A história contada por Pantanal é atemporal e se confunde com uma moda sertaneja que há décadas emociona peões: “ele tinha um cavalo preto por nome de Ventania e um laço de doze braças do couro de uma novilha”. Desde a primeira exibição da novela, em 1990, até o remake em 2022, a trama pouco mudou, ainda que o Brasil, acumulador de uma quantidade exorbitante de gado, tenha sofrido grandes transformações. Ao som da mesma canção, o ‘Véio’ Joventino cavalgou país afora até um dia sumir e deixar seu filho José Leôncio para trás. Ele, bicho do mato, se meteu com uma moça da cidade e da união nasceu Jove, o primeiro herdeiro sem padrão de boiadeiro que chegou para “cutucar a onça com vara curta”. Da luta entre humano e felino, a novela reviveu o seu destino.
Salpique uma jovem fumante sem apetite, ferva um ator latino esquecido, cozinhe alguns empresários corruptos, tempere um fanático por gastronomia, corte uma crítica sem papas na língua e adoce um chef de cozinha assombrado pelo próprio trabalho, faça todas as etapas no desconforto de um restaurante rodeado pelo mar e pronto: a receita de terror psicológico está servida. Na direção do seu primeiro filme de grande investimento, Mark Mylod prepara para as telas do Cinema o sabor transformador da sátira unida ao suspense com O Menu.
Inspirada no mangá de mesmo nome, Alice in Borderland retorna ainda mais brutal em sua 2ª temporada. Dirigida por Shinsuke Sato, a trama persegue os protagonistas Ryōhei Arisu (Kento Yamazaki) e Yuzuha Usagi (Tao Tsuchiya) em uma Tóquio apocalíptica e repleta de jogos mortais, criados a partir dos naipes de Reis e Rainhas de um jogo de mesa. A criatividade para executar a sequência dos desafios é surpreendente, além de muito fiel à obra original, agregando valor sentimental para os fãs que acompanham a saga dessa Alice distópica. Sem medo de jogar com quem assiste, a série da Netflix bagunça o baralho e guarda uma carta na manga.
Quando as luzes se apagam, um detetive ocupa a mente com crimes não solucionados. A insônia somente levanta para longe da cama quando uma presença feminina desconcertante o coloca para dormir ao ritmo de uma respiração acolhedora, justo dela, a suspeita de um dos incontáveis casos que afastam o sono. Entre gotas de colírio para elucidar a visão e potes de sorvete que tentam substituir o jantar, Park Chan-wook desconstrói o romance como um gênero constantemente flertado pelo Cinema, une os protagonistas através dos simbolismos da partição e deixa a porta aberta para a interpretação em Decisão de Partir.
Eles são rápidos, podem vir em diferentes cores, ritmos e formas. Alguns se debruçam sobre o drama, outros carregam o peso da história nos ombros e há ainda aqueles que são desenhados com os mais delicados traços. Todos são a escolha ideal para quem começou a assistir a lista de filmes indicados ao Oscar e sentiu que precisava descansar a vista após passar horas com os olhos vidrados em longas-metragens intermináveis. Sim, nós estamos falando deles, os curtas selecionados pela Academia de Artes e Ciências Cinematográficas para a 95ª ediçãoda premiação.
Na disputa pela estatueta de Melhor Curta-Metragem Live Action, os lenços não são suficientes para enxugar as lágrimas do reencontro de dois irmãos e uma história de natal doce em meio ao amargo da guerra. Já na corrida pelo Melhor Documentário em Curta-Metragem, um bebê elefante órfão que nasceu como favorito ao prêmio divide espaço com uma loira estadunidense tão eloquente como a Hebe. Por fim, a estatueta de Melhor Curta-Metragem de Animação é arrastada de um lado para o outro com a sátira da vida sexual de uma jovem da década de 90 e a amizade improvável entre menino e animal.
Se, no ano passado, a emissora ABC tomou a decisão infeliz de vetar a entrega das estatuetas das três categorias que dividem as 15 produções de menor duração, em 2023, a revolta do público e do Persona fez efeito e a cerimônia irá ao ar por completo. Repetindo o conteúdo informativo e imersivo do primeiro cineclube de curtas, a publicação está de volta com a estrutura pensada especialmente para os amantes da Sétima Arte. Dessa vez, com um ânimo especial pelo renascimento do Cinema e junto dos comentários apurados da Editoria, que não cansa de gabaritar os bolões dos principais eventos do meio, incluindo o Oscar 2023.
A Música é o tom indispensável da vida. No amor, na alegria, na tristeza, na solidão, as canções preenchem playlists embalando a vida e refletindo a alma. As composições são o espelho de como artista e ouvinte enxergam a existência, fazendo com as mudanças sejam necessárias e novidades refresquem o imaginário auditivo de quem aguarda ansiosamente por um single, quiçá um disco de seu intérprete favorito. É impossível me conformar com a potência transformadora da Música. Assim como é inevitável usar tanto floreio para introduzir esse que reúne o melhor do que foi feito em 2022.
Com o formato de vendas modificado pelas plataformas digitais, os álbuns se tornam cada vez mais inviáveis para cantores inseridos na indústria, que coage produções única e exclusivamente voltadas a músicas virais para o TikTok. Quebrando aquilo que parece ter virado regra, o Persona emerge os ossos do ofício e abocanha 73 produções que marcaram o ano na Música.
Dominando a tarefa de trazer um novo fôlego para sua arte, The Weeknd lançou a rádio Dawn FM, vislumbrando dias melhores. Coroando o topo dos rankings, ROSALÍA acelerou com muita autenticidade sua MOTOMAMI. Ao lado da catalã, montada em seu cavalo prata, a musa-mor do pop renasceu. Kendrick Lamar ficou entre a cruz e a espada, SZA pediu socorro, Björk celebrou os recomeços, Sabrina Carpenter finalmente enviou seus e-mails, Florence and the Machine renovou seu nome na lista das netas das bruxas e a loirinha mais querida cantou seus terrores noturnos.
A música haitiana foi lembrada em notas do Topical Dancer. Cruzando o oceano, no mundinho do k-pop, enquanto 2022 serviu para SEVENTEEN se consolidar de vez como uma das maiores boybands da Coreia, artistas de outros grupos tão grandes quanto embarcaram em viagem solo, com novas perspectivas, sonoridades exuberantes e trabalhos coesos que entregam turbilhões de sentimentos. No território russo a boa surpresa veio do metal vampiresco da dupla IC3PEAK.
Em solo brasileiro Acorda, Pedrinho caiu na boca do povo, Bala Desejo ganhou o grande público, Ludmilla mais uma vez provou que nasceu para interpretar pagode, Maria Rita cantou para Xangô, e os calos de Alaíde Costa a fizerem – merecidamente – a cantora nacional mais citada nos rankings. Em meio a isso, o amargo das perdas imperaram no território com os álbuns póstumos de Marilia Mendonça e Elza Soares, o adeus a Erasmo Carlos, e aquela que foi a despedida mais cruel do ano, Gal Costa, a Doce Bárbara, se encantou.
O Melhores Discos de 2022 é dedicado a Gal Costa. Coisas sagradas permanecem!
No último ano, a editoria de Literatura foi uma das áreas que se consolidou no Persona. A parceria com a Companhia das Letras recebeu uma melhoria, nos tornando Parceiros Fixos. Como resultado, mais de 30 livros foram resenhados em 2022, e a grande maioria foram obras lançadas pela editora. Nós também ficamos de olho em eventos literários, como o Nobel de Literatura, e nosso Clube de Leitura e Estante do Persona se revitalizaram. Como um balanço do que foi o ano passado para o projeto – e para a Literatura no mundo –, chegamos com Os Melhores Livros de 2022.
Dos dias 2 ao 10 de Julho, membros da nossa Editoria cobriram a 26ª Bienal Internacional do Livro de São Paulo, que ocorreu no Expo Center Norte. Dentre os destaques, a Homenagem a José Saramago – que completaria 100 anos em 2022 –, feita por Andréa Del Fuego, José Luís Peixoto e Jeferson Tenório, e a presença de Paulina Chiziane e Valter Hugo Mãe, marcaram a última edição do festival.
O evento, na verdade, teve dupla celebração: além do centenário do único escritor de língua portuguesa a receber o Nobel de Literatura, 2022 também marcou o bicentenário da Independência do Brasil. Dessa forma, a celebração se deu na forma de reconhecimento da identidade linguística, que une continentes através do idioma em comum, e contou também com a presença do presidente de Portugal, Marcelo Rebelo de Sousa.
Em Maio, a Companhia das Letras publicou a tradução O rei pálido, romance póstumo de David Foster Wallace, finalista do Pulitzer em 2012 e que estava em processo de tradução desde 2014. Pela mesma casa editorial, Sátántangó, do húngaro László Krasznahorkai, finalmente chegou ao mercado editorial brasileiro. Eterno favorito ao Nobel de Literatura, esse é o primeiro livro do autor publicado no país.
E, falando da premiação, 2022 foi o ano de Annie Ernaux. A escritora francesa foi a grande vencedora do Nobel de Literatura, e foi tema do nosso Clube do Livro meses antes de sua consagração. Em Novembro, ela veio ao Brasil para participar da Festa Literária de Paraty (Flip), onde dividiu uma mesa com Geovani Martins, autor de Via Ápia. Além das entrevistas com os escritores Tobias Carvalho e Daniel Galera, o Persona também foi representado no podcastClubeRádio Companhia, da Companhia das Letras, no papo sobre os 10 anos de lançamento de Barba ensopada de sangue, de Galera.
Abaixo, você confere a lista das obras que marcaram os membros da Editoria e nossos colaboradores no ano de 2022, com gêneros e estilos para todos os gostos. Seja qual for a sua escolha, o Persona segue defendendo a pluralidade, irreverência e emancipação propiciada pelos livros. Boa leitura!
A trajetória de retomada dos eventos presenciais consolidou-se em 2022. Na recuperação do pós-pandemia da covid-19 – que não nos deixou, mas, em um alívio, permitiu o relaxamento de algumas medidas de proteção -, o Cinema viu seus ávidos fãs retornarem às salas de forma irrestrita. Desde o Oscar até a 46ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo, os eventos da indústria cinematográfica internacional e brasileira também abraçaram a possibilidade da realização totalmente presencial, e deram alento àqueles que encontram conforto na pipoca quentinha e nas subidas rumo às poltronas aveludadas.
Apenas no primeiro semestre do ano passado, o número de pessoas que compareceu aos cinemas presencialmente foi maior do que o contabilizado em 2021 inteiro, segundo levantamento da Agência Nacional do Cinema (Ancine). Apesar do retorno seguir lento e gradual, com expectativa de voltar a níveis normais e continuar a crescer em 2023, o restabelecimento do hábito também se refletiu no Melhores Filmes de 2022. Das 84 produções citadas no tradicional ranking anual do Persona, que reúne membros da Editoria e colaboradores, 42 estrearam ou passaram pelos circuitos brasileiros. Após um ano em que os streamings dominaram os grandes lançamentos, o cenário volta a se reequilibrar.
Diferentemente do que aconteceu com lançamentos anteriores, a presença opressiva de grandes empresas, como Marvel e Disney, foi obrigada a dividir sua programação com produções mais diversas. Apesar de Batman, Pantera Negra: Wakanda Para Sempre e Doutor Estranho no Multiverso da Loucuraconseguirem suas menções, foi o independente Aftersunque não saiu de cartaz (até o momento desta publicação), ultrapassando três meses nos cinemas nacionais.O sensível primeiro longa-metragem da diretora irlandesa Charlotte Wells aborda uma relação entre pai e filha, e chegou ao Brasil pela 46ª Mostra de SP.
Os gêneros das produções também refletiram diversidade. Os filmes de super-heróis tiveram sua vez e os de aventura também – Avatar: O Caminho da Águae Gato de Botas 2: O Último Pedido receberam boas indicações -, mas foram as produções de Terror que marcaram 2022. Com alguns ganhando grandes lançamentos no Cinema, como foi o caso de Pânico 5 e O Telefone Preto, e outros não surpreendentemente deixados de lado, como X – A Marca da Morte, Aterrorizante 2, Pearl, Até os ossos e Morte Morte Morte, as obras de gênero mereceram 15 nomeações como Melhores do Ano.
Elevando o número em relação ao ano passado, as produções dirigidas ou co-dirigidas por mulheres alcançaram a marca de 20 indicações – menos de ¼ do total. Já nas obras nacionais, a quantidade foi ainda mais negativa: dos 84 filmes citados, apenas 6 eram brasileiros, com destaques como Carvão, Regra 34, Eduardo e Mônica e A Mãe. Ao todo, foram citadas obras de 17 diferentes idiomas e nacionalidades.
E falando em nomeações, 22 títulos indicados ao Oscar2023também apareceram no ranking. Da categoria de Melhor Filme, que inclui apenas uma mulher indicada, apenas Entre Mulherese Triângulo da Tristezanão foram mencionados aqui. Os Fabelmans, Elvis, Top Gun: Mavericke Os Banshees de Inisherin receberam múltiplas indicações. No Melhores Filmes de 2022 do Persona, você confere todas as obras destacadas pela nossa Editoria e colaboradores.
“Às vezes, meu luto é igual a ter sido deixada sozinha em uma sala sem porta nenhuma. Toda vez que eu lembro que a minha mãe morreu, parece que estou batendo contra uma parede que se recusa a ceder. Não há escapatória, só uma superfície dura contra a qual eu me choco vez após outra, um lembrete da realidade imutável de que eu nunca mais vou voltar a vê-la.”
– Michelle Zauner
O Clube do Livro do Persona deu início ao ciclo de 2023 com direito a todas as emoções presentes nos processos do luto. Com a leitura de Aos Prantos no Mercado, de Michelle Zauner, nossos leitores experimentaram a dor, as memórias e os afetos através das prateleiras do H Mart em Nova York. Abrindo portas para a intimidade, a obra da vocalista da Japanese Breakfast caminha, entre temperos e lágrimas, pelas reflexões desencadeadas na artista após a morte da mãe.
Desde as primeiras páginas do livro, há o gosto de uma experiência sensorial. Enquanto narra a passagem pelos corredores de um mercado de comidas coreanas, a artista evoca cheiros, texturas e cores para ilustrar as questões que marcaram suas lembranças. A cada embalagem vista, o resultado é um conjunto de reações lacrimosas misturadas aos flashbacks de sensações e momentos em que a comida representava a ligação entre mãe e filha.
O livro, publicado em outubro de 2022, é a continuação das páginas expostas na revista The New Yorker em 2018. A versão final da obra trouxe o ensaio na forma do primeiro capítulo das 288 páginas que compõem o conjunto. No Brasil, a editora Fósforo foi a responsável pela publicação, com tradução de Ana Ban e capa ilustrada pela quadrinista Ing Lee.
Através de suas palavras, a cantora e escritora consegue expor não só como funcionava a relação com a própria mãe, como também gerar pensamentos sobre o amor e as formas singulares sob as quais esse sentimento se porta. Assim, as relações não ganham um tom de perfeição, mas mostram o apreço entre os gestos e atitudes. A austeridade e rigidez que envolvem a criação de Michelle ainda abrem espaço para as ponderações de sua visão acerca da mudança de perspectiva visível entre a adolescência e a vida adulta.
O texto também traz a birracialidade como pauta e explora os impactos dessa condição na própria concepção do ser e pertencer. Em diversos momentos, as pontas soltas da ideia de não se sentir inteira étnica e culturalmente passeiam ao redor das angústias proporcionadas pela perda. Zauner, que é filha de mãe coreana e pai estadunidense, percorre a trilha das fragilidades de suas tradições e relações com os Estados Unidos e a Coréia do Sul.
Em sua estreia literária, a cantora de 33 anos é pessoal e trabalha o processo de luto de um aspecto já apresentado em seus trabalhos musicais. Aqui, somos convidados em um universo extremamente particular e humano. Seja na tristeza, na raiva ou na inveja, tudo soa em notas de singularidade escritas de forma extremamente descritiva, e o uso da linguagem remonta as imagens em vivacidade na cabeça de quem lê.
Mas como os aspectos de sentir são vorazes, o que não falta é experimentação, melancolia, possibilidades em mundos reais ou ficcionais. Por isso, como de costume, a nossa editoria deixa sua lista de selecionados nas mãos de quem busca mais lágrimas ou prefere se moldar às páginas bem humoradas com as indicações de Janeiro no Estante do Persona.
Das raízes do imperialismo inglês, a ocupação, exploração e opressão floresceram em uma árvore de tronco imponente. Neste cenário, a violência permitiu o sequestro da cultura de comunidades nativas, porém, incoerentemente, os frutos venenosos dos caules suculentos alimentaram a Revolta, Rebelião e Revoluçãoindiana que colocou fim ao período conhecido como o “Raj Britânico” na primeira metade do século XX.
Da luta pela independência, líderes se tornaram seres mitológicos para o povo e, em 2022, dois deles ganharam as telas do Cinema com RRR. O longa tollywoodiano dirigido por S. S. Rajamouli não somente surpreendeu pela leitura épica de um evento histórico, como também fez história ao emplacar a indicação de Melhor Canção Original no Oscar 2023, dádiva alcançada pelo feito de M.M Keeravaani e Chandrabose em colocar o colonialismo para dançar com a eletrizante Naatu Naatu.