Objetos de Luz materializa a reflexão dos raios

Cena do filme Objetos de Luz. Na imagem, o Homem da Luz colocando a mão em frente a um projetor de imagens. O personagem é um homem branco de barba branca, seu rosto apresenta algumas rugas. Ele veste uma blusa de mangas longas na cor cinza, além de um boné preto e óculos arredondados. O projetor exibe partículas de brilho amarelas e laranjas
Documentando as luzes cinematográficas, Objetos de Luz fez parte da Competição Novos Diretores da 46ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo (Foto: Bando à Parte)

Jamily Rigonatto

Para a Física, a luz é uma onda eletromagnética com frequência suficiente para ser visível aos olhos humanos. Em Objetos de Luz, ela ganha esse e outros milhões de significados incabíveis em definições exatas e numerológicas. No documentário, dirigido por Acácio de Almeida e Maria Carré, a luz é o ponto que amarra o início e o fim. Pertencente à Competição Novos Diretores da 46ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo, o filme nos dá a certeza de que a luz nos eterniza.

O cenário não poderia ser mais metalinguístico: uma produção cinematográfica construída em meio a pilhas e mais pilhas de bobinas de vídeo. Os retroprojetores indicam a que vieram e se tornam protagonistas de uma narrativa singular. Objetos de Luz é, entre muitas coisas, um filme sobre memória. Lembranças guardadas uma a uma por lentes que captam imagens além do tempo e as sintetizam em maquinários para o futuro.

Cena do filme Objetos de Luz. Na imagem, uma das pessoas do filme em frente a uma tela de cinema. O personagem é um homem branco com cabelos brancos que apresenta algumas rugas. Ele veste uma camisa cinza de mangas longas. Atrás há uma imagem preta e branca do mesmo homem mais jovem
Objetos de Luz ou Objectos de Luz – nome original – é uma obra portuguesa, e a estreia de Maria Carré como diretora (Foto: Bando à Parte)

A produção ganha uma voz, o Homem da Luz. Enquanto a fotografia – também responsabilidade de Acácio de Almeida – desemboca em uma viagem a múltiplos destinos, o narrador expõe reflexões mais plurais ainda. Assim, a história de Objetos de Luz se dedica a esclarecer os intimismos da iluminação. São citados os fótons, as estrelas, os reflexos e tudo que há de teórico na função da luz. 

Entretanto, o destaque fica para aquilo que não é teórico, as partes difíceis de mensurar em qualquer conceito pronto. Do dar à luz ao ir para a mesma, a existência humana é atravessada por raios presentes até na formação das imagens a partir da visão. Os efeitos que transformam nossas vivências em cenas vívidas transgredindo para todos os aspectos de ser humano. 

No Cinema, a luz faz parte do processo da captação da imagem, ilumina os rostos que dão vida aos roteiros e é dimensionada em um objeto que precisa dela para reproduzir o que gravou. Um ciclo capaz de congelar o tempo em imagens incapazes de serem vividas novamente, mas passíveis de serem assistidas infinitas vezes e causar efeitos em todas as histórias que as cruzarem.

Descrição de imagem: Cena do filme Objetos de Luz. Na imagem, uma das personagens do filme olhando no espelho. Ela é uma mulher branca mais velha, tem cabelos curtos em castanho escuro. A mulher veste um vestido claro com detalhes transparentes. A sua frente há uma imagem dela mais jovem. No reflexo do espelho aparece a figura da morte em vestes pretas.
O filme foi exibido esse ano no Festival de Locarno (Foto: Bando à Parte)

O longa se dispõe a muitas coisas; com certeza, homenagear o Cinema é uma delas. Assim, suas montagens imprimem em imagens cinéticas a capacidade brilhante dos enredos memoriais como um dos mais importantes produtos da luz. Sejam interpretadas ou fruto da espontaneidade, tudo que é gravado e abrigado em um filme ganha uma passagem para a vida eterna. 

Mostrar essa fascinação à luminescência das produções audiovisuais retoma uma questão muito pessoal para Acácio de Almeida, já que sua trajetória na fotografia cinematográfica é de longa data. O português tem um histórico vasto em colaborações com diretores como António da Cunha Telles, Paulo Rocha e Rita Azevedo Gomes, e agora traz sua esposa, a atriz Maria Carré, à espreita desses holofotes.

E é essa intimidade que faz Objetos de Luz perder a força nos interesses dos telespectadores. A obra é uma ode às contemplações, mas se perde nos subjetivismos de Acácio. São precisos poucos minutos para ficar óbvio que o filme é muito mais relevante para ele e seu universo pessoal do que para quem chega de surpresa procurando uma narrativa por passatempo. Dessa forma, nos sentimos de fora, invasores de pensamentos particulares demais.

Cena do filme Objetos de Luz. Na imagem, pequenas partículas de brilho em tons de vermelho e laranja passam por um buraco escuro.
“O que somos então, em relação à luz?” (Foto: Bando à Parte)

Sem diálogos corridos e uma disposição temporal lógica, a proposta é incitar algum pensamento – talvez até fazer o público enxergar a luz de novas maneiras. Em cerca de uma hora, o documentário esmiúça cada partícula da iluminação em suas singularidades e infinitudes. Aquilo que vemos e o que não, fundidos em imagens colocadas lado a lado. 

Não é como se Objetos de Luz fosse um filme apaixonante, mas carrega consigo sinceridade e delicadeza. O retrato é sensível e nos coloca para pensar na luz para além das lâmpadas. Seja no nascer ou no morrer, nossas vidas não passam de raios luminosos caminhando de um lado a outro na espera de algo que nos torne imortais.

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