Há 20 anos, Spike Lee e Edward Norton contavam A Última Noite de um homem em Nova York

Monty quase foi interpretado por Tobey Maguire, que, apesar de ter recusado o papel para estrelar Homem-Aranha, acabou sendo um dos produtores do longa (Foto: Touchstone Pictures/The Walt Disney Company)

Nathan Nunes

Nos vinte anos que separam os dias atuais da estreia de A Última Noite (25th Hour) nos cinemas brasileiros, em 23 de Maio de 2003, talvez nenhuma cena tenha marcado tanto quanto o monólogo que Edward Norton (Glass Onion) recita em frente ao espelho de um banheiro, no qual reflete sobre como odeia tudo e todos em sua cidade. Esse momento não estava presente no roteiro inicial de David Benioff, mas sim em seu livro homônimo, objeto da adaptação. O diretor Spike Lee (Infiltrado na Klan) encorajou o futuro showrunner de Game of Thrones a colocá-lo de volta nos planos, além de tê-lo filmado a contragosto da Disney, que o queria fora do corte final. 

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Em The Last of Us, nós continuamos pela família

Cena da primeira temporada de The Last of Us. Joel (Pedro Pascal) e Ellie (Bella Ramsey) estão no alto de um edifício em ruínas, olhando na direção da câmera para o nascer do Sol. Joel, à esquerda da tela, é um homem latino de meia idade, com cabelos curtos e barba preta, já com vários fios grisalhos. Ele usa uma jaqueta verde clara por cima de uma camisa cinzenta. Podemos ver as alças de uma mochila passando por seus ombros, além de uma alça transversal que vai de seu ombro esquerdo até sua cintura. Joel segura essa alça com sua mão esquerda, deixando exposto um relógio analógico preso em seu pulso. Ellie, à direita da tela, é uma menina caucasiana de cabelos negros presos em um rabo de cavalo. Ela usa uma jaqueta encapuzada aberta por cima de uma camiseta cinza-clara. Em seu ombro esquerdo, já uma lanterna tubular presa na alça de sua mochila, apontada para frente. A câmera os captura da cintura para cima, e atrás deles podemos ver edifícios arruinados, tomados por vegetação e caindo aos pedaços, e uma massa de água ainda mais ao fundo do horizonte.
“Não pode ser em vão” (Foto: HBO)

Gabriel Oliveira F. Arruda e Nathália Mendes

Ecoando sua celebrada minissérie Chernobyl, Craig Mazin nos inicia em The Last of Us com um prólogo: em um talk show dos anos 1960, acompanhamos um biólogo carismático (John Hannah) que avisa tanto o entrevistador (Josh Brener) quanto a plateia que o verdadeiro perigo para a extinção da raça humana não são vírus ou bactérias, mas os fungos. Quando questionado sobre o que aconteceria no evento destes organismos evoluírem para nos infectar, ele responde com um simples “Nós perderíamos”. E, pelas próximas nove semanas, fomos convidados a imaginar como seria um mundo onde é justamente isso o que aconteceu: nós perdemos.

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E o Grammy vai para…Daisy Jones & The Six!

Aviso: o seguinte texto discursa sobre temas que podem se tornar gatilhos para algumas pessoas que sofrem/sofreram com dependência química e violência sexual.

Fotografia da série Daisy Jones & The Six. Na foto, os personagens Billy Dunne e Daisy Jones estão centralizados. Da esquerda para a direita, temos Daisy. Ela é ruiva, tem cabelos longos e cacheados nas pontas, usa um brinco redondo e roupas brancas com transparência. Ela está de olhos fechados. Ao seu lado, Billy possui cabelos castanhos e ondulados na altura dos ombros, usa uma jaqueta marrom e uma camisa branca. Ele olha para o horizonte. O cenário atrás dos dois é de um céu azul límpido, e a luz amarelada do pôr do sol os ilumina.
Entre brigas, farpas e composições, Billy e Daisy nos hipnotizaram com a famosa fórmula enemies to lovers (Foto: Amazon Prime Video)

Clara Sganzerla e Letícia Stradiotto

Separe sua calça boca de sino, seu óculos escuro, uma blusa com a estampa mais divertida do seu armário e entre na atmosfera dos anos 70 com a banda mais incrível que, até então, não existia. A nova série do Amazon Prime Video, baseada no livro de mesmo nome da autora Taylor Jenkins Reid, nos apresenta, com muito drama, romance e emoção, a ascensão e queda do grupo mais polêmico e amado do Reidverso. Antes de mergulhar na Los Angeles regada a drogas, sexo e rock n’ roll, não esqueça seus fones de ouvido e prepare-se para se apaixonar, chorar e voltar no tempo com Daisy Jones & The Six

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Os curtas brasileiros do 28º Festival É Tudo Verdade

Na 28ª edição do Festival Internacional de Documentários É Tudo Verdade, o Persona acompanhou os filmes da Competição Brasileira de Curtas-Metragens (Foto: Hans Gunter Flieg/Acervo Instituto Moreira Salles/É Tudo Verdade/Arte: Ana Clara Abbate/Texto de abertura: Bruno Andrade)

Entre os dias 13 e 23 de abril, o Festival Internacional de Documentários É Tudo Verdade voltou totalmente às salas presenciais dos cinemas espalhados em São Paulo e Rio de Janeiro. Com exibições gratuitas no Centro Cultural São Paulo, Cine Marquise, Cinemateca Brasileira, Sesc 24 de Maio e IMS Paulista, o festival teve também Sessões Especiais virtuais, exibindo nas plataformas de streaming Itaú Cultural Play e Sesc Digital sete dos nove filmes da Competição Brasileira de Curtas-Metragens e dois longas da Mostra Foco Latino-Americano (Beleza Silenciosa, de Jasmín Mara Lópeza, e Hot Club de Montevideo, de Maximiliano Contenti).

Com 72 títulos de 34 países, o festival – fundado em 1996 por Amir Labaki – homenageou dois grandes cineastas na sua 28ª edição: Humberto Mauro (1897–1983), “um dos inventores do Brasil cinematográfico”, que “impõe-se quando o próprio país e logo seu Cinema enfrentam nova reconstrução”, exibindo dez de seus filmes e dois documentários; e Jean-Luc Godard (1930–2022), com a apresentação dos oito episódios da sua série documental História(s) do Cinema (1987-1998), considerada a obra-prima da última parte de sua carreira, cujo conteúdo foi constantemente retrabalhado pelo autor e cuja produção durou cerca de dez anos.

O alcance do É Tudo Verdade, o maior festival de Documentários do mundo, é reconhecido pela Academia de Artes e Ciências Cinematográficas, que classifica diretamente os filmes vencedores dos prêmios dos júris nas Competições Brasileiras e Internacionais de Longas/Médias e de Curtas-Metragens para apreciação ao Oscar do próximo ano. Longe das sessões presenciais, o Persona assistiu à distância os curtas-metragens brasileiros disponíveis no streaming. Dos sete filmes da Competição Brasileira de Curtas exibidos remotamente, quatro tiveram sua estreia mundial no É Tudo Verdade, que também expôs, apenas presencialmente, Ferro’s Bar (Menção Honrosa na categoria), dirigido por Aline A. Assis, Fernanda Elias, Nayla Guerra e Rita Quadros, e O Materialismo Histórico da Flecha Contra o Relógio, de Carlos Adriano.

Mãri hi – A Árvore do Sonho, de Morzaniel Ɨramari, além de ter sua estreia mundial no É Tudo Verdade, foi o grande vencedor da Competição Brasileira de Curtas-Metragens, recebendo também o Prêmio Mistika. Produzido em parceria da ARUAC Filmes com a Hutukara Associação Yanomami, o curta do cineasta yanomami aborda o conhecimento de seu povo sobre os sonhos, com a participação e narração da liderança indígena e xamã, Davi Kopenawa. “A luta yanomami vai continuar até o fim”, disse Ɨramari.

Abaixo, você fica com a curadoria do Persona feita por Bruno Andrade, Enzo Caramori, Guilherme Veiga, Jamily Rigonatto, Nathalia Tetzner e Vitória Gomez, que deixam suas impressões sobre Os curtas brasileiros do 28º Festival É Tudo Verdade.

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Estante do Persona – Março de 2023

Imergindo na subjetividade, o Clube do Livro de Março conheceu a franqueza de Aurora Venturini em As Primas (Foto: Fósforo/Arte: Aryadne Xavier/Texto de Abertura: Jamily Rigonatto)

“Mas tudo passa neste mundo imundo. Por isso não faz sentido se afligir demais por nada nem ninguém. Às vezes penso que somos um sonho ou um pesadelo realizado dia após dia que a qualquer momento não será mais, que não aparecerá mais no telão da alma para nos atormentar.”

– Aurora Venturini

Aprofundando os laços familiares, o Clube do Livro do Persona escolheu os ares argentinos para guiar os ventos no terceiro mês do ano. Sob as linhas de uma protagonista de personalidade forte, as páginas de As Primas, de Aurora Venturini, encaminharam uma leitura curiosa e repulsivamente divertida. Definida como uma espécie de autobiografia, a obra é narrada por Yuna, uma mulher com deficiência vivendo rodeada de um contexto trágico em que a violência e a vulnerabilidade social abraçam mulheres e seus laços sanguíneos. 

Com características únicas, o livro não performa o mais politicamente correto dos textos. Sob os pensamentos, julgamentos e o nojo voraz carregados pela personagem principal, somos afundados em uma narrativa sem filtros na qual o incomum ganha forma em linhas curvas e manchas de tinta. O movimento atípico se reflete na construção de uma escrita que considera a pontuação secundária e dá holofotes à sinceridade liberta. 

Em 160 páginas, Yuna detalha as figuras de sua família e os eventos assombrados que a perseguem enquanto registra tudo em cor e sombra através de suas pinturas. Sob as pinceladas, aborto, prostituição, morte e abuso ganham retratações ácidas. Entre a mãe, a irmã Betina, a tia Nenê e as primas Carina e Petra, o grotesco e o desatino remontam um viés peculiar da vivência de vítimas da opressão oferecida pelo destino. 

O romance é o primeiro e único das mais de 40 publicações de Aurora e marca sua estreia no universo literário da América Latina. Em um deslumbramento brutal, o escrito consagrou a literata aos 85 anos com o prêmio Nueva Novela em 2007. No Brasil, a obra ganhou a primeira versão em setembro de 2022 pela Editora Fósforo e foi traduzida por Mariana Sanchez. 

Em tons insólitos, As Primas causou um rebuliço comicamente miserável. Para não perder o costume, os membros da nossa editoria não falham em dar opções aos que querem adentrar relações similarmente complicadas, mas também contemplam os interessados em conhecer outras das infinitas possibilidades oferecidas pela Literatura. Por isso, o Estante do Persona de Março deixa suas primorosas indicações para estampar o cinza outonal.

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Circuito Cineclube Sesc – Infiltrado na Klan e as veias abertas da América racista

Cena de Infiltrado na Klan. Nela vemos os personagens Ron, um homem negro de cabelo black power e barba cheia e Patrice, uma mulher negra de cabelo black power. Ron veste uma camisa vermelha e um relógio na mão direita. Patrice veste uma espécie de poncho, com algumas pedrarias em seus dois punhos. Os dois apontam uma arma para a câmera. Eles estão em um corredor de apartamentos e a fotografia está granulada.
A exibição do longa no Sesc Bauru encerrou a Mostra “Cinema é Direito”, e contou com a participação do Prof. Dr. Juarez Xavier, referência no ativismo antirracista, no debate após a apresentação do filme (Foto: Focus Features)

Guilherme Veiga

Em 2017, quando aconteceu a passeata de Charlottesville, Infiltrado na Klan provavelmente estava finalizando seu processo de pesquisa e escrita ou começando suas filmagens. Talvez Spike Lee não esperasse que sua história, apesar de latente na sociedade contemporânea, se manteria tão atual. Muito além de apenas tocar na ferida do racismo, a obra também assumiu o papel de estancar um sangramento que, em sua esmagadora maioria, continua derramando sangue negro. De acordo com a mensagem que antecede o logo do filme, “essa parada é baseada em merdas reais pra caralho”. 

O longa, que no seu aniversário de cinco anos encerrou a Mostra Cinema é Direito do Persona no Sesc Bauru, conta a história de Ron Stallworth (John David Washington), um policial negro da extremamente branca cidade de Colorado Springs. No local, em um momento de ebulição social americana, ele descobre uma célula da Ku Klux Klan ativa na cidade e decide se infiltrar na organização, dividindo sua identidade com o detetive branco ‘Flip’ Zimmerman (Adam Driver). Mas é no teor dessa mesma mensagem que está escondida a intenção de Spike Lee de, na verdade, trazer um meio termo entre fato e ficção para transmitir a ótica do diretor para o público. Tal aspecto transforma Infiltrado na Klan em uma das obras mais conscientes e contundentes da extensa carreira do cineasta.

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Estante do Persona – Fevereiro de 2023

Em Fevereiro, o Clube do Livro mergulhou em Escute as feras (Foto: Editora 34/Arte: Aryadne Xavier/Texto de abertura: Bruno Andrade)

“Quantos psicólogos me tomariam por louca se eu lhes dissesse que sou afetada pelo que acontece fora de mim? Que a aceleração do desastre me petrifica? Que tenho a impressão de não ter mais controle sobre nada?

Nastassja Martin

Após acompanhar o melancólico Aos prantos no mercado, de Michelle Zauner, em Fevereiro o Clube de Leitura do Persona deu continuidade a nossa tradição de ler autoras – nesse caso, também com uma escrita melancólica. Escute as feras, de Nastassja Martin, foi a escolha da vez.

Mergulhando nesse relato autobiográfico, narrado e construído como um texto de ficção, Nastassja Martin nos prende do inicio ao fim em seu trágico relato de quando, durante uma pesquisa de campo, foi atacada por um urso e teve parte do rosto desfigurado. No entanto, a antropóloga entende que, em sua trajetória de cura, precisa perdoar o animal e retornar à vida.

No único encontro do Clube, aspectos da construção textual e uma possível ligação com a autossociobiografia de Annie Ernaux – sendo as duas autoras francesas – chamou a atenção. As referências culturais, antropológicas e místicas também foram abordadas: para alguns povos originários, os quais Martin estava se dedicando a pesquisar durante o ocorrido, ser atacado por um urso e sobreviver coloca o indivíduo em um estado de “entre-vida”, habitando duas dimensões simultaneamente – o texto da autora, que veio à Flip no final de 2022, se constrói um pouco nessa dimensão.

Enquanto os próximos conteúdos do mundo literário não chegam, o Estante do Persona de Fevereiro de 2023 segue com seus comentários e Dicas do Mês.

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Melhor Figurino: A importância do costume design no audiovisual vai além do Oscar

Em 2022, a categoria de Melhor Figurino sequer foi transmitida ao vivo durante o Oscar (Arte: Nathália Mendes)

Costanza Guerriero

Eu não sou uma estilista. Eu uso as roupas para contar histórias”, disse a figurinista Jenny Beavan após ganhar o Oscar de Melhor Figurino pelo filme Cruella. Sua frase define bem o que a categoria representa, ou deveria representar, dentro da indústria cinematográfica. A Moda pela Moda deixa de existir em nome da Sétima Arte e se transforma em uma linguagem visual com um único objetivo final: contar uma história. Desde os primórdios da interpretação, do teatro ao começo do Cinema, o figurino está presente como um elemento essencial na construção de uma narrativa. Ainda assim, a categoria parece ser uma das menos prestigiadas, como ficou claro no Oscar de 2022, quando ficou entre as oito a serem premiadas fora da transmissão ao vivo.

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Os Melhores Livros de 2022

Entre o melhor da Literatura em 2022, tivemos a tradução da obra póstuma de David Foster Wallace, novas edições de Shirley Jackson e o romance de estreia de Jarid Arraes (Arte: Henrique Marinhos/Texto de Abertura: Bruno Andrade)

No último ano, a editoria de Literatura foi uma das áreas que se consolidou no Persona. A parceria com a Companhia das Letras recebeu uma melhoria, nos tornando Parceiros Fixos. Como resultado, mais de 30 livros foram resenhados em 2022, e a grande maioria foram obras lançadas pela editora. Nós também ficamos de olho em eventos literários, como o Nobel de Literatura, e nosso Clube de Leitura e Estante do Persona se revitalizaram. Como um balanço do que foi o ano passado para o projeto – e para a Literatura no mundo –, chegamos com Os Melhores Livros de 2022.

Dos dias 2 ao 10 de Julho, membros da nossa Editoria cobriram a 26ª Bienal Internacional do Livro de São Paulo, que ocorreu no Expo Center Norte. Dentre os destaques, a Homenagem a José Saramago – que completaria 100 anos em 2022 –, feita por Andréa Del Fuego, José Luís Peixoto e Jeferson Tenório, e a presença de Paulina Chiziane e Valter Hugo Mãe, marcaram a última edição do festival.

O evento, na verdade, teve dupla celebração: além do centenário do único escritor de língua portuguesa a receber o Nobel de Literatura, 2022 também marcou o bicentenário da Independência do Brasil. Dessa forma, a celebração se deu na forma de reconhecimento da identidade linguística, que une continentes através do idioma em comum, e contou também com a presença do presidente de Portugal, Marcelo Rebelo de Sousa.

Em Maio, a Companhia das Letras publicou a tradução O rei pálido, romance póstumo de David Foster Wallace, finalista do Pulitzer em 2012 e que estava em processo de tradução desde 2014. Pela mesma casa editorial, Sátántangó, do húngaro László Krasznahorkai, finalmente chegou ao mercado editorial brasileiro. Eterno favorito ao Nobel de Literatura, esse é o primeiro livro do autor publicado no país. 

E, falando da premiação, 2022 foi o ano de Annie Ernaux. A escritora francesa foi a grande vencedora do Nobel de Literatura, e foi tema do nosso Clube do Livro meses antes de sua consagração. Em Novembro, ela veio ao Brasil para participar da Festa Literária de Paraty (Flip), onde dividiu uma mesa com Geovani Martins, autor de Via Ápia. Além das entrevistas com os escritores Tobias Carvalho e Daniel Galera, o Persona também foi representado no podcast Clube Rádio Companhia, da Companhia das Letras, no papo sobre os 10 anos de lançamento de Barba ensopada de sangue, de Galera.

Abaixo, você confere a lista das obras que marcaram os membros da Editoria e nossos colaboradores no ano de 2022, com gêneros e estilos para todos os gostos. Seja qual for a sua escolha, o Persona segue defendendo a pluralidade, irreverência e emancipação propiciada pelos livros. Boa leitura!

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Estante do Persona – Janeiro de 2023

Para começar 2023, Aos Prantos no Mercado desbota os cinzas e pretos da dor do luto no Clube do Livro do Persona (Arte: Nathália Mendes/Texto de abertura: Jamily Rigonatto)

“Às vezes, meu luto é igual a ter sido deixada sozinha em uma sala sem porta nenhuma. Toda vez que eu lembro que a minha mãe morreu, parece que estou batendo contra uma parede que se recusa a ceder. Não há escapatória, só uma superfície dura contra a qual eu me choco vez após outra, um lembrete da realidade imutável de que eu nunca mais vou voltar a vê-la.”

– Michelle Zauner

O Clube do Livro do Persona deu início ao ciclo de 2023 com direito a todas as emoções presentes nos processos do luto. Com a leitura de Aos Prantos no Mercado, de Michelle Zauner, nossos leitores experimentaram a dor, as memórias e os afetos através das prateleiras do H Mart em Nova York. Abrindo portas para a intimidade, a obra da vocalista da Japanese Breakfast caminha, entre temperos e lágrimas, pelas reflexões desencadeadas na artista após a morte da mãe.

Desde as primeiras páginas do livro, há o gosto de uma experiência sensorial. Enquanto narra a passagem pelos corredores de um mercado de comidas coreanas, a artista evoca cheiros, texturas e cores para ilustrar as questões que marcaram suas lembranças. A cada embalagem vista, o resultado é um conjunto de reações lacrimosas misturadas aos flashbacks de sensações e momentos em que a comida representava a ligação entre mãe e filha. 

O livro, publicado em outubro de 2022, é a continuação das páginas expostas na revista The New Yorker em 2018. A versão final da obra trouxe o ensaio na forma do primeiro capítulo das 288 páginas que compõem o conjunto. No Brasil, a editora Fósforo foi a responsável pela publicação, com tradução de Ana Ban e capa ilustrada pela quadrinista Ing Lee

Através de suas palavras, a cantora e escritora consegue expor não só como funcionava a relação com a própria mãe, como também gerar pensamentos sobre o amor e as formas singulares sob as quais esse sentimento se porta. Assim, as relações não ganham um tom de perfeição, mas mostram o apreço entre os gestos e atitudes. A austeridade e rigidez que envolvem a criação de Michelle ainda abrem espaço para as ponderações de sua visão acerca da mudança de perspectiva visível entre a adolescência e a vida adulta.

O texto também traz a birracialidade como pauta e explora os impactos dessa condição na própria concepção do ser e pertencer. Em diversos momentos, as pontas soltas da ideia de não se sentir inteira étnica e culturalmente passeiam ao redor das angústias proporcionadas pela perda. Zauner, que é filha de mãe coreana e pai estadunidense, percorre a trilha das fragilidades de suas tradições e relações com os Estados Unidos e a Coréia do Sul.

Em sua estreia literária, a cantora de 33 anos é pessoal e trabalha o processo de luto de um aspecto já apresentado em seus trabalhos musicais. Aqui, somos convidados em um universo extremamente particular e humano. Seja na tristeza, na raiva ou na inveja, tudo soa em notas de singularidade escritas de forma extremamente descritiva, e o uso da linguagem remonta as imagens em vivacidade na cabeça de quem lê. 

Mas como os aspectos de sentir são vorazes, o que não falta é experimentação, melancolia, possibilidades em mundos reais ou ficcionais. Por isso, como de costume, a nossa editoria deixa sua lista de selecionados nas mãos de quem busca mais lágrimas ou prefere se moldar às páginas bem humoradas com as indicações de Janeiro no Estante do Persona.

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