iraniano Os Irmãos de Leila, premiado com o louro da crítica em Cannes e apresentado na 46ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo na seção Perspectiva Internacional.
Sozinhos em um quarto escuro da noite paquistanesa e iluminados apenas pela luz neon em formato de flores e borboletas que beijam seus corpos, Haider (Ali Junejo) e Biba (Alina Khan) não conseguem encostar um no outro. A tensão que os envolve é forte demais para isso. Mas, quando o homem toma coragem e estica o braço a fim de pegar um copo d’água da mulher, uma faísca atravessa o ambiente, quebrando o vidro e, junto dos cacos, a barreira que existe entre ambos.
Essa é apenas uma pequena porção do que serve Joyland, filme presente na Competição Novos Diretores da 46ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo e representante do Paquistão no Oscar 2023. Primeira produção do país a integrar a seleção de Cannes, ele foi além das expectativas e venceu dois prêmios em terras francesas: o Grande Prêmio do Júri da seção Um Certo Olhar e a Palma Queer, destinada a obras que articulam temas e personagens LGBQIA+ com maestria.
A produção romena Cinema Almanac (Almanah Cinema, no original), presente na 46ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo, é apresentada como uma coletânea de seis curtas de Radu Jude (Má Sorte no Sexo ou Pornô Acidental), que assina a direção e roteiro em algo semelhante a quando um escritor publica um volume de seus contos ou poesias. Por estarem reunidos em um mesmo conjunto, faz sentido pensar que possuem características em comum, além da mera aleatoriedade. Cinco dos curtas que a compõem, Caricaturana, Os Potemkinistas, Memórias do Front Oriental, As Duas Execuções do Marechal e Punir e Disciplinar,mostram que o cineasta busca refletir sobre as imagens do passado e o possível impacto que podem causar no observador contemporâneo. Porém, ele próprio mal consegue impactar, devido à forma como utiliza as fotografias.
Paloma trabalha colhendo mamões em uma plantação, faz bico de cabeleireira, namora com Zé e, junto dele, cria a pequena Jenifer no interior do Pernambuco. Ela é espirituosa, bondosa e amada por todos da cidadezinha, e no fundo, tem um desejo próximo ao coração: se casar na igreja, vestida de noiva, com buquê e chuva de arroz. Mas, quando enfim toma coragem e chega ao padre com o singelo pedido, ouve um sonoro ‘não’. Por ser uma mulher trans, o sonho de Paloma não pode ser concretizado.
Na trama, presente na seção Mostra Brasil da 46ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo e inspirada por acontecimentos reais, quem interpreta Paloma é a grandiosa Kika Sena. Arte-educadora, diretora teatral, poeta e performer, graduada em Licenciatura em Artes Cênicas pela Universidade de Brasília (UnB) e mestranda em Teoria em Prática das Artes Cênicas pela Universidade Federal do Acre, Sena é pesquisadora nas áreas de gênero, sexualidade, raça e classe, e autora dos livros Marítima (2016) e Periférica (2017) e da zineSubterrânea (2019).
Na floresta colorida que preenche com entusiasmo a tela de Perlimps, uma das animações mais aguardadas da 46ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo, dois agentes secretos duelam por um bem em comum. Do Reino do Sol, Claé (Lorenzo Tarantelli) é uma raposa que insiste em se identificar como lobo, enquanto Bruô (Giulia Benite), nascida no Reino da Lua, representa uma miscelânia selvagem, assumindo a forma de um urso com rabo de leão. À primeira vista inimigos, os bichinhos entendem que apenas com a união será possível derrotar o inimigo invisível.
“Soube que tinha de resistir. De modo que me sentei nos ladrilhos do banheiro das mulheres e aproveitei os últimos raios de luz para ler mais três poemas de Pedro Garfias, depois fechei o livro, fechei os olhos e disse para mim: Auxilio Lacouture, cidadã do Uruguai, latino-americana, poeta e viajante, resista” (pág. 29).
À primeira vista, Roberto Bolaño é lembrado por dois romances – possivelmente os mais importantes da Literatura na América Latina no final do século XX e início do novo milênio: Os detetives selvagens(1998) e 2666(2003). O último – uma espécie de testamento do autor chileno, lançado postumamente e com quase mil páginas – desfez a ideia de que o apocalipse ocorrerá sob sirenes e explosões; na verdade, o fim do mundo já começou, e é tão silencioso quanto os assassinatos constantes e sigilosos dos jovens latino-americanos. Por outro lado, com seu romance de 1998, Bolaño deu vida à aura libertária das revoltas deste lado da América, sob uma perspectiva idealizada que, não obstante, é ela mesma rechaçada no livro. Ainda assim, é em Amuleto(1999), lançado entre uma obra e outra, que o autor concentra magistralmente seus temas principais: a poesia, a política e a violência.
É como se a fita amaldiçoada da Samara de O Chamado (2002) sofresse uma transfusão sanguínea da IST mortal que assola Corrente do Mal(It Follows, 2015). Não há maneira simples de descrever o sorriso mortal que intitula a estreia em longas do cineasta Parker Finn. Na simples e direta trama de Sorria (Smile), uma psicóloga testemunha um suicídio e vê a própria vida se tornar um labirinto nefasto, em que só há saída na morte.
“Por que você veio até mim antes de ir à Polícia prestar queixas?”, disse o grande padrinho, Don Vito Corleone, no início de O Poderoso Chefão. Aclamado pela crítica, vencedor de três Oscars e dono da mais alta charmosidade cinematográfica, o filme de Francis Ford Coppola celebra cinco décadas. Você conhece aquela expressão “old but gold”, ou “velho, mas brilhante”? Se encaixa perfeitamente para resumir essa fantástica ascensão de um império americano à moda italiana. Este texto traz como tema central as nuances e razões que fazem da obra algo irrecusável, à frente de seu tempo e referência na arte de expor a máfia nas telonas.
É até um pouco difícil acreditar que demorou mais de uma década para que a Marvel introduzisse uma personagem obcecada com seu próprio universo. Diferente de Kate Bishop (Hailee Steinfeld), que viveu o sonho de encontrar seu herói e assumir seu manto em Gavião Arqueiro, Kamala Khan (Iman Vellani) precisa aprender a se virar sem a ajuda de nenhum dos Vingadores que passou a vida admirando, nem mesmo de seu ídolo, Carol Danvers. Mas isso não significa que Ms. Marvel esteja sozinha, já que seus verdadeiros super-poderes são a família e a comunidade.