Em El Conde, A Opressão é escura como o sangue

Cena do filme El Conde(2023), O General Augusto Pinochet (Jaime Vadell), Um homem idoso, de estatura mediana está no centro de um enorme salão, ele usa uma capa longa e um quepe, a cena é em preto e branco, há uma névoa em todo o salão, que é iluminado por dois lustres, dispostos de maneira simétrica, e tem móveis muito antigos como um piano e cadeiras]
El Conde satiriza o horror da vida real usando um horror de fantasia (Foto: Netflix)

Guilherme Dias Siqueira

11 de Setembro marca o aniversário de uma das grandes tragédias ocorridas nas Américas, algo tão terrível e tão brutal que seria lembrado não só nas aulas de história, mas no profundo subconsciente de um povo inteiro. Há 50 anos, no Chile, um presidente era assassinado, o palácio presidencial bombardeado, uma ditadura se iniciava e por trás dela, um homem se tornava ditador. Embora todos eles sejam, sem exceção, meros mortais feitos de carne, osso e vísceras, como todos nós, quando tomamos conhecimento das barbaridades as quais esses mesmos humanos tiveram a capacidade de perpetrar, passamos a enxergá-los como monstros. 

Não há nada mais adequado que comparar alguém que suga vidas de seus oponentes a um vampiro, na visão dos roteiristas de El Conde, Pablo Larraín e Guillermo Calderón, Augusto Pinochet é um monstro dos clássicos filmes de terror dos anos 1930. Com mais de 200 anos de vida, o general viveu assombrando revoluções por décadas ao redor do mundo até parar no Chile e lá, após acusações de crime contra a humanidade e corrupção (aparentemente ele não se incomoda tanto com a primeira) ele decide se isolar com sua família em uma fazenda.

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Argentina, 1985 é um grito de basta às mazelas da ditadura

Cena do filme Argentina, 1985, em que Ocampo (à esquerda) e Strassera (à direita) se reúnem em uma lanchonete para discutir sobre as estratégias de acusação que serão utilizadas no julgamento . Na imagem podemos ver as feições de Moreno Ocampo e Júlio Strassera sentados (um de frente para o outro), lado a lado, enquanto pedem dois lanches em uma bancada de restaurante. Ocampo é um jovem branco (aparentemente com os seus 30 anos de idade), ruivo, cabelo e barba encaracolados. Strassera é um senhor no auge de seus 65 anos, branco, cabelo liso preto, possui bigode denso e usa óculos garrafais. Strassera está com um cigarro aceso em mãos fazendo gestos para chamar a atenção de seu colega promotor, Moreno Ocampo. O jovem está com o olhar fixo prestando atenção nas palavras de Júlio.
Mais do que um filme, Argentina, 1985 é uma aula de dever à cidadania e exemplo de compromisso público com a democracia (Foto: Prime Video)

Gabriel Gomes Santana

Eu não sou advogado de ninguém, meu papel como promotor de justiça é acusar”. Assim se impôs Julio Strassera, responsável por um dos julgamentos mais importantes para a democracia ocidental e protagonista de Argentina, 1985. Baseado em fatos reais, o longa dirigido por Santiago Mitre traz à tona o processo que condenou os crimes contra os direitos humanos cometidos pelos ex-comandantes da ditadura no País. Disponível na plataforma de streaming da Amazon Prime, a obra expõe a coragem e persistência de agentes públicos que se comprometeram a enfrentar um sistema repressivo e assassino.

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Na obra de Roberto Bolaño, a memória é o nosso Amuleto

Com tradução de Eduardo Brandão, Amuleto, de Roberto Bolaño, foi a leitura do Clube do Livro do Persona em Agosto de 2022 (Foto: Companhia das Letras/Arte: Nathália Mendes)

Bruno Andrade

“Soube que tinha de resistir. De modo que me sentei nos ladrilhos do banheiro das mulheres e aproveitei os últimos raios de luz para ler mais três poemas de Pedro Garfias, depois fechei o livro, fechei os olhos e disse para mim: Auxilio Lacouture, cidadã do Uruguai, latino-americana, poeta e viajante, resista” (pág. 29).

À primeira vista, Roberto Bolaño é lembrado por dois romances – possivelmente os mais importantes da Literatura na América Latina no final do século XX e início do novo milênio: Os detetives selvagens (1998) e 2666 (2003). O último – uma espécie de testamento do autor chileno, lançado postumamente e com quase mil páginas – desfez a ideia de que o apocalipse ocorrerá sob sirenes e explosões; na verdade, o fim do mundo já começou, e é tão silencioso quanto os assassinatos constantes e sigilosos dos jovens latino-americanos. Por outro lado, com seu romance de 1998, Bolaño deu vida à aura libertária das revoltas deste lado da América, sob uma perspectiva idealizada que, não obstante, é ela mesma rechaçada no livro. Ainda assim, é em Amuleto (1999), lançado entre uma obra e outra, que o autor concentra magistralmente seus temas principais: a poesia, a política e a violência.

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A arte berra em Ziraldo – Uma Obra que Pede Socorro

Imagem retangular e colorida retirada do documentário ‘Ziraldo - Uma Obra que Pede Socorro’. Nela, vemos em foco Ziraldo, um homem de idade avançada, pele parda, cabelos e sobrancelhas brancos, que veste uma camisa branca com um colete bordado bege e preto. Ele olha para cima, pensativo, enquanto coloca o dedo indicador da mão direita sobre a boca, em sinal de reflexão.
Ziraldo – Uma Obra que Pede Socorro, exibido pela 45ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo, é a única produção da seção Apresentação Especial disponibilizada online (Foto: Elo Company)

Enrico Souto

“Arte não é um privilégio do artista, é um direito do ser humano”. É com essa e outras contestações que abre-se Ziraldo – Uma Obra que Pede Socorro, parte do acervo da 45ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo. O ponto de partida é Ziraldo, “o Michelangelo da boemia carioca”, um dos artistas mais geniais da história contemporânea do Brasil. Aprendemos um pouco mais sobre seu talento e ofício, agora por entre lentes pouco exploradas. Todavia, o documentário vai muito além da pessoa Ziraldo. Além de um panorama singular sobre sua obra, o que se apresenta aqui é um comentário amplo sobre a urgência da atual situação das artes no Brasil e como a cultura do país é constantemente negligenciada em diferentes esferas sociais. O resultado é uma poderosa denúncia e um clamor por socorro.

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Era melhor quando o Amanhecer não chegava

Cena do filme Amanhecer. Na imagem, em uma paisagem montanhosa com uma gramado baixo e algumas árvores baixas espalhadas, vemos, ao centro, um homem branco, de cabelos lisos na altura do ombro, sem camisa e de calças jeans, sentado em uma cadeira de madeira e virado de costas para a câmera. Ao redor dele, vemos cadeiras de madeira idênticas à qual ele está sentado, caídas espalhadas pela grama.
Amanhecer se dividiu entre as salas de cinema e as exibições online da 45ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo, na qual integrou a seção Perspectiva Internacional (Foto: Kinorama)

Vitória Lopes Gomez

De filmes que denunciam e encaram ataques à humanidade de frente a outros que se aprofundam nas consequências sociais e emocionais, os recorrentes conflitos no Leste Europeu acharam na Arte lugar para serem refletidos e relembrados. Amanhecer, coprodução entre Croácia e Itália dirigida por Dalibor Matanic, torce a abordagem dramática em uma distopia fantasiosa, estreando no Brasil na 45ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo, como parte da seção Perspectiva Internacional. Usando de simbologias, significados ocultos e muito mistério, o longa-metragem exibido no Festival de Karlovy Vary, tradicional do país de origem, imagina possibilidades a partir do passado croata.

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