Os Curta-metragens do Oscar 2024

Assim como os longas, os curtas do Oscar 2024 esbarram nos debates sobre os conflitos mundiais (Arte: Aryadne Xavier)

Muitos dos que se propõem a maratonar a lista dos indicados ao Oscar se esquecem dos curtas-metragens. O desinteresse pela categoria as impede de experienciar histórias valiosas e marcantes em diferentes temáticas e formatos – animação, live-action ou documentário. Os curtas são capazes de explorar qualquer assunto em um tempo limitado sem parecer superficial, te fazem rir, chorar, se inspirar, apaixonar e, às vezes, tudo isso ao mesmo tempo. 

Na ficção, as produções selecionadas pela Academia para a 96ª edição da premiação abordam desde temas coletivos como aborto, abuso infantil e o holocausto, até questões subjetivas e individuais como o luto e memórias da infância. Na categoria documental, as obras retratam, além da vida pacata de duas senhoras e do impacto da música no desenvolvimento de estudantes, denúncias sociais sobre a proibição de livros em escolas, a disparidade econômica-racial e questões diplomáticas. Mesmo que de forma breve, não falham em se aprofundar em temáticas complexas.

Os curtas não ficam para trás dos longas-metragens, nem em qualidade da história, relevância ou impacto emocional. Apesar de serem desvalorizados em relação aos principais prêmios da noite, você só tem a ganhar dando uma chance para essas narrativas. O Cineclube de curtas do Persona vem com essa finalidade: valorizar as produções indicadas e, quem sabe, te incentivar a conhecer um pouco mais sobre essas histórias. – Amabile Zioli e Giovanna Freisinger


Melhor Curta-metragem Live-action

Cena do filme A Incrível História de Henry Sugar. Em primeiro plano está o personagem Henry Sugar, interpretado por Benedict Cumberbatch, com uma vela acesa em sua frente, olhando para a câmera com uma feição séria. Ele é branco, com cabelo e bigode marrom e olhos azuis. Em segundo plano, há a bancada de uma cozinha. O chão é quadriculado em branco e azul. A bancada é branca e possui utensílios de cozinha em cima: torneiras, bacias, potes, bule, entre outras coisas. Um pouco à frente, há um aparador com taças, gelo e garrafas de bebidas alcóolicas. Nas paredes brancas, há dois quadros
O Fantástico Sr. Raposo (2009), dirigido por Anderson, também é uma adaptação da literatura de Dahl (Foto: Netflix)

A Incrível História de Henry Sugar 

Em parceria com a Netflix, Wes Anderson lançou uma série de quatro curtas na plataforma – A Incrível História de Henry Sugar, O Cisne, O Caçador de Ratos e Veneno. O primeiro, indicado ao Oscar de Melhor Curta-Metragem Live-Action, é a representação fiel do livro homônimo de Roald Dahl que conta a história do mágico paquistanês Kuda Bux, vivo durante os Anos 1990. 

As características marcantes da direção de Anderson estão presentes mais uma vez no curta. A centralização perfeccionista e a atuação teatral tornam o live-action  contagiante e fazem 40 minutos parecerem 10. Para fãs do diretor, essa é sua volta triunfante para o mundo das adaptações. O elenco e roteiro são peças-chave para esse sucesso: com a quebra da quarta parede em diversos momentos, o espectador se sente mais próximo da cativante história de Henry Sugar. – Amabile Zioli

Cena do curta The After, Homem de pele negra, com barba, olhando para cima, com os olhos cheios de lágrimas, está com sua mão no pescoço, onde há um close em sua mão com a aliança. O homem está com um sentimento de saudade. O cenário da imagem é um estacionamento no meio da cidade.
O filme consegue retratar o sentimento proposto, tratando de algo complexo e que não tem como ser solucionado ou contornado (Foto: Netflix)

The After 

The After aborda um tema sensível ao qual estamos expostos em nosso dia a dia. Sempre  acostumados com a rotina, qual seria nossa reação diante de uma tragédia inesperada? O que poderia ser só mais um dramalhão vira um curta com um grande exemplo de reflexão e resiliência, uma obra sobre a empatia e o desconhecimento da jornada individual de cada um. 

Em decorrência do trauma, a vida de Dayo, interpretado por David Oyelowo (Selma: Uma Luta Pela Igualdade, 2014) muda completamente após uma morte na família. Sua carreira bem-sucedida foi para o espaço: o protagonista vai de um executivo de sucesso a um motorista de aplicativo. Tentando se reconstruir, mas com o peso do passado ao seu lado, durante uma viagem, o encontro com uma passageira o obriga a encarar sua jornada de dor. The After vai além da dor do personagem principal e entrega um curta-metragem sobre o próximo, sua história e seu legado. A abordagem, o roteiro e personagens, todos são levados a encarar o luto, em uma aula de amor que toma poucos minutos do seu tempo e irá te emocionar e refletir. – Rafael Gomes

Cena do curta-metragem Invincible. O protagonista Marc, dos ombros para cima, segura um cigarro entre os dentes enquanto olha para a sua frente. O personagem tem o cabelo curto, um corte raspado, e está com um fone de ouvido em volta do pescoço. Ao fundo, o céu azul ocupa a tela inteira.
“Um garoto em uma busca desesperada por liberdade.” Essa é a definição usada na sinopse do curta (Foto: Telescope Films)

Invincible 

Inspirado na trágica história real do amigo de infância do diretor Vincent René-Lortie, Invincible é um conto devastador sobre a juventude. Em sua primeira cena, o curta define o tom da história que caminha para um final inevitável, acompanhando como o protagonista, Marc, um garoto de 14 anos, chega até esse ponto. A direção conquista uma conexão emocional com o personagem e a história, tornando impossível para o espectador não se envolver.

O menino está sob a tutela de um centro de detenção juvenil, mas a história escolhe focar no indivíduo e seus sentimentos, ao invés das ações que o levaram por esse caminho. A performance do jovem Léokim Beaumier-Lépine é o destaque da obra: o ator consegue comunicar emoções complexas e conflitantes apenas com suas expressões, como uma janela para o que ocupa a mente do personagem durante as 48 horas em que se passa o filme. – Giovanna Freisinger

Cena do curta-metragem Knight of Fortune. À esquerda, o personagem Torben, ao lado de Karl. Os homens estão lado a lado e em frente ao topo de um caixão branco. Atrás deles, a parede de azulejos branca é iluminada por uma lâmpada de led.
Às vezes é mais fácil encontrar distrações, como consertar uma lâmpada, do que encarar a realidade (Foto: Jalabert Productions)

Knight of Fortune 

Knight of Fortune é uma representação comovente e realista de pessoas passando por dores inimagináveis e, mesmo assim, encontrando do que rir. O curta-metragem de Lasse Lyskjær Noer ilumina as inexplicáveis nuances e ironias do luto. Karl, recém viúvo, visita uma capela para se despedir de sua falecida esposa, mas não consegue reunir a coragem para vê-la daquele jeito e pela última vez. 

O diretor encontra o humor no absurdo das coisas trágicas que não tem razão. Durante seus 25 minutos de duração, o curta é igualmente engraçado e arrebatador, conquistando ambos por sua honestidade brutal. As atuações são de uma sensibilidade ímpar e o que faz a história funcionar. Leif Andrée como Karl e Jens Jørn Spottag como Torben, outro viúvo que cruza o caminho do protagonista no momento em que ele mais precisa, compreendem como a dor compartilhada conecta as pessoas. – Giovanna Freisinger

Red, White and Blue é a grandiosa estreia de Nazrin Choudhury na direção, inspirada pela sua própria experiência com um aborto legal (Foto: Samantha Bee)

Red, White and Blue

Embora nenhum curta-metragem deva desbancar o favoritismo de A Incrível História de Henry Sugar, Red, White and Blue chega o mais próximo possível. Na história, uma mãe solo de duas crianças (Brittany Snow), passando por dificuldades financeiras e para criar os filhos, viaja pelo país para realizar um aborto. Ao chegar no destino, a descoberta da real motivação da protagonista é desestabiliza qualquer espectador.

Com performances tocante de Snow e da jovem Juliet Donenfeld, que interpreta a filha mais velha, o curta envolve ao apresentar uma relação de parceria entre mãe e filha que, diante de uma adversidade, se aprofunda ao som das músicas no rádio e das paradas no caminho da viagem. Apesar da conclusão dilacerar o coração, a direção e roteiro de Nazrin Choudhury arriscam a subjetividade e sensibilidade de Red, White and Blue em nome de um plot twist didático demais. – Vitória Gomez


Melhor Curta-metragem Documental

Cena do curta-metragem The ABCs of Book Banning. Na imagem, a câmera captura as mãos de uma criança negra folheando um livro aberto em uma mesa escura. O livro é repleto de escritos em letras garrafais a apresenta um desenho colorido de uma pensadora negra que diz: “You tell them who you are” (“Você diz a eles quem você é”, em tradução livre).
O curta-metragem estreou no Festival de Cinema de Woodstock (Foto: Paramount+)

The ABCs of Book Banning

Partindo de uma premissa interessante – combater a restrição de livros nas escolas dos Estados Unidos através das opiniões dos leitores, as crianças —, The ABCs of Book Banning consegue falhar tanto na execução que o grande destaque acaba sendo o depoimento de Grace Linn, uma senhora de 100 anos, e não uma fala de algum ser pequeno apaixonado pelo universo das palavras. Indicado ao Oscar 2024 de Melhor curta-metragem documental, o filme usa algumas cartas extremamente estadunidenses, como a constante menção à suposta liberdade incondicional do país e a construção de uma atmosfera que parece querer dizer, a todo o momento, o quanto as suas novas gerações serão as responsáveis por transformar o futuro em um mundo melhor.

Além de cair nessas ilusões que ignoram completamente contextos político-sociais adversos – afinal, nem todas as crianças são criadas em lares liberais –, a direção do trio Trish Adlesic, Nazenet Habezghi e Sheila Nevins é confusa e mal-sabe aproveitar as entrevistas com os escritores dos livros banidos, incluindo Maia Kobabe de Gênero Queer: Memórias, o título mais ameaçado nos EUA dos últimos anos. Já a Montagem de Gladys Mae Murphy chega a ser grotesca por alternar tenebrosamente entre frases rápidas, narrações de trechos sem contexto das obras e animações que explodem em cores, além de unir pensamentos que excluem um ao outro; como a jovem que acredita ser o que é hoje pelos livros que leu e Nikki Giovanni refutando o poder das palavras sobre as pessoas. No fim, a sensação que fica é a de que o conteúdo, naturalmente profundo e complexo, realmente não cabe em um curta-metragem. – Nathalia Tetzner

“Justiça econômica é sobre ter uma oportunidade – uma oportunidade real” (Foto: The New Yorker)

The Barber of Little Rock 

Na categoria de Melhor Curta-Metragem Documental, o Oscar já não esconde que volta seus olhares para histórias pessoais, movidas pela paixão de um protagonista. Como Cuidar de um Bebê Elefante, vencedor de 2023, por exemplo, mostra um casal indiano dedicado a cuidar e proteger elefantes bebês órfãos. Um dos favoritos na categoria este ano não foge da proposta: The Barber of Little Rock se inicia com quadros fechados em Arlo Washington dirigindo por sua cidade natal, Little Rock, enquanto reflete sobre a desigualdade entre os bairros negros e brancos.

Foi pensando nisso que ele decidiu abrir sua própria barbearia, onde, aos finais de semana, ensina jovens a seguir na profissão e empreender para conquistar a segurança financeira. Washington também é conselheiro em uma instituição que ajuda pessoas que precisam de dinheiro a se organizar financeiramente e recuperar o poder de cuidar das próprias vidas, para que não dependam de políticas públicas americanas, muitas vezes carentes ou que não alcançam uma determinada parcela da população.

Apesar do nome, o documentário não é sobre a barbearia em Little Rock e sim sobre as desigualdades sociais americanas que levaram a população negra do país a morar em regiões desassistidas, onde os empregos e o acesso a instituições bancárias e de ensino financeiro são escassas, e as oportunidades de crescer na vida são desiguais aos bairros brancos. As cenas mais emocionantes não são os monólogos inspirados do protagonista, mas são os momentos em que se presencia o quanto pequenas ações têm um significado enorme em uma comunidade tão unida. – Vitória Gomez

Em um mix de identidades, a ilha do meio não tem lados além do seu (Foto: The New York Times)

Island in Between

Island in Between concorre na categoria Melhor Curta-Metragem Documental no Oscar 2024. A produção busca retratar as tensões entre China e Taiwan a partir de Kinmen, uma ilha que faz parte do território taiwanês, mas fica localizada ao lado do território chinês. Ao longo da passagem da obra, cada vez mais, fica claro que Kinmen sofre, sim, com os impasses ideológicos das duas nações, porém, se expressa em uma cultura singular. 

As gravações foram feitas durante a pandemia de Covid-19 e são dirigidas por S. Leo Chiang, que escolheu a ilha justamente por ter sido o lugar onde seu pai serviu no exército muitos anos antes. No entanto, conforme passa pela experiência no lugar, alguns dos ideais que cultivou a vida toda vão se dissolvendo. Afinal, a ilha do meio cria sua própria história. 

O curta não se dispõe a responder qual lado é certo ou errado, apenas contrapõe os efeitos da dualidade entre os países e seus efeitos na população, como o capitalismo e o comunismo das políticas econômicas ou os próprios resquícios da independência de Taiwan. Em imagens amadoras, o meio é o resultado do imprevisível; um mix no qual os filhos não concordam com os pais. – Jamily Rigonatto

Cena de A última Loja de Reparos. Nela, vemos uma criança negra. Ela está tocando violino, mas a câmera dá um close em seu rosto, onde só é possível vê-la olhando para cima enquanto sorri e um fone preto em seu ouvido. Ao fundo, uma sala de concertos aparece desfocada.
Em A Última Loja de Consertos, não há diferença entre conserto e concerto (Foto: Searchlight Pictures)

A Última Loja de Consertos (The Last Repair Shop)

Nos instrumentos de cordas eruditas, há uma pequena peça feita em madeira de, no máximo, 35 centímetros chamada alma. Ela é cuidadosamente e matematicamente colocada em um local dentro dos violinos, violas, violoncelos e contrabaixos e garante toda a sustentação do corpo desses instrumentos. Em A Última Loja de Consertos, disponível no Disney+ e que concorre a Melhor Curta-metragem Documental no Oscar, a alma também é abordada, mas dessa vez, a humana.

O curta conta a história de quatro luthiers responsáveis pelos reparos dos instrumentos de um distrito educacional de Los Angeles. A produção acerta ao, mesmo envolta no cenário musical, optar por colocá-lo em segundo plano para subir o som quando necessário, provando entender a máxima de Mozart, que dizia que a Música não está nas notas, mas no silêncio entre elas. Aqui, são as histórias de Dana e sua sexualidade, Paty e a imigração, Duane e sua trajetória louca seguindo Elvis Presley, e Steve e sua situação de refugiado após o conflito Armênia-Azerbaijão nos anos 1990 que ecoam e mostram o quanto Música e vida se complementam e são imprescindíveis entre si. – Guilherme Veiga

Cena do curta-metragem Nai Nai & Wài Pó. A foto mostra as duas mulheres e protagonistas, Nai Nai e Wài Pó, próximas da câmera e olhando-a com feições felizes, com pequenos sorrisos. No plano de fundo, há folhagens de árvores
Nai Nai possui 86 anos e Wài Pó, 96, e a idade não impede nenhuma das duas de viver (Foto: Disney+)

Nai Nai & Wai Pó 

Nai Nai & Wài Pó é um dos apaixonantes indicados ao Oscar de Melhor Curta-metragem Documental, e acompanha o dia a dia de duas avós que dividem, além da vida, uma casa e um neto, Sean Wang, o diretor do curta. Com um tom extremamente pessoal e íntimo, Wang coloca em foco a rotina simples, mas adorável, de duas taiwanesas. 

Entre danças descontraídas, afetos emocionantes e nada de tão interessante acontecendo, Nai Nai & Wài Pó vem para mostrar que a monotonia da vida não é um problema. Repleto de diálogos improvisados e genuínos, o diretor – e neto – não precisa elaborar perguntas específicas para torná-los interessantes. O curta-metragem é a aposta da Disney+ para levar a estatueta de ouro. – Amabile Zioli


Melhor Curta-metragem de Animação

Letter to a Pig é uma coprodução entre Israel e França (Foto: Miyu Distribution)

Letter to a Pig 

Sob traços que misturam realismo e esboços em preto e branco, Letter to a Pig, concorrente a Melhor Curta- Metragem de Animação no Oscar 2024, é conflitante. Dirigida por Tal Kantor, a produção se debruça sobre a herança dolorosa e o abismo entre as gerações pós Segunda Guerra Mundial. No filme, um homem idoso lê para uma turma de alunos uma carta de agradecimento a um porco que o salvou durante o holocausto. As reações são inesperadamente debochadas e é aqui que os papéis se invertem e a identidade se líquida em contradições. 

Levados pela alucinação de uma das garotas, os estudantes encontram a antiga casa que abriga a história do homem. Dentro dela, está o porco, tachado como nojento. Ali o grupo hostiliza o animal e a cena enoja, nos fazendo automaticamente pensar em como é possível um nicho social que carrega as marcas de tanta opressão tratar alguém com tamanho desprezo. Em um ciclo vicioso no qual a violência é protagonista, fica a reflexão de que o ódio é herdado e perpassa o ritmo racional. 

O curta-metragem é sinceramente desconfortável e, ao mesmo tempo, extremamente reflexivo. As linhas do macabro se inflam diante da trilha sonora voltada ao suspense, uma responsabilidade de Pierre Oberkampf. Em uma reviravolta sensível, é na mesma garota que protagoniza o sonho que conseguimos encontrar o elemento faltante: empatia. Ao fim, CLetter to a Pig culmina em uma espécie de epifania sobre a linha tênue que separa a humanidade do grotesco. – Jamily Rigonatto

Cena da animação Ninety-Five Senses. Na imagem temos a arte de Coy, um homem velho, de cabelo médio e com barba. Ele está usando óculos de grau e uma regata branca. Ele está observando uma casa pegando fogo, as chamas estão saindo pela janela do prédio. Ao redor deles está um fundo preto, toda a composição da arte é em sombreados, com tonalidades de cinza, preto e branco.
O curta-metragem é vencedor do Prêmio do Júri no Festival de Cinema da Flórida (Foto: Documentary+)

Ninety-five Senses 

Confinado em uma penitenciária, o prisioneiro Coy (Tim Blake Nelson) reflete sobre o seu passado de boas e más escolhas. Ao revisitar essas lembranças, ele relaciona os cinco sentidos, responsáveis pela percepção do meio interno e externo do corpo humano, para narrar os principais acontecimentos de sua vida desordenada. Em Ninety-five Senses, somos apresentados para uma linda e obscura história sobre decisões compulsivas, que, embora estejam presentes em todos nós, também são determinantes para a nossa destruição. 

A animação norte-americana foi a primeira dirigida pela dupla Jerusha e Jared Hess, notáveis no universo cinematográfico pela produção de comédias como Nacho Libre (2006), protagonizada pelo ator Jack Black. Composta por uma explosão de tonalidades, a arte foi idealizada por seis equipes diferentes de artistas estadunidenses e latino-americanos. Cada sentido manifestado por Coy é representado por paletas de cores diferentes, que começam por tons alegres e regressam para sombreados mais escuros enquanto descobrimos o destino do protagonista. O curta-metragem é um soco emocional do início ao fim, como o lamento de um indivíduo explorando pela última vez a sensação de estar vivo. – Ludmila Henrique

Cena do curta-metragem Our Uniform. Na imagem temos a gravura de um sala de aula desenhada em um tecido de uniforme. As alunas estão sentadas em frente as carteiras e todas estão usando o uniforme azul e hijab branco na cabeça.
O curto saiu vencedor do prêmio de Melhor Curta-metragem de Animação no Festival de Annecy (Foto: Yegane Moghaddam)

Our Uniform 

Ser mulher em Teerã é uma ocupação de tempo integral. Roteirizado e dirigido pela cineasta Yegane Moghaddam, Our Uniform combina tinta e tecido para narrar uma história de força política e denunciar a imposição do governo iraniano às meninas durante o período escolar. Rascunhando pelo seu antigo uniforme, visitamos as memórias de uma jovem estudante, que sonhava com um futuro melhor e sem amarras para todas as mulheres. 

Acompanhada de uma equipe pequena e um orçamento baixo, Moghaddam dispensa as telas digitais e abraça as texturas dos uniformes para integrar a animação, proporcionando uma conexão direta com a mensagem desenvolvida durante os sete minutos de exibição. Our Uniform traz uma técnica que permite explorar a imaginação, uma viagem entre as costuras, bolsos e dobras, que renova o campo artístico. – Ludmila Henrique

Cena do curta-metragem Pachyderme. Animação de uma garota criança deitada na água, com o corpo submerso e a cabeça para fora. Ela está de olhos fechados e veste só uma calcinha branca. Braços e mãos submersos na água tentam alcançá-la e dois tocam em suas pernas
Pachyderme dá a entender tudo o que precisa, sem usar todas as letras (Foto: TNZPV Productions)

Pachyderme

O curta-metragem francês, aparentemente sereno à primeira vista, chama a atenção por seu visual, com uma animação delicada de pinceladas que parecem feitas à mão. A história é contada principalmente através da imagem, com fortes simbologias e montagens marcantes em cena. O curta provoca sensações antes de expor o que está sob a superfície. 

O enredo acompanha uma garota de nove anos passando o período de 10 dias na casa rural dos avós, sem os seus pais. A diretora Stéphanie Clément constrói uma atmosfera nostálgica tátil através do olhar da protagonista. A história aborda temas maiores que si com uma sutilidade devastadora que, ao rolar dos créditos, te faz rever tudo o que pode ter passado batido na narrativa. – Giovanna Freisinger 

Cena do curta-metragem animado War is Over! Inspired by the Music of John & Yoko. Na imagem, as mãos de um homem branco podem ser vistas segurando uma pomba machucada. A ave tem penas nas cores azul, roxo, rosa, verde e cinza. O animal olha para o homem pela última vez antes de dar o seu respiro final.]
O roteiro do curta é escrito por Sean Lennon, filho do fundador dos Beatles e Yoko Ono (Foto: MTV)

War is Over! Inspired by the Music of John & Yoko

War is Over! Inspired by the Music of John & Yoko tem pouco mais de dez minutos e pode te deixar pensativo por uns cinco a mais. Disputando a categoria de Melhor Curta-metragem animado do Oscar de 2024, o roteiro de Dave Mullins e Sean Lennon funciona muito bem se admitirmos que tudo não se passa de uma realidade alternativa completamente irreal, que ganha contornos belíssimos da empresa de computação gráfica Wētā FX de Peter Jackson.

O enredo do filme gira em torno dos versos de Happy Xmas (War Is Over), canção de protesto produzida por John Lennon e Yoko Ono que narra um jogo de xadrez entre soldados de países em guerra. Ao longo do desenrolar da trama, fica nítido que a pomba mensageira é o verdadeiro guerreiro da história que, para os saudosistas, arrepia com os acordes do casal. War is Over! não faz milagre, é o que pode ser, tão simplista quanto os discursos embalados por alucinógenos da dupla na década de 1970 e que pouco faz por eles para além de um videoclipe da canção natalina icônica. – Nathalia Tetzner

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