A Sobrevivência da Bondade mostra que nem ela está viva

Cena do filme A Sobrevivência da Bondade. Na cena, que se passa durante o dia, podemos ver, ao fundo, uma estrutura de tijolos, que aparenta ser uma casa abandonada. Em um primeiro plano, ao centro, vemos uma mulher preta, de aparentemente 50 anos, com cabelos curtos e castanhos claros, vestindo uma camisa xadrez bege com listras pretas. Ela encara algo a direita da imagem, que não podemos ver.
Presente no Festival de Cannes, Veneza e Berlim, A Sobrevivência da Bondade também integrou a programação da 47ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo (Foto: Fandango Sales)

Vitória Gomez

Reencontrar sentido em seus recomeços. É o que a sinopse de A Sobrevivência da Bondade propõe. Na trama, exibida na seção Perspectiva Internacional da 47ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo e vencedora do Prêmio da Crítica do Festival de Berlim, uma mulher negra é abandonada no deserto dentro de uma jaula. Conseguindo milagrosamente escapar depois de dias, ela cruza a paisagem árida em busca de salvação, para encontrar ainda mais barbárie na civilização. 

A sinopse busca por recomeços, mas, a cada novo cenário apresentado, essa ideia parece mais distante. BlackWoman – como a protagonista é chamada nos créditos finais, uma vez que o longa-metragem praticamente não tem diálogos – cruza campos arenosos sem sinal de vida, cidades abandonadas por uma suposta guerra e trilhas em ambientes hostis, com o inimigo caminhando poucos metros à frente. A mulher não tem outro objetivo senão a sobrevivência e, para o espectador, o tom é contemplativo. O que estaria acontecendo ali? E, acima de tudo, o que isso significa?

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Em Vai Ter Troco, as diversas facetas do brasileiro são representadas na dinâmica patrão x empregado

Cena do filme Vai Ter Troco. Nela, observa-se as personagens Zildete (à esquerda) e Tonha (à direita). Ambas estão com um uniforme cinza com faixas brancas, além de usarem uma espécie de touca branca. Zildete usa óculos.
Em Vai Ter Troco, Nany People e Evelyn Castro esbanjam carisma com suas personagens Zildete e Tonha (Foto: Amaia Produções)

Guilherme Machado Leal

A música Xibom Bombom do grupo As Meninas é marcada pelo padrão de vida de pobres e ricos. Nela, os versos “Quero me livrar dessa situação precária” e “onde o pobre cada vez fica mais pobre e o rico cada vez fica mais rico” explicitam um tema recorrentemente abordado na cultura brasileira: a desigualdade social. Produtos audiovisuais sobre esse assunto são vastos, mas o que diferencia Vai Ter Troco de tudo que já foi explorado? O filme dirigido por Maurício Eça (A Menina que Matou os Pais) é centrado em duas protagonistas carismáticas: Tonha (Evelyn Castro), uma mulher com pavio curto, e Zildete (Nany People), uma senhora dócil e piedosa. Juntas, elas trabalham na casa dos ricaços Sarita (Miá Mello) e Afonso (Marcos Veras) – um casal superficial à décima potência. 

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Não! Não Olhe! e o terror do desconhecido (que achamos que conhecemos)

Cena de Não! Não Olhe! Nela, vemos o personagem interpretado por Steven Yeun. Ele é um homem asiático de cabelos pretos. Ele veste um terno vermelho com detalhes bordados, uma camisa branca e uma gravata minimalista preta. Em sua bochecha,no lado esquerdo há um microfone. Ele olha para cima. Ao fundo, um chão de terra, típico de deserto americano. No lado esquerdo da imagem, é possível ver a extremidade de um tanque de acrílico.
Jordan Peele começou sua carreira com esquetes de Comédia e, sempre que possível, traz esses elementos para suas obras (Foto: Universal Studios)

Guilherme Veiga

Nos mais de 120 anos do Cinema, é natural que, uma hora ou outra, ideias se esgotem, seja pela saturação ou pelas fórmulas estabelecidas. É a partir daí que os gêneros nascem, com o intuito de guardar em caixas histórias que têm algo em comum. Filmes de ação, geralmente, são construídos sob a sombra dos brucutus com armas nas mãos, contra tudo e contra todos; romances, em sua maioria, são melodramáticos; biografias, quase sempre, endeusam os biografados; aventuras abusam da jornada do herói, e por aí vai. Em uma Arte tão vasta, o difícil é sair da homogeneidade.

Talvez o gênero que encontre mais dificuldade para escapar do ‘mais do mesmo’ seja o de sci-fi com extraterrestres. Muito porque, antes mesmo dele chegar de vez no Cinema, o tema já estava amplamente estabelecido na cultura popular, principalmente a norte-americana. Quando chegou às telas, o subgênero já vinha como um ponto fora da curva, a exemplo de Contatos Imediatos do Terceiro Grau (1977), Marte Ataca! (1996), Alien: O Oitavo Passageiro (1979), E.T. O Extraterrestre (1982), Sinais (2002) ou, até mesmo, o recente Distrito 9 (2009). Essa seara que, graças a originalidade, criou seu próprio conceito, merecia ser retrabalhada por uma das mentes mais originais da atualidade, e é isso que Jordan Peele busca com Nope, ou, aqui no Brasil, Não! Não Olhe!.

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A violência é o combustível que incendeia a Regra 34

Quinto longa-metragem da diretora Júlia Murat foi exibido na seção Mostra Brasil da Mostra de São Paulo (Foto: Imovision)

Vitória Gomez

Uma máxima da internet, a Regra 34 pressupõe que tudo existente na web tem sua versão pornográfica. Seja desenhos animados ou cenas cotidianas, qualquer elemento pode virar ponto de partida para o prazer. Em Regra 34, longa-metragem da carioca Júlia Murat presente no Festival do Rio e na 46ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo, as contradições entre a liberdade do prazer e a sua raíz na sociedade borram as linhas entre consentimento e abuso. Na obra, uma coprodução Brasil e França, a violência é o combustível que incendeia a vida de Simone, confrontada com os frágeis limites que impõe ao próprio corpo.

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The White Lotus: uma sátira social que expõe os privilégios da elite

Cena da séried The White Lotus. Na imagem, vemos dois funcionários do resort. O senhor da direita é grisalho, veste um terno de cor cereja e uma camisa azul clara, e está segurando uma pasta preta nas mãos; a moça ao lado dele é uma haitiana, de cabelos compridos escuros e amarrados em um rabo de cavalo, ela veste uma camisa rosa e segura uma bandeja com algumas toalhas brancas enroladas, com um estojo preto em cima. Eles estão ao ar livre, em frente a algumas árvores,  e está de dia.
Os funcionários, interpretados por Jolene Purdy e Murray Bartlett, recepcionam os hóspedes do resort em The White Lotus (Foto: HBO)

Sabrina G. Ferreira

A sátira criada e dirigida por Mike White (Enlightened, Escola de Rock), se tornou um completo sucesso em audiência desde seu lançamento pela rede americana HBO, tanto que já tem sua segunda temporada encomendada para o próximo ano, em um formato de antologia, com personagens e histórias diferentes. Toda trama de The White Lotus se passa num resort de luxo no Havaí, de mesmo nome da série, e tem como protagonistas três grupos de pessoas, com algo predominante entre elas: são todas ricas e brancas.

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