O vencedor leva tudo em Bergman Island

Cena do filme Bergman Island. Na imagem estão Chris e Tony, em ordem. Chris, interpretada por Vicky Krieps, é uma mulher branca com cerca de 38 anos e cabelo cacheado castanho. Ela veste um suéter laranja queimado. Tony, interpretado por Tim Roth, é um homem branco com cerca de 60 anos e cabelo curto castanho claro. Ele veste uma blusa azul marinho. Ambos estão de perfil, olhando para uma janela. O fundo é uma parede branca de reboco simples.
Integrando a seleção da 45ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo, Bergman Island teve sua estreia oficial no Festival de Cannes 2021 (Foto: IFC Films)

Ayra Mori

Foi na Sétima Arte que Ingmar Bergman convidou seus fantasmas mais obscuros para uma batalha taciturna de xadrez. Numa série de movimentos milimetricamente calculados, xeque, o cineasta sueco ultrapassou os limites entre o homem ordinário e o gênio do Cinema Moderno. Integrando a Perspectiva Internacional da 45ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo, Mia Hansen-Løve se aventura em Bergman Island. E incubando-se da ingrata responsabilidade de homenagear tamanho legado, a diretora francesa vai para além de Bergman, refletindo acerca do amor, da desilusão e, principalmente, da recuperação artística.

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Meu Tio José lembra que nunca é tarde para dizer “Ditadura Nunca Mais”

Cena da animação Meu tio José. Na ilustração em preto e branco, vemos o personagem José entrando em uma farmácia, com prateleiras e caixas brancas em seu entorno. Ele é um homem branco, possui cabelos e bigode de cor preta, veste uma camiseta de cor cinza e uma calça e sapatos de cor preta.
Exibido na seção Mostra Brasil da 45ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo, Meu Tio José retrata a Ditadura Militar brasileira sob o olhar de uma criança (Foto: Fênix Filmes)

Bruno Andrade

“Tem dias que a gente se sente como quem partiu ou morreu”, escreve Chico Buarque na canção Roda Viva. Das diversas interpretações possíveis, a mais cruel e — infelizmente — presente diz respeito à vivência na Ditadura Militar brasileira, em especial durante o endurecimento do regime com o AI-5, período também conhecido como os Anos de Chumbo. Dentre as histórias manchadas pela repressão política, encontramos José Sebastião Rios de Moura, personagem fundamental em Meu Tio José, animação dirigida, roteirizada e ilustrada por Ducca Rios, e que integra a 45ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo.

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Lua Azul: um fenômeno não acontece uma vez só

Cena do filme Lua Azul. A imagem mostra uma jovem em primeiro plano, de costas e posicionada à esquerda. Ela é branca, tem cabelos lisos castanhos presos numa trança, e olha para frente. À frente dela, existe uma mesa onde uma família faz uma refeição. O lugar é alto e tem vista para montanhas.
Carregado de uma indigesta fábula sobre relações de poder permeadas por questões de gênero, Lua Azul compõe a Competição Novos Diretores da 45ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo (Foto: Patra Spanou)

Raquel Dutra

A cineasta romena Alina Grigore é precisamente misteriosa ao nomear seu primeiro filme. No evento celeste da Lua Azul e na trama narrativa de Lua Azul, o que manda é o paradoxo que existe entre a riqueza de seus significados e a simplicidade do seu significante. E de fato, o que o drama traz para a 45ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo, depois de sair com o prêmio máximo do Festival Internacional de Cinema de San Sebastián 2021, é um fenômeno em todos os sentidos. 

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Capitães de Zaatari não acerta o gol que precisava

Imagem retangular, retirada do filme Capitães de Zaatari. O cenário é uma tarde em um acampamento de refugiados, com casebres construídos dos lados da rua de terra. No centro, em foco, vemos um grupo de seis garotos. Primeiro, à esquerda, um garoto usando um boné preto para trás, e vestindo uma camiseta laranja e branca e uma calça preta. Do seu lado esquerdo, está outro garoto, de cabelos raspados, vestindo uma camiseta preta e laranja e uma calça preta. Ele está prestes a cumprimentar um garoto mais alto, que aparenta ser mais velho. Esse é Mahmoud, ele usa um boné de aba curva azul, e veste uma calça preta e uma camiseta azul da seleção de futebol italiana. Mais atrás dele, está outro menino, menor, de cabelo raspado, que usa uma camisa azul e calça preta. Mais à esquerda, está Fawzi, um garoto da mesma altura de Mahmoud, que usa um boné vermelho, uma bermuda azul, e veste uma camiseta branca com detalhes em vermelho, e com a logo da banda Rolling Stones, uma boca mostrando a língua, estampada em seu centro. Por último, do lado esquerdo de Fawzi, está um garoto, que veste uma camisa azul e verde estampada e uma bermuda jeans, enquanto segura uma bola de futebol na mão direita. O grupo de garotos sorriem, conversando entre si.
Compondo a Competição Novos Diretores, da 45ª Mostra internacional de Cinema em São Paulo, falta audácia em Capitães de Zaatari (Foto: Dogwoof)

Enrico Souto

A conjuntura instável e precária que refugiados no mundo todo se encontram nunca foi tão grave. São um dos grupos mais vulneráveis socialmente, agrupando pais e mães que se sujeitam aos trabalhos mais ímpios para sustentar suas famílias, e uma juventude que não vê perspectiva de um crescimento saudável. Nesse contexto, qual o papel que o esporte exerce? O futebol pode adquirir uma função transformadora e emancipatória para essas pessoas? Questões importantíssimas, mas que nunca são tratadas com a devida atenção por Capitães de Zaatari, documentário egípcio que é exibido na 45ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo.

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Medusa, meretriz, monstro, mulher

Cena do filme Medusa. A atriz Mari Oliveira está no centro. Ela é uma mulher negra, de cabelos escuros e presos e usa uma blusa rosa. Seu rosto está com uma espécia de argila verde e ela espalha com as duas mãos. Ao fundo, vemos a cabeceira da cama e uma parede com fotos.
Medusa agraciou a seção Mostra Brasil da 45ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo, mas apenas em sessões presenciais (Foto: Bananeira Filmes)

Caroline Campos

Por Poseidon, Medusa foi violentada. Por Atena, foi castigada, seus cabelos viraram cobras e seu olhar se tornou mortal. Por Perseu, a já criatura foi decapitada e transformada em arma de guerra. Pela História e pela Arte, foi vilanizada, perseguida e satirizada. Mas, no Brasil de 2021, Medusa foi a escolhida por Anita Rocha da Silveira para intitular seu segundo longa-metragem, que, presente na 45ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo, honra, com moldes trágicos e atuais, a trajetória da bela sacerdotisa amaldiçoada.

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Pedregulhos e o poder silencioso dos oprimidos

Cena do filme Pedregulhos. A imagem mostra um homem e um menino, ambos indianos, em pé sobre um chão de areia, a uma certa distância um do outro. No fundo há uma pequena cabana com diversos produtos pendurados. O cenário é seco, mas com verde nas copas de algumas árvores.
Pedregulhos integra a Competição Novos Diretores da 45ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo (Foto: Rowdy Pictures)

João Batista Signorelli

Um pai, um filho, e uma árida paisagem. Estes são os três protagonistas de Pedregulhos, longa indiano selecionado para representar o país na corrida pelo Oscar de Melhor Filme Internacional em 2022, e que está em exibição na programação da 45ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo. O filme parte de um pai alcoólatra que retira o filho da escola, forçando-o a acompanhá-lo na procura da mãe, que fugiu de casa devido à violência doméstica sofrida pelas mãos do marido. 

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A liberdade como sacrifício em O Cão que Não Se Cala

Cena do filme O cão que não se cala. Na foto em preto e branco, há um homem branco com o braço direito levantado, segurando-se em uma fina barra de ferro acima de sua cabeça. Ele possui cabelos curtos e lisos de cor preta, barba de cor preta, e veste uma blusa de cor cinza. Ele está dentro da parte de carga de um pequeno caminhão, coberto por uma lona de cor cinza clara. Atrás dele, há uma mulher branca olhando desconfiada, cuja roupa constitui-se em uma blusa com listras cinzas e uma macacão cinza. Mais ao fundo, há mais dois homens brancos, onde o primeiro, à esquerda, veste uma jaqueta de cor preta e possui cabelo preto, e o segundo, à direita, veste também uma jaqueta preta e utiliza um boné de cor branca.
Compondo a seção Perspectiva Internacional da 45ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo, O Cão que Não Se Cala é um retrato fantástico de uma vida comum (Foto: Oh my Gomez)

Bruno Andrade

Pense naquele famoso discurso de paraninfo intitulado Isto é água, proferido por David Foster Wallace aos formandos do Kenyon College em 2005. Nele, lemos que a “verdadeira liberdade requer atenção, consciência, disciplina, esforço e a capacidade de se importar genuinamente com os outros”. Pronto, esse pequeno trecho pode muito bem apresentar a ideia por trás de O Cão que Não Se Cala (El Perro que No Calla, no título original), filme argentino exibido na 45ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo, dirigido e co-roteirizado por Ana Katz.

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O outro lado do Mar Infinito atormenta uma geração

Cena do filme Mar Infinito. Na imagem, o personagem Miguel está debaixo d’água e conectado por um aparelho de oxigênio que sai do lado esquerdo da imagem. Ele é um homem branco de cabelos castanhos, está sem camisa e com o corpo e braços flutuando sozinhos, virado de lado. A máscara de oxigênio está presa no alto e lados de sua cabeça
Jorge Quintela fotografa um jovem abandonado pela própria espécie através de lentes precisamente calmas, na produção que integra a Competição Novos Diretores na 45ª Mostra Internacional de São Paulo (Foto: Bando à Parte)

Nathália Mendes

Submerso nas águas de uma piscina qualquer, Pedro Miguel (Nuno Nolasco) abre os olhos e enxerga um azul sem fim. A vastidão do desconhecido é iluminada por feixes de luzes brilhantes vindas de um mundo acima do seu, enquanto as bolhas de seu oxigênio flutuam ao redor e ele só está ali, existindo. Não há como imaginar que esse momento é mais uma tentativa do protagonista em enfrentar sua aquafobia, mas sim que o mesmo estaria tão intrinsecamente conectado com a premissa de Mar Infinito. O longa estreou na Competição Novos Diretores na 45ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo como um filme de ficção intergalático em que um jovem luta por um lugar com a humanidade fora do planeta, mas é, na verdade, a solidão de uma geração sem rumo, afogada por uma incerteza esmagadora.

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Vire-se, seus sonhos serão frutificados no Deserto Particular

Cena do filme Deserto Particular, mostra uma mulher dentro do carro, escuro e com apenas seu nariz e cabelo iluminados pelo poste da rua.
Submissão do nosso país para o Oscar 2022, Deserto Particular estreou na seção Mostra Brasil da 45ª Mostra de SP (Foto: Pandora Filmes)

Vitor Evangelista

A tarefa de selecionar, entre uma vastidão de olhares e marcas, um único filme para representar o país mundo afora não é nada fácil. Afinal, qual a fórmula secreta para a submissão perfeita? Quais atributos um longa nacional deve possuir para, de fato, ser o “mais brasileiro” possível? Em 2022, a missão é de Deserto Particular, bela produção comandada por Aly Muritiba e presente na seção Mostra Brasil da 45ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo.

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A Felicidade das Coisas se exprime entre angústias

Imagem retangular retirada do filme ‘A Felicidade das Coisas’. Em foco, vemos o rosto de Paula, uma mulher de pele parda, cabelos da cor preta, curtos e lisos, que veste um suéter branco e vermelho, e uma camiseta branca por baixo. Ela olha para frente, séria e reflexiva. Ao fundo, vemos desfocado o pôr-do-sol tímido de um dia ligeiramente nublado.
O drama familiar em questão integra tanto a seção Mostra Brasil quanto a Competição Novos Diretores da 45ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo (Foto: Embaúba Filmes)

Enrico Souto

Uma família de classe média-baixa, desajustada, que viaja na expectativa de sair da rotina, fugir da monotonia e recarregar as energias, mas que ao chegar lá, precisa enfrentar todas as tensões que transbordam do lado de fora, dessa vez acompanhadas da frustração de que não há como escapar dos infortúnios da vida. É essa experiência, tão relacionável e tão próxima de nós, que é relatada em A Felicidade das Coisas, filme brasileiro que marca presença na 45ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo, revelando, por fim, a potência dessas pacatas relações, e o que encontramos ao investigá-las.

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