Os Melhores Livros de 2022

Entre o melhor da Literatura em 2022, tivemos a tradução da obra póstuma de David Foster Wallace, novas edições de Shirley Jackson e o romance de estreia de Jarid Arraes (Arte: Henrique Marinhos/Texto de Abertura: Bruno Andrade)

No último ano, a editoria de Literatura foi uma das áreas que se consolidou no Persona. A parceria com a Companhia das Letras recebeu uma melhoria, nos tornando Parceiros Fixos. Como resultado, mais de 30 livros foram resenhados em 2022, e a grande maioria foram obras lançadas pela editora. Nós também ficamos de olho em eventos literários, como o Nobel de Literatura, e nosso Clube de Leitura e Estante do Persona se revitalizaram. Como um balanço do que foi o ano passado para o projeto – e para a Literatura no mundo –, chegamos com Os Melhores Livros de 2022.

Dos dias 2 ao 10 de Julho, membros da nossa Editoria cobriram a 26ª Bienal Internacional do Livro de São Paulo, que ocorreu no Expo Center Norte. Dentre os destaques, a Homenagem a José Saramago – que completaria 100 anos em 2022 –, feita por Andréa Del Fuego, José Luís Peixoto e Jeferson Tenório, e a presença de Paulina Chiziane e Valter Hugo Mãe, marcaram a última edição do festival.

O evento, na verdade, teve dupla celebração: além do centenário do único escritor de língua portuguesa a receber o Nobel de Literatura, 2022 também marcou o bicentenário da Independência do Brasil. Dessa forma, a celebração se deu na forma de reconhecimento da identidade linguística, que une continentes através do idioma em comum, e contou também com a presença do presidente de Portugal, Marcelo Rebelo de Sousa.

Em Maio, a Companhia das Letras publicou a tradução O rei pálido, romance póstumo de David Foster Wallace, finalista do Pulitzer em 2012 e que estava em processo de tradução desde 2014. Pela mesma casa editorial, Sátántangó, do húngaro László Krasznahorkai, finalmente chegou ao mercado editorial brasileiro. Eterno favorito ao Nobel de Literatura, esse é o primeiro livro do autor publicado no país. 

E, falando da premiação, 2022 foi o ano de Annie Ernaux. A escritora francesa foi a grande vencedora do Nobel de Literatura, e foi tema do nosso Clube do Livro meses antes de sua consagração. Em Novembro, ela veio ao Brasil para participar da Festa Literária de Paraty (Flip), onde dividiu uma mesa com Geovani Martins, autor de Via Ápia. Além das entrevistas com os escritores Tobias Carvalho e Daniel Galera, o Persona também foi representado no podcast Clube Rádio Companhia, da Companhia das Letras, no papo sobre os 10 anos de lançamento de Barba ensopada de sangue, de Galera.

Abaixo, você confere a lista das obras que marcaram os membros da Editoria e nossos colaboradores no ano de 2022, com gêneros e estilos para todos os gostos. Seja qual for a sua escolha, o Persona segue defendendo a pluralidade, irreverência e emancipação propiciada pelos livros. Boa leitura!


Capa do livro O Acontecimento. Na imagem, o nome da autora é dividido em dois retângulos. O primeiro está na porção superior na horizontal, é cinza e tem o nome Annie grafado em preto. O segundo está na vertical à direita da página, tem a cor verde e o nome Ernaux escrito em preto. Na parte esquerda e central, há uma foto acinzentada de Annie com um vestido marrom, ela tem pele branca, cabelos escuros e olhos azuis. Há ainda, na porção inferior da capa, um quadrado azul seguido de um retângulo verde escuro com o título do livro e um retângulo amarelo com o nome da editora
Chegando ao Brasil em 2022 pela editora Fósforo, O Acontecimento foi primeiramente publicado na França nos anos 2000 (Foto: Fósforo)

Annie Ernaux – O Acontecimento

O que vale é a qualidade e não a quantidade”. Essa frase serve para definir a ponta do iceberg da catarse que Annie Ernaux provoca com suas meras 80 páginas na obra O Acontecimento. Ambientado em 1963, o livro possui caráter autobiográfico, trazendo a passagem de quando, aos 23 anos, a autora engravidou, contra seu desejo, de seu namorado à época. Quarenta anos depois, Ernaux usa toda a força para destrinchar o capítulo de vida em que, sozinha, buscou meios para realizar o aborto de maneira clandestina.

Nenhuma mulher faz aborto sorrindo, e Ernaux, uma das principais vozes feministas da contemporaneidade, para esclarecer toda a profundeza de sentimentos envolvidos, se arma de seu bem maior: as palavras. Aqui não existe a intenção de criar um teatro ou trazer subjetividade em relação às escolhas feitas sob o próprio corpo; a autora é direta e honesta em contar publicamente sua história. Acima disso, a imersão criada pela análise de O Acontecimento leva o leitor a refletir sobre como as leis imperam nos corpos femininos. Esse dom e coragem de Annie Ernaux na produção de textos tão crus e carregados de uma verdade ímpar, ao mesmo tempo comum a sociedade, a tornou vencedora do Prêmio Nobel de Literatura de 2022. – Ana Júlia Trevisan


Capa do livro Manifesto. A capa mostra uma pintura da autora Bernardine Evaristo do peito para cima. Ela é uma mulher negra, aparentando cerca de 50 anos, com cabelos pretos, vestindo uma camisa rosa clara e uma jaqueta vinho. Na parte superior central, vemos as palavras “da autora de garota, mulher, outras”, em uma letra sem serifa e em caixa alta, em branco. Na parte inferior central, vemos as palavras “manifesto” e, abaixo, “sobre nunca desistir”, em uma letra sem serifa e em caixa alta, em branco. Abaixo, alinhado à esquerda, vemos as palavras “bernardine evaristo”, em uma fonte sem serifa, em caixa alta e em um tom esverdeado claro. À direita, vemos o logo da Companhia das Letras em branco.
Pela tradução de Camila von Holdefer, um diário de Bernardine Evaristo ganha corpo em Manifesto (Foto: Companhia das Letras)

Bernardine Evaristo – Manifesto: Sobre nunca desistir

Consolidada autora de ficção e não-ficção, professora de escrita criativa e presidente da Royal Society of Literature, a principal organização literária da Grã-Bretanha, em 2019 Bernardine Evaristo se consagrou no mercado editorial com o troféu do Booker Prize, o maior prestígio da literatura inglesa, por Garota, Mulher, Outras. Muito antes da fama e dos louros, a escritora britânica era uma iniciante como qualquer autor, o que ela narra no livro de memórias Manifesto: Sobre nunca desistir.

Na obra, publicada pela Companhia das Letras, Evaristo percorre os caminhos que a levaram a sua literatura atual: seu modo de escrita, suas convicções acerca do mercado editorial e suas inspirações mudaram desde que saiu da casa de sua grande família, e a influenciaram a compor sua prosa como é hoje. Atingindo seu ápice ao mergulhar mais profundamente do que o leitor testemunha na leitura, a inglesa perpassa o que, antes de pegar o papel e caneta, a formou como pessoa.

Manifesto é, literalmente, o manifesto de Bernardine Evaristo. De origem nigeriana, a autora repassa seus anos de criança e adolescência, vivendo em uma casa com muitos irmãos e pouca individualidade, e descobrindo sua própria identidade – aqui, tanto como mulher negra, filha de mãe branca, quanto sua orientação sexual, ideologia política e social. Sensível, sincero e direto, Manifesto: Sobre nunca desistir oferece uma janela aberta a vida de uma das mais importantes e relevantes escritoras contemporâneas vivas. – Vitória Gomez


Capa do livro A Vergonha. Na capa está uma foto em preto e branco dos pais de Annie. Ao redor há blocos retangulares coloridos em azul, roxo, vermelho, amarelo e verde. Cada um desses blocos abriga uma palavra: A está no azul; Vergonha está no roxo; Annie está no vermelho; Ernaux está no amarelo; e Fósforo, o nome da editora, está no verde
Em A Vergonha, a ganhadora do Nobel de Literatura de 2022 desvenda as próprias relações familiares (Foto: Fósforo)

Annie Ernaux – A Vergonha

A criadora da autossociobiografia, Annie Ernaux, já se mostrou uma mestre em contar histórias da própria vida de um jeito cru e subversivo. Em A Vergonha, a autora não abandona esse viés e traduz milimetricamente os eventos que rodearam sua infância. Vivendo na Normandia com 12 anos, o livro começa com um evento traumático ocorrido em uma tarde de domingo na casa dela e, a partir disso, somos expostos a desenrolares absurdos. 

Tudo é contado com ritmo permanente e com uma clássica mistura de reflexão e literalidade, já conhecidas em outros textos de Annie, como O Acontecimento e O Lugar. Sem precisar de recursos dramáticos, a obra – traduzida por Marília Garcia – nos coloca no cerne das coisas que constróem a tal vergonha na forma de um constrangimento acerca do próprio existir. Assim, a leitura das 88 páginas nos dói, mesmo sem tal intenção. A Vergonha é um tiro, rápido e fatal. – Jamily Rigonatto


O livro recebeu uma edição comemorativa de 10 anos, com apresentação de Carol Bensimon e posfácio de Júlio Pimentel (Foto: Companhia das Letras)

Daniel Galera – Barba ensopada de sangue (Edição Especial de 10 anos)

Barba Ensopada de Sangue conta a história de um professor de Educação Física sem nome, que viaja para Garopaba em busca de seu avô desaparecido, após o suicídio do pai. Essa história, porém, já possui mais de 10 anos. Em 2022, em comemoração a data, a obra recebeu uma edição especial comemorativa, com apresentação de Carol Bensimon e posfácio de Júlio Pimentel. O interessante é perceber que, uma década depois, continua a ser um livro instigante e potente.

Temas como identidade, família, memória e morte são amplamente abordados na trama, com Daniel Galera utilizando uma linguagem rica e poética para descrever as paisagens costeiras do sul do Brasil e a atmosfera opressiva e enigmática da história – seja com h minúsculo ou maiúsculo. Ao mesmo tempo, o romance também apresenta uma reflexão profunda sobre as relações humanas e as consequências do passado em vidas presentes. Leitura essencial para quem deseja se aprofundar na Literatura brasileira contemporânea. – Bruno Andrade


O livro desmente muitos dos valores absolutos defendidos na sociedade capitalista (Foto: Companhia das Letras)

David Graeber & David Wengrow – O despertar de tudo

Nesse livro fascinante, escrito pelo antropólogo David Graeber e pelo arqueólogo David Wengrow, os autores propõem uma nova visão da história da humanidade. O despertar de tudo apresenta uma crítica às teorias convencionais sobre a evolução humana, que supõem uma trajetória linear e progressiva rumo à civilização. Segundo os autores, a história da humanidade é muito mais complexa e multifacetada do que se imagina. Eles argumentam que a noção de “primitivismo” é equivocada e que as sociedades “primitivas” possuem formas de organização social e conhecimento que são tão complexas quanto as sociedades ocidentais modernas. 

Além disso, Graeber e Wengrow defendem que as sociedades humanas possuem uma capacidade inata de inovação e criatividade, e que a história da humanidade é marcada por momentos de despertar coletivo, nos quais novas ideias e práticas surgem e transformam a sociedade. Por meio de uma análise profunda da história da humanidade, O despertar de tudo nos convida a repensar nossas concepções sobre a natureza humana e a sociedade. Com uma visão mais plural e diversa da história, que valoriza as contribuições de todas as sociedades humanas, o livro nos inspira a buscar novas formas de convivência e desenvolvimento. – Bruno Andrade


Capa do livro Tudo o Que Eu Sei Sobre o Amor. A capa é amarela e possui o título escrito em letras vermelhas. Alinhado à esquerda lê-se o título “tudo o que eu sei sobre festas, encontros, amigos, trabalho, a vida, o amor”, porém, as palavras “festas”, “encontros”, “amigos”, "trabalho", “a vida” estão rabiscados por linhas azuis, de forma que “o amor” fica em evidência. Esse escrito ocupa quase toda a capa. Abaixo do título está escrito o nome da autora, Dolly Alderton em letras azuis. No canto inferior direito está o logotipo da editora intrínseca.
O livro Tudo o que eu sei sobre o Amor chegou no Brasil pela editora Intrínseca, traduzido por Ana Guadalupe (Foto: Anderson Junqueira/Intrínseca)

Dolly Alderton – Tudo o que eu sei sobre o Amor

Tudo o que eu sei sobre o Amor é a autobiografia de Dolly Alderton, escritora e jornalista britânica, que conta de forma divertida sua jornada de amadurecimento. O livro começa provocando a indagação “que vidas malucas são essas?”, mas, ao longo dos capítulos, desperta a mais profunda identificação com aqueles que já foram, ou ainda são, jovens perdidos e apaixonados. A leitura, que pode começar um pouco intrincada, adquire ritmo paulatinamente, até envolver o leitor numa história tão relacionável sobre as dores e as delícias de ser adulto.

A autora registra todos os seus vacilos, egoísmos e aprendizados ao longo de seus vinte e poucos anos, de maneira sincera e irreverente, tal qual a personagem Carrie Bradshaw, de Sex and the City. A obra também guarda semelhanças com o romance de Helen Fielding, O Diário de Bridget Jones (1996), cuja diferença consiste no diário de Alderton não ter nada fictício. As crônicas da britânica, além de registrarem o que ela sabe sobre o amor, expõe os medos que acompanham a chegada da vida adulta. Em determinado ponto da narrativa, a autora assume o papel de amiga do leitor e o consola com o seu melhor ensinamento: “pare de esperar as coisas acontecerem e preste atenção nas pessoas que já estão na sua vida”. O grande amor pelo qual você procura pode ser uma amizade, um parente, um trabalho e até mesmo o amor próprio. – Costanza Guerriero


Capa do livro A Hipótese do Amor. Na capa há a ilustração de um casal se beijando. Ela é branca de cabelos castanhos claros, está vestindo um jaleco branco. Ele é branco, tem cabelos pretos e veste uma camisa social azul com gravata rosa. Ao fundo há materiais de laboratório. O título está centralizado em rosa na porção superior da capa. Na parte inferior há o nome da autora em letras azuis marinho.
A Hipótese do Amor foi publicado em 2022 no Brasil, sob a tradução de Thaís Britto (Foto: Arqueiro)

Ali Hazelwood – A Hipótese do Amor

Muitas coisas são calculáveis, tem suas respostas numericamente exatas prontas para serem registradas rotineiramente em um bloco de notas. Com os sentimentos não funciona assim, e as reações químicas do cérebro atuam como um segredo só dele. Com isso em mente, Ali Hazelwood retoma o clichê do fake dating diretamente das fanfics e faz isso da maneira mais doce possível em A Hipótese do Amor. Com uma protagonista que não sabe afirmar o próprio potencial e um professor universitário em busca de aprovação, a conta dá resultados cientificamente surpreendentes.

Olive Smith é estudante de doutorado em Biologia em Stanford e vê a Ciência como uma cadeia pronta e totalmente presa às probabilidades. Em uma tentativa inocente de juntar a melhor amiga, Anh, e Jeremy, é feito um combinado com o jovem professor Adam Carlsen. O romance é narrado em terceira pessoa e nos conta as perspectivas da personagem, enquanto todo o seu controle é perdido e ela acaba completamente apaixonada. 

Apesar de soar previsível, Ali consegue impor toda a sua originalidade em uma narrativa escrita de forma leve e muito fluida. Olive é demissexual e isso torna sua trajetória uma experiência intimista e completa. Outro destaque da obra é o jeito de construir os laços entre os personagens, pois a autora escolhe os caminhos que tornam as relações mais firmes. A Hipótese do Amor é uma leitura animadora para os dias nublados, um jeito de reconfortar o imaginário de quem navegava no wattpad em 2015. – Jamily Rigonatto


Capa do livro Última parada. A capa é uma ilustração de um vagão de metrô em tons de rosa, roxo e amarelo. Na parte superior, ao centro, vemos o logotipo da editora Seguinte. Abaixo, no centro, vemos as palavras “Última parada” escritas em branco, em uma fonte sem serifa estilizada. No centro da capa, vemos, à esquerda, a ilustração de uma jovem mulher asiática, de cabelos castanhos curtos e arrepiados, vestindo uma jaqueta de couro e camiseta branca. Do lado direito, vemos uma jovem mulher branca, de cabelos longos e castanhos claros, usando óculos escuros, jardineira preta e camiseta branca, e segurando um copo de café. As duas se encaram. Logo abaixo, na parte inferior central, vemos as palavras “da autora de Vermelho, branco e sangue azul” em uma letra sem serifa em caixa baixa, na cor amarelo. Abaixo, vemos as palavras “Casey McQuiston”, em um tom amarelado claro, em uma fonte sem serifa e em caixa alta.
Pelas palavras do The New York Times, Última parada é “absolutamente brilhante” (Foto: Seguinte)

Casey McQuiston – Última parada

Jovem, cética e recém-chegada a Nova Iorque, August é confrontada com seus colegas de quarto calorosos e espirituosos. Quando se afeiçoa por Jane, com quem diariamente divide o mesmo vagão de metrô, a vida da garota vira – ainda mais – de cabeça para baixo. Isso porque a conhecida está presa no subterrâneo desde os anos 1970, sem escapatória e sem lembranças de suas aventuras passadas. Em Última parada, histórias de amor não são só românticas, tampouco passageiras quanto o ritmo do metrô.

A narrativa de Casey McQuiston, responsável pelo sucesso Vermelho, Branco e Sangue Azul, repete o feito da autora na obra anterior: ainda que por caminhos intensos, conduz os pensamentos de August de forma leve e divertida, identificável com quem, jovem adulto como ela, encara o mundo e as adversidades à frente. Os toques de ficção científica dão um tom ainda mais renovador à trama: cheio de representatividade, a sexualidade e os modos de vida millennial dos personagens são subtextos animadores, que agregam à identificação com a Última parada para uma experiência ainda mais envolvente. – Vitória Gomez


Capa do livro Romance real. A capa é dividida em vários blocos retangulares coloridos, em cada um está ilustrado um elemento da narrativa. No primeiro está Diana fazendo sinal de guardar segredo, ela é branca com cabelos ruivos e veste um casaco caramelo sobre uma blusa verde água. Nos dois seguintes há uma coroa dourada e um avião. No próximo está Dayana, ela é negra de cabelos cacheados escuros, veste um casaco rosa e azul e usa fones de ouvido brancos. Abaixo há um bloco azul com o nome do livro escrito em branco. No primeiro espaço da porção inferior há um ônibus vermelho passando por Londres. O último é amarelo e tem o nome de Clara Alves grafado em azul.
Já conhecida por Conectadas, Clara Alves voltou com mais um show de representatividade em Romance real (Foto: Seguinte)

Clara Alves – Romance real

A realeza está batida e já saturou todas as partes do mercado cultural com suas narrativas, mas quando se fala no universo LGBTQIA+ todos os clichês têm passe livre para tomar lugar na mente de um público cujas possibilidades de amar sempre foram restringidas. Assim, Clara Alves chegou às livrarias com Romance real e o chavão merecido pelos amores de contos de fadas. 

Dayana é fã de One Direction e conhecer Londres é um dos seus sonhos, no entanto, as circunstâncias não são as melhores. A jovem acabou de perder a mãe e vai ter que fazer um reencontro com o pai que a abandonou 10 anos antes. Mas como a vida é uma caixa de surpresas, os caminhos ganham novos ares quando uma ruiva um tanto misteriosa chamada Diana cruza seu caminho e as duas passam a se desvendar. 

Longe da futilidade, abandono parental e luto são temáticas trabalhadas por toda a narrativa. Clara também explora em Dayana a representatividade negra, gorda e bissexual, partindo por um rumo que salienta a importância de que personagens de todas as características merecem seu final feliz. Leve e encantador, o livro é um presente para o cenário nacional e mostra que “real” tem mais de um significado. – Jamily Rigonatto


Traduzido por Caetano Galindo, O rei pálido foi finalista do prêmio Pulitzer de Ficção (Foto: Companhia das Letras)

David Foster Wallace – O rei pálido

Quando se ouve que David Foster Wallace foi a voz de uma geração, há um fundo de verdade quase cientificamente provável. A obra de um escritor é, geralmente, resultado da mistura entre o talento individual e a sociedade que o produz. Essa é a forma como a Literatura é feita – talvez seja até mesmo a maneira como toda a Arte é produzida. O rei pálido, porém, romance póstumo do autor, guarda, naturalmente, semelhanças com Oblivion (2004), última coletânea de contos lançada por ele ainda em vida, em que explora a natureza da realidade, sonhos, traumas e a dinâmica da consciência. Dessa maneira, o livro de 2011 (que chegou às prateleiras brasileiras em Maio de 2022) também examina a atividade da mente. 

Finalista do Pulitzer em 2012, quatro anos depois do falecimento do autor, o robusto romance de 608 páginas narra a história de um grupo de pessoas que trabalham em um centro de processamento de declarações do imposto de renda em Illinois. Alguns dos personagens (Claude Sylvanshine, David Cusk, Lane Dean Jr. e Leonard Stecyk) se envolvem uns com os outros de várias maneiras, não obviamente consequentes. Dois deles se chamam David Wallace, e essa é toda a trama. Mas, embora seja previsível pensar que, tendo como ponto de partida uma investigação sobre o tédio, o romance possa oferecer um enredo tão tedioso, O rei pálido não é, propriamente, “sobre” nada, pois Wallace não escreve sobre seus personagens, mas “através” deles. Levando a empatia explorada em suas obras anteriores a outros níveis, o romance é uma das melhores coisas já escritas na Ficção. – Bruno Andrade


capa do livro Solitária, o título se encontra no meio, abaixo há uma xícara de chá e acima um livro de capa laranja
Eliana Alves Cruz traz reflexões sobre a relação do Brasil moderno e o escravagista (Foto: Companhia Das Letras)

Eliana Alves Cruz – Solitária

Mulheres negras que trabalham como empregadas domésticas conquistam seu protagonismo em Solitária, de Eliana Alves Cruz. Eunice, que trabalha e mora em um condomínio de luxo, presenciou uma tragédia: a morte de uma criança. Com testemunho decisivo na solução do crime, ela conta com sua filha Mabel para colocar um ponto final no caso.

Escrita com força e esmero, as vivências das domésticas são o grande foco da trama. Eliana usa seu texto bem construído para debater temas atuais e históricos, como as relações trabalhistas, diferenças de classe e raça, e o papel de gênero. A autora não tem medo de ser direta, mas constrói uma narrativa doce quando necessário. Solitária traz não só uma boa história, como também amplia a reflexão. – Guilherme Dias Siqueira


Capa do livro Corpo Desfeito. Na imagem há um fundo branco com bolinhas azuis e um chão roxo. Em pé aparece o corpo de uma mulher com meias vermelhas, vestido amarelo e casaco preto. Suas mãos mostram a pele negra descoberta. A ilustração parece estar se desfazendo.O título está na porção superior e o nome da autora na inferior, ambos estão grafados em branco
Em seu romance de estreia, Jarid Arraes, vencedora do Prêmio Biblioteca Nacional e finalista do Prêmio Jabuti, dilacera os efeitos da violência (Foto: Alfaguara)

Jarid Arraes – Corpo Desfeito 

Amanda vive em Juazeiro do Norte no interior do Ceará e faz parte da terceira geração de uma família cercada de abusos. Sua mãe Fabiana, a avó Marlene e o avô Jorge representam uma cadeia de processos violentos, capazes de afetar suas experiências por completo. Em Corpo Desfeito, publicado em 2022 pela editora Alfaguara, esses personagens compõem uma história dolorosa e cheia de eventos absurdos.

Se antes da morte da mãe a convivência já era ruim, depois da partida de Fabiana e Jorge as coisas ficam insustentáveis. Presa a uma ideia fanática da vida, Marlene passa a cultuar a filha morta como se fosse uma santa e, assim, as abstenções se tornam a regra. A matriarca passa a propor comportamentos distantes das características mundanas e obriga Amanda a estar na mesma caixa, tornando a vida da jovem um grande fardo cheio de pressão e medo. 

Jarid escreve a narrativa com destreza e prende o leitor em cada um dos trechos. Apesar de abordar tópicos sensíveis, a curiosidade para entender até onde isso vai se mantém constante. Ainda é possível encontrar a leveza e equilíbrio no texto com a relação entre a protagonista e a amiga Jéssica, um laço transformado em sentimentos amorosos que ensolaram o enredo. Passeando sobre as consequências da violência na infância e adolescência, o fanatismo religioso e os limites das relações familiares, Corpo Desfeito desmonta uma história fictícia que poderia estar estampada em qualquer manchete de jornal. – Jamily Rigonatto


Capa do livro Estou Feliz que Minha Mãe Morreu, de Jennette McCurdy, publicado pela editora nVersos. Em um fundo de cor amarelo pastel, o título do livro se encontra no topo da capa na cor rosa pastel; logo em seguida, há uma linha incompleta na mesma cor. O nome da autora está em destaque e se encontra abaixo dessa linha na cor rosa bebê, com um sombreado na cor preta. Abaixo há um pequeno quadrado rosa centralizado na capa e, dentro dele, está uma imagem da autora. Ela é uma mulher branca com cabelos loiros, presos em um rabo de cavalo, deixando apenas a franja e alguns fios ao lado soltos. Ela veste um conjunto de camisa manga três-quartos e calça social na cor rosa bebê e segura uma urna para cinzas na mesma cor que o quadrado. Seu olhar está direcionado para o lado direito enquanto sorri com a boca fechada. No lado inferior da capa, está escrito o nome da editora na mesma cor que o título
Estou Feliz que Minha Mãe Morreu não é um livro para ser julgado pelo seu título (Foto: nVersos Editora)

Jennette McCurdy – Estou Feliz que Minha Mãe Morreu

Jennette McCurdy se inseriu no mundo da atuação aos seis anos de idade, na esperança de se tornar uma estrela e, assim, realizar o sonho de sua mãe. Tornando-se conhecida apenas anos mais tarde, por seu papel em iCarly (2007-2012), da Nickelodeon, sua vida atrás das telas era muito mais complicada do que qualquer pessoa que a visse brilhar como a personagem Sam Puckett pudesse imaginar.

Com esse contexto, Estou Feliz que Minha Mãe Morreu é um livro de memórias de uma vulnerabilidade surpreendente, destacando as lutas da autora com sua mãe abusiva, seus distúrbios alimentares, vícios e as dificuldades que acompanham o fato de ser uma estrela infantil. Ela revela sua criação perturbada em detalhes inabaláveis com um humor e tom encantador, fazendo com que a obra tenha uma leitura envolvente, embora difícil de ser digerida em muitos pontos. – Raquel Freire


Capa do livro Bright da escritora Jessica Jung. Na imagem, a arte de uma jovem cantora revela o contorno de um casal de mãos dadas ao longo de seu desenho. As cores predominantes na capa são: branco, roxo, rosa e azul. Na parte superior direito está escrito o nome do livro “Bright” em letra cursiva e prata. Um pouco abaixo está escrita a frase em inglês “Never give up your light” também em letra cursiva e prata. Na parte inferior e central está escrita a identificação da carreira de Jung em inglês “A novel from international K-pop star and New York Times bestselling author of Shine”, em letras prateadas. Logo abaixo, o nome da escritora, “Jessica Jung” está colocado em evidência com letras garrafais e prateadas.
Bright deverá chegar às prateleiras brasileiras em 2023 pela Intrínseca (Foto: Simon & Schuster)

Jessica Jung – Bright

Apenas 1 ano e meio depois do lançamento de Shine: Uma chance de brilhar; best-seller do New York Times de Jessica Jung, a cantora, escritora e vendedora de jóias nas horas vagas voltou com o sucessor Bright. Em 2022, a publicação foi responsável por dar continuidade ao frenesi causado na indústria da Música sul-coreana pelo seu romance de estreia, recheado de revelações pouco discretas acerca dos bastidores. 

Desta vez, a protagonista Rachel finalmente encara as decepções envolvendo a sua participação no grupo nada amigável Girls Forever, e o seu relacionamento com Jason, o maior babaca do K-pop. Entregando um desenvolvimento digno das melhores fanfics, Jung novamente não exitou em escrever a sua verdade por meio do disfarce da ficção e reviveu no público a empatia pelos momentos cruciais que passou durante a sua estadia nessa indústria tão letal. – Nathalia Tetzner


Capa do livro Humanos Exemplares. Na imagem há uma porta branca e uma janela com vidro meio fosco ao lado. Da janela é possível ver um pássaro vermelho. Em frente a porta está um vaso de rosas cor de rosa com seus caules submersos. O nome do livro ocupa a porção inferior e o da autora a superior, ambos estão grafados na cor branca.
“A quantidade de ossos que uma velha possui é um espanto, um assombro, porque afinal alguns humanos como ela sumiram, muitos já sumiram” (Foto: Companhia das Letras)

Juliana Leite – Humanos Exemplares

Para onde vão nossos testemunhos quando o gosto sombrio da morte chega aos nossos lábios? Por mais que não nos pergunte diretamente, essa é a questão por trás de Humanos Exemplares. Escrita por Juliana Leite e publicada pela Companhia das Letras em 2022, a obra nos apresenta Natália, uma mulher de 100 anos com muito a contar, mas sem plateia para ouvir.

A senhora guarda em si grandes relatos sobre o período ditatorial, o medo que a afligiu e os sonhos que construiu, entretanto, quando ela morrer as coisas vão acompanhá-la aos planos intocáveis. Enquanto trata da fragilidade da memória e gera reflexões sobre como isso afeta universos particulares e grandes eventos históricos, a autora também nos leva a um passeio sobre as angústias da terceira idade e o valor da velhice. 

Cheia de personagens bem desenvolvidos e diversas declarações valiosas, a narrativa é um deleite apaixonante, mas devastador. Natália e Vicente, seu marido já falecido, são resultados diretos de um país tomado pelas chamas de um golpe, e a forma como isso se reflete em seus comportamentos e desejos é explosiva. Entre as ruínas das lembranças, os arquivos perseguidos pelo tempo são os mais raros. – Jamily Rigonatto


Originalmente publicado em 1985, o romance de estreia do húngaro László Krasznahorkai chegou ao Brasil em 2022, sob tradução de Paulo Schiller (Foto: Companhia das Letras)

László Krasznahorkai – Sátántangó

Embora escrito nos anos 1980, Sátántangó não está especificamente ancorado em sistemas ou governos da época. Na verdade, o húngaro László Krasznahorkai dá tratamentos “míticos” à obra, na qual o universo sombrio de uma pequena comunidade dá as formas desse romance monstruoso, que já nasceu clássico. Muito do que se conhece da obra vem de sua adaptação cinematográfica, feita pelo diretor Béla Tarr em 1996, com roteiro adaptado pelo próprio Krasznahorkai e mais de 7 horas de duração. Na história do livro – que está dividido em duas partes, primeiro de 1 a 6 e, depois, de 6 a 1, como no tango –,  há a chegada de um homem misterioso à vila. Chamado Irimias, ele pode ser um profeta, um cético ou o próprio diabo, visto que retorna após ser dado como morto.

A escrita de László – representada, aqui, na tradução de Paulo Schiller –, ao mesmo tempo em que alimenta o mistério, nos põe em um transe vertiginoso no qual somos embalados. Influenciado por Friedrich Nietzsche, Fiódor Dostoiévski e Franz Kafka, a quem pertence a epígrafe da obra, o escritor promove em Sátántangó uma discussão extremamente interessante sobre os falsos profetas e os sentidos da alienação. Em retrospecto, também se percebe um rigoroso cuidado na escolha das palavras – o que pode explicar a demora que o livro teve no processo de tradução –, visto que, para o autor, as palavras são tudo. A parte surpreendente deste livro é a mistura interessante entre o estilo “modernista” e “pós-modernista”. Em determinados trechos, László Krasznahorkai soa como um modernista clássico, mas o estilo fragmentado da obra, em que os capítulos começam com tramas subdesenvolvidas que vão se encorpando ao longo das páginas, dá ainda mais profundidade a Sátántangó. – Bruno Andrade


capa do livro A filha única, capa em cor vinho com manchas redondas cor de rosa. Na parte superior esquerda está escrito A filha única, e à direita está o nome da autora, Guadalupe Nettel.
A filha única é o terceiro romance da escritora mexicana Guadalupe Nettel (Foto: Todavia)

Guadalupe Nettel – A filha única

Doce e discreto. Não há melhor forma de descrever o texto de Guadalupe Nettel, cuja calma em descrever situações emocionalmente fortes é um dos grandes destaques da sua escrita. A maternidade, sem qualquer clichê, é o grande pilar desse livro: a narradora, Laura, não quer ter filhos, e desde o início contextualiza sua opção em não gerar um novo ser.

Alina e Doris compartilham com Laura o circuito central da trama, e exploram as múltiplas camadas em torno de “ser mãe”, apontando para a condição não como uma experiência, mas sim um mosaico de sensações que não podem ser descritas de modo raso. Para Nettel, não é um presente ou castigo, mas algo que transcende um ser e transborda para todos os lados. A filha única imerge os leitores em uma experiência que nem todos são capazes de viver. – Guilherme Dias Siqueira


Capa do livro Via Ápia, de Geovani Martins, publicado pela editora Companhia das Letras. O fundo da capa é composto por tons de cinza; a base é no tom de cinza mais claro, mas há algumas manchas em tons mais escuros, e algumas delas possuem rastros, como se a tinta tivesse escorrido. No topo, dentro de um retângulo, há o desenho de cinco pessoas negras, todas sem rosto, em posições diferentes. Algumas das cores do desenho também possuem rastros. Um pouco abaixo, do lado esquerdo, está escrito a palavra “romance” em letras maiúsculas na cor preta. Do lado direito, está escrito o título da obra, também em letras maiúsculas, na cor transparente com a margem na cor preta. O nome do autor está logo abaixo, em letras maiúsculas na cor preta. No canto inferior direito, há o símbolo da editora, que consiste em uma bicicleta seguida do nome da mesma.
O primeiro romance de Geovani Martins joga luz sobre a dura realidade daqueles que são assombrados pela violência policial (Foto: Companhia das Letras)

Geovani Martins – Via Ápia

Após a forte repercussão nacional e internacional de O sol na cabeça (2018), a coletânea de contos que marcou sua estreia na literatura brasileira, Geovani Martins lançou seu primeiro romance, intitulado Via Ápia. A obra explora os impactos da instalação da UPP (Unidade de Polícia Pacificadora) na vida dos moradores da Rocinha, mais intimamente no cotidiano de cinco jovens negros, em três momentos diferentes: antes, durante e depois da ocupação.

O ponto mais tocante da ficção, sem dúvidas, é o quão real ela é. Martins cria um enredo que perpassa temas como violência, esperança, luto e amor análogo àquilo que é vivido fora das páginas. Com uma linguagem repleta de gírias e vícios de concordância, típicos da oralidade, o autor consegue construir a realidade da favela e desconstruir o imaginário da homogeneização de forma muito fluida. Via Ápia é uma leitura necessária em memória de todos que foram e são vítimas do sistema de segurança brasileiro, além de ser um livro que consagra Geovani Martins como um dos principais nomes da Literatura marginal. – Raquel Freire


A foto é a capa do livro A vida e as mortes de Severino Olho de Dendê, predominantemente vermelha. No topo da capa está o título do livro escrito em preto e branco, embaixo há Severino, o personagem principal, um homem negro que tem um artefato tecnológico vermelho no lugar do olho esquerdo, ele usa uma camisa vermelha desabotoada e tem o braço esquerdo metálico. Embaixo dele há o nome do autor, Ian Fraser escrito em amarelo, e mais abaixo há a silhueta de prédios. Ao redor da capa há vários retângulos abrigando itens do livro: foguetes, um pato, uma faca, uma palmeira, um robô, e outra personagem; Filomena.
“A indiferença é mais cruel que a morte” (Foto: Intrínseca)

Ian Fraser – A vida e as mortes de Severino Olho de Dendê

Ian Fraser é um romancista nascido e criado em Salvador, na Bahia, e é conhecido por algumas de suas principais obras – Araruama, Noir Carnavalesco e seu mais recente lançamento, A vida e as mortes de Severino Olho de Dendê. Todos os seus livros, apesar de divergirem no enredo, se assemelham na retratação do cenário nordestino brasileiro; no entanto, Fraser se supera ao representar o sertão das maneiras mais inusitadas.

No caso de A vida e as mortes de Severino Olho de Dendê, a narrativa acompanha Severino, um humano que trabalha como investigador em uma galáxia distante e que, no lugar do olho esquerdo, possui um artefato tecnológico que permite ver os últimos momentos de uma pessoa antes de morrer. Ao longo de sua jornada investigando um assassinato junto ao fiel companheiro Bonfim, Severino passa por elementos inspirados em Star Wars, Guardiões da Galáxia e Bacurau, unindo perfeitamente o pop com a vivência nordestina. – Amábile Zioli


“Na vida, às vezes a gente tem que bater de frente, Lindo. A gente não tá errado em existir” (Foto: Seguinte)

Ilustralu – Arlindo

Arlindo, livro vencedor do CCXP Awards de 2022, traz a história de um rapaz homossexual que mora no interior do Rio Grande do Norte e que, como a maioria das histórias desse gênero, reflete sobre a descoberta e a aceitação, principalmente em cidades pequenas e religiosas. A obra, escrita por Ilustralu inicialmente como uma webcomic, mostra a vida do personagem homônimo, que é um menino ainda “no armário”, e que está passando pela experiência de primeiros amores. A pessoa mais próxima a ele, também queer, era sua tia, que, depois de criticada por ser uma mulher lésbica, decide se afastar da família e da cidade.

As histórias retratadas em Arlindo não focam apenas no personagem, mesmo que seja o protagonista, mas também comentam sobre outros adolescentes com outros problemas e que passam por dificuldades em casa ou com as tradições locais, muitas vezes inseridos em situações sufocantes. Mesmo que nem todos os personagens tenham ‘finais felizes’, a obra mostra que é necessário coragem e que a solidão queer não dura para sempre. – Dante Zapparoli


Nesse livro, Fisher olha para as implicações culturais subjetivas imediatas (Foto: Autonomia Literária)

Mark Fisher – Fantasmas da minha vida

Em Fantasmas da minha vida, publicado originalmente em 2014 mas que chegou ao território brasileiro em 2022, Mark Fisher explora a relação entre a cultura, a política e a saúde mental. Fisher argumenta que a cultura popular, em particular a Música Eletrônica, é um reflexo dos sentimentos de alienação e desesperança que muitos jovens experimentam em uma sociedade neoliberal cada vez mais individualista e fragmentada. Ele também sugere que as possibilidades de futuro estão sendo dinamitadas por um presente contínuo, sendo a cultura popular um meio de resistência contra essas forças opressivas, mas apenas quando pensada de maneira crítica e consciente.

Ao longo do livro, Fisher utiliza sua própria experiência com a depressão para ilustrar seus argumentos sobre a saúde mental. Fantasmas da minha vida é também um livro de crítica cultural na forma mais ampla do termo: o filósofo britânico utiliza elementos da cultura pop para discutir sobre as condições de vida na contemporaneidade. De Arctic Monkeys e Joy Division a Drake e Christopher Nolan, Mark Fisher constrói um livro desafiador, sombrio e provocativo. – Bruno Andrade


Capa do livro Não fossem as sílabas do sábado, de Mariana Salomão Carrara, publicado pela editora Todavia. Ele se baseia na fotografia de uma janela de um prédio na cor branca. A janela está aberta e, dela, por causa do vento, sai uma cortina branca, que fica do lado esquerdo e na parte de cima da mesma. É possível ver um varal com algumas roupas penduradas por uma fresta da janela. O título da obra se encontra no lado superior direito da capa; ele está escrito em letras maiúsculas e na cor preta, e cada palavra está em uma linha. O nome da autora está no canto inferior esquerdo da capa, também em letras maiúsculas e na cor preta, com cada palavra em uma linha. No canto inferior direito está o logo da editora, que consiste em quatro formas geométricas circulares, representando o movimento que a boca faz ao dizer cada sílaba da palavra “todavia”.
Contando sobre a vida e a morte, a autora nos guia pelo caminho da dor, da descoberta e, principalmente, do tempo (Foto: Todavia)

Mariana Salomão Carrara – Não fossem as sílabas do sábado

Para morrer, basta estar vivo. É o que diz o senso comum, e se encaixa no caso de André, marido de Ana: bastou ele sair de casa no exato momento em que um homem (Miguel, marido de Madalena) caía da janela para que o seu fim chegasse. Não fossem as sílabas do sábado conta a história de duas mulheres que, para sempre, estarão unidas pelo trágico acidente que resultou na morte de seus maridos.

Assim, trata-se de um livro sobre o luto – e, portanto, sobre a vida. Mariana Salomão Carrara, nesta obra delicada e dura, aborda a dor ocasionada por uma morte que não deveria ocorrer, e por uma vida que deve ser encarada a partir de então. A luta e o luto, aqui, andam praticamente de mãos dadas, na tentativa de superar o inexplicável e de tentar entender a ausência de quem não deveria estar ausente. – Raquel Freire


Estreia literária da vocalista de Japanese Breakfast, o livro é um mergulho nas formas singulares do luto (Foto: Fósforo)

Michelle Zauner – Aos prantos no mercado

Nas memórias de Michelle Zauner, ter uma dupla origem é como viver uma fratura. Sendo a comida sua principal ligação com a Coréia do Sul, é também nela que Zauner encontra uma das bases na educação sentimental, superando traumas da infância que dão lugar a uma nova responsabilidade sobre as escolhas da vida adulta. Em Aos prantos no mercado, a autora aborda o amor e a saudade.

Desenvolvido a partir de seu ensaio publicado na revista The New Yorker, o livro conta com uma linguagem poética e envolvente, que põe a vocalista de Japanese Breakfast em momentos marcantes de sua formação intelectual, como o relacionamento com seu pai e o processo de descoberta da Música, ao ganhar sua primeira guitarra da mãe. Aos Prantos no Mercado também traz reflexões importantes sobre a cultura coreana e o impacto da imigração na formação da identidade, mas tudo envolto em capítulos concisos e sentimentalmente potentes. – Bruno Andrade


Capa do livro O último endereço de Eça de Queiroz do escritor Miguel Sanches Neto. Na imagem, a cor predominante é azul, presente em todo o fundo da arte. No centro, uma enorme porta fotografada em preto e branco sobrepõe uma fotografia de Eça de Queiroz, um homem branco, também em preto e branco. Na parte superior esquerda está escrito o nome do escritor “Miguel Sanches Neto” em letras pretas. Um pouco abaixo, ainda na esquerda, está o logo da editora “Companhia das Letras” em branco. Na parte inferior e central, está escrito o título do livro “O último endereço de Eça de Queiroz” em letras garrafais e na cor preta
O último endereço de Eça de Queiroz é o oitavo romance de Miguel Sanches Neto (Foto: Companhia das Letras)

Miguel Sanches Neto – O último endereço de Eça de Queiroz

Crítico, poeta, cronista, romancista e contista, Miguel Sanches Neto tem longa passagem pelas diferentes formas da Literatura. Em 2022, O último endereço de Eça de Queiroz trouxe o melhor de sua escrita com o uso excepcional da ironia para abordar os conflitos internos de um autor frustrado com a constante busca pelo sucesso comercial. No livro, o narrador é protagonista e assume o pseudônimo de Rodrigo S. M., nome que aparece em A hora da estrela (1977), de Clarice Lispector.

Para ilustrar a jornada peculiar de seu personagem, Miguel Sanches Neto contou com a ajuda dos fantasmas de clássicos da Literatura portuguesa. Fernando Pessoa, José Saramago e, obviamente, Eça de Queiroz, são algumas das personalidades que fazem parte do delírio. “Sobre a nudez forte da verdade, o manto diáfano da fantasia”, assim como o escritor de A Relíquia (1887), a narrativa do livro buscou o real através da ficção. – Nathalia Tetzner


Capa do livro Parque Industrial, de Pagu. A imagem é uma ilustração chapada de uma indústria e usa apenas a cor preta, sob um fundo azul celeste. No canto superior direito, está escrito o nome da autora em letra de forma. Na lateral esquerda do livro, se estendendo para a linha inferior, está escrito o título, na mesma estilização.
Aos 100 anos do Modernismo no Brasil, a principal obra de um dos principais nomes do período retornou às livrarias em nova edição (Foto: Companhia das Letras)

Pagu – Parque Industrial

A seleção literária do ano que marca o centenário do Modernismo no Brasil guarda um lugar especial para as palavras daquela que é uma das principais referências do tema. Parque Industrial é o primeiro livro de Pagu, que escreveu sobre a transformação cultural que montava e desmontava o Brasil desde 1922 quando tinha exatamente 22 anos. Em 2022, então, a Companhia das Letras recuperou o clássico, que, desde o seu lançamento original em 1933, traça um caminho precursor na Literatura brasileira, sendo compreendido hoje como o marco inicial do gênero “Romance proletário”.

É na mecânica industrial de São Paulo na década de 1930 que Patrícia Galvão retrata as transformações que definiram o início do século XX no país, contraditoriamente iniciada na capital paulista, e irregularmente desenvolvida pelos demais centros do Brasil. Ao contrário das perspectivas abstraídas que originam boa parte das reflexões sobre o Modernismo no Brasil, porém, Pagu encarna seu olhar intrínseco à crítica sócio-cultural no ponto de vista singular de quem sempre está, simultaneamente, ao centro e às margens da sociedade: a mulher

Assim, o Parque Industrial pintado pelo pseudônimo Mara Lobo é completamente entrelaçado e fragmentado pelas dinâmicas das relações vivenciadas por mulheres nos âmbitos de gênero e classe. Pagu viu de perto o momento em que o tempo se transformou em dinheiro. A reação daquela jovem, sempre tão perto e embora ainda longe de todos os méritos revolucionários que a história recente do país lhe atribuiria, foi criar uma obra urgente e perene, como uma denúncia do capitalismo em avanço que mudou a vida no Brasil para sempre. – Raquel Dutra


a capa do livro mostra um hotel de cor branca cercado de montanhas e árvores cobertos por neve, e o título se encontra acima da imagem, de forma centralizada, em fonte de cor amarela.
Em seu livro de estreia, Sarah Pearce sabe como criar um grande suspense (Foto: Intrínseca)

Sarah Pearse – O sanatório

A história de O sanatório se passa em um hotel nos alpes suíços que, em um passado sombrio, foi um hospital psiquiátrico. O protagonista Elin Wagner vai ao encontro do irmão, Isaac, que está comemorando um noivado. Desde o início, ele sente a tensão ao se encontrar na hospedagem, e o desaparecimento da noiva de seu irmão serve como um catalisador de seu desespero.

O livro de estreia de Sarah Pearce tem uma escrita instigante que prende até o leitor mais distraído. Já comparado às obras de suas inspirações literárias – Agatha Christie e Stephen King -, o suspense de Pearce é intenso desde a primeira página, refletido na personalidade e nos comportamentos de seus sujeitos. É definitivamente uma experiência eletrizante. – Guilherme Dias Siqueira


Capa do livro Sempre vivemos no castelo. A capa é uma ilustração. Na parte superior direita, vemos as palavras “shirley jackson” escritas em caixa alta, em uma fonte sem serifa em branco. Na parte central, à esquerda, vemos o desenho de uma menina, aparentando cerca de 18 anos, branca de cabelos castanhos longos e lisos, vestindo um vestido preto, e descalça. Ao seu lado, vemos um pássaro voando. Na parte da direita, ao centro, vemos as palavras “sempre”, “vivemos” e “no castelo”, em caixa baixa, em uma fonte sem serifa em preto. Abaixo, vemos o desenho de um gato preto. Na parte inferior à direita, vemos o logo da Alfaguara, em amarelo.
A vida de Shirley Jackson foi adaptada para o filme Shirley e uma das principais obras da autora, A Assombração da Casa da Colina, inspirou A Maldição da Residência Hill (Foto: Alfaguara)

Shirley Jackson – Sempre vivemos no castelo

Importante expoente do Horror, as obras de Shirley Jackson influenciaram grandes nomes da Literatura e do Audiovisual, como Stephen King, Neil Gaiman e Mike Flanagan. Suas vastas produções, porém, não são tão conhecidas quanto as de seus pares de gênero: apesar da falta de reconhecimento, o Terror de Jackson inspira o medo através do próprio  cotidiano, tornando o real, sobrenatural. Em Sempre vivemos no castelo, que ganhou uma nova edição pela editora Alfaguara, a dúvida se mistura ao macabro, com um toque de humor tenso e envolvente.

Na história, originalmente publicada em 1962, as irmãs Blackwood vivem isoladas em uma residência com o tio, após a morte de todos os familiares e os rumores de um assassinato dentro da própria família. Pelos olhos de Merricat, a caçula, os eventos do dia a dia ganham um tom místico, ao mesmo tempo que mágico e infantil, e as suspeitas quanto a veracidade da narração são constantes. Com a chegada de um primo da família e o mistério acerca do que realmente aconteceu na propriedade, o Horror desponta justamente a partir da dúvida e da falta de confiança na narradora de Sempre vivemos no castelo. – Vitória Gomez


Como se fosse um episódio de Black Mirror ilustrado, a HQ está em adaptação pela Netflix (Foto: Quadrinhos na Cia)

Simon Stålenhag – Estado elétrico

Indicado ao Prêmio Arthur C. Clarke em 2019, Estado elétrico (ou Passagen, no original da língua sueca) fica no limiar entre o livro ilustrado e o romance gráfico, com grandes painéis que nem sempre vêm acompanhados de textos claros. A bem da verdade, o livro parece ser um artefato quase contemplativo, retirado diretamente da distopia que pretende retratar, embora essa aura distópica das ilustrações de Simon Stålenhag dialogue com os universos de “tecnologia sucateada” do cyberpunk.

As artes de Estado elétrico são cheias de detalhes, e a temática do autor combina suas próprias impressões da infância às inspirações da ficção científica, resultando em um cenário estereotipado da Suécia com itens futuristas agregados. Stålenhag cria suas imagens utilizando uma mesa gráfica, valendo-se de técnicas e configurações específicas para simular pinturas a óleo, que se unem ao seu talento para narrar. – Bruno Andrade


Capa do livro Contos de Fadas. A imagem representa um poço visto de cima, ao lado há um menino com um lampião de chama laranja. Do outro lado está a cachora. É noite e o tom do espaço é azul escuro. O nome do autor está na porção superior e o do livro na inferior, ambos estão grafados em dourado.
Em mais uma cartada do Rei do Terror, Conto de Fadas foge do habitual e explora um mundo fantasioso (Foto: Suma)

Stephen King – Conto de Fadas 

Escrito na voz do adolescente Charlie Reade, Conto de Fadas é fiel ao título e, literalmente, performa uma narrativa encantada. Aos 75 anos, Stephen King não cansa de inovar e, com suas próprias referências, isso não é diferente. Disposto a se aventurar por novas possibilidades literárias, o autor dos clássicos do terror It: a Coisa e Carrie, a Estranha,  agora escolhe se aprofundar na fantasia. O protagonista é um jovem normal com uma vida irritantemente comum: vive em uma pacata cidade fictícia, cuida de casa, tem uma boa relação em casa e vai para a faculdade. Mas, como o comodismo não é um dos favoritos do autor, tudo isso muda até chegar no inacreditável. 

O ponto de transição é o acidente doméstico do vizinho. Com o misterioso Howard Bowditch machucado, Charlie passa a cuidar dele e da cachorra Radar. Nessa interação, um carinho muito bonito se desenvolve entre os personagens, o sentimento é descrito de uma forma tão bem ritmada que até nos faz esquecer do vindouro lado surrealista. Essas ligações encaixadas também são algo que frequentemente vemos entre o garoto e o pai. Os paralelos começam a aparecer quando o senhor morre e o jovem encontra os motivos dos boatos sobre ele.

Um poço que liga o mundo humano com um universo repleto de seres mitológicos de todas as categorias é encontrado atrás da casa e, a partir disso, o cotidianismo dá lugar ao surreal. Apesar de deixar o horror para segundo plano, King mantém seus característicos elementos nos seres que vivem nesse outro espaço. Entretanto, o que toma conta são os efeitos iluminados e as motivações puras da narrativa. Aos poucos Charlie ganha um tom de herói, e a leitura de Conto de Fadas se torna mágica. – Jamily Rigonatto 


Força, Nakamura!! é uma representação próxima de estar apaixonado e não saber para onde correr ou o que fazer (Foto: NewPOP)

Syundei – Força, Nakamura!!

Ganbare! Nakamura-kun!!, ou, como conhecido no Brasil, Força, Nakamura!!, é um mangá que possui representatividade LGBTQIA+, publicado pela editora NewPOP. Sua fama se consolidou, entre outros fatores, através das paródias que sua capa colorida recebeu, fazendo com que o conhecimento da história logo se tornasse de fácil acesso. A obra retrata, de forma leve e divertida, as descobertas amorosas de Nakamura, um jovem de 16 anos que é tímido e não consegue se expressar muito bem. Essa característica é contrastada com Hirose, o rapaz animado pelo qual se apaixona.

A obra traz consigo um ar gostoso de aceitação e entendimento dos primeiros romances, ampliando a vontade de viver um amor, por mais difícil que seja dar o primeiro passo ou, até mesmo, passar por uma primeira rejeição. Em tempos nos quais discursos de ódio a minorias foram proferidos, a falta de histórias com personagens queer que vivem finais felizes faz falta, e conteúdos como o apresentado por Syundei acabam refrescando e dando esperança para que mais obras com bons finais surjam no futuro, mesmo que retratem um relacionamento queer platônico. – Dante Zapparoli


Capa do livro Balada de Amor ao Vento, de Paulina Chiziane. A capa tem uma arte colorida de fundo, que apresenta traços horizontais de espessura irregular em tons de verde, rosa, amarelo, roxo e preto. Ao centro, em fonte grande e em caixa alta, o nome do livro e o nome da autora estão escritos em branco.
“Tenho uma filha crescida que ainda estuda, embora já tenha estudado muito. Um dia disse-me que a Terra é redonda. Por fora é toda verde e lá no fundo tem um centro vermelho. Que a Terra é a mãe da natureza e tudo suporta para parir a vida. Como a mulher” (Foto: Companhia das Letras)

Paulina Chiziane – Balada de Amor ao Vento 

A prosa poética é a melhor amiga da língua portuguesa – e ao compreender tudo o que significa existir sob uma influência colonialista, Paulina Chiziane sabe contornar os limites da Literatura assim como todos os outros autores que se consagraram por desenvolver a língua para além da concepção europeia. Influenciada pela lírica de Mia Couto, iniciada à autocrítica inventiva de José Saramago e perturbada pela mesma entidade feminina de Lygia Fagundes Telles, a escritora moçambicana alcançou o prêmio mais importante da Literatura de língua portuguesa em 2021, com a mesma audácia espiritual que a fez a primeira mulher a publicar um livro no país em 1990 com Balada de Amor Ao Vento.

Tudo começa no dia mais bonito do mundo, quando a história de Sarnau e Mwando se inicia com os suspiros mais apaixonados da protagonista narradora. O desenrolar, no entanto, acontece na sociedade que não só recusa às mulheres o seu direito à autonomia, como também ameaça sua mera sobrevivência. O amor, para Chiziane, é a coisa mais bela e a arma mais violenta. Assim, a autora se mistura às brisas de verão, festividades religiosas, tradições locais e laços de família e amizade para descascar as camadas de violência, desamparo, solidão e privilégios que sustentam os sistemas em que vivemos, cuja complexidade se dá na exata relação existente entre o tradicionalismo e a modernidade. 

Desta forma, Balada de Amor ao Vento é a semente de todo o pioneirismo e revolução que consagra o nome de Paulina Chiziane na língua portuguesa de origem não-europeia. Para além de sua estreia precursora no que diz respeito à história das mulheres na Literatura africana, o livro é também floresce todos os temas que a autora aborda com mais ferocidade em Niketche: uma história de poligamia. Publicada originalmente em 2001, a obra de maior visibilidade de Chiziane foi difundida mundo afora depois de sua vitória no Prêmio Camões, propagando também as discussões mais contemporâneas sobre a condição da mulher no mundo globalizado. – Raquel Dutra


Os papéis de gênero são amplamente discutidos dentro do volume único de Boy Meets Maria (Foto: NewPOP)

PEYO – Boy meets Maria

Com tons pastéis em sua capa, Boy meets Maria retrata a juventude, a autodescoberta e a tentativa de superação de abusos passados. O mangá, que pertence ao gênero Boys Love, apresenta a visão de Taiga, um rapaz que acaba de se mudar para uma escola nova para começar seus estudos de ensino médio, e que tem uma grande admiração por heróis. O ideal do menino, até certa forma, se enquadra nos padrões de gênero que são esperados de pessoas do sexo masculino.

Em contrapartida, temos Maria, pessoa que ele conhece e se apaixona à primeira vista, após vê-la dançando em um palco. Para a surpresa de Taiga, há a descoberta de que Maria, na verdade, é um homem, o que o deixa confuso sobre seus sentimentos e sobre o uso de nomes e pronomes que pessoas optam por usar. Toda a trama gira ao redor do “ser um homem” ou, de certa forma, do que é não se identificar em um corpo que é seu.

Mesmo com seus traços delicados e cores claras, Boys meets Maria traz assuntos como abuso sexual, infantil e negligência familiar de forma brutal. Trata-se de um mangá coming-of-age que tenta reforçar mensagens de apoio a vítimas de abusos passados, representadas na trama por Maria. Além de trazer uma forte representação não-binária, o mangá problematiza o sentir nos moldes binários que muitas vezes a sociedade nos coloca. – Dante Zapparoli


Capa do livro Carrie Soto Está de Volta. A imagem é uma quadra de tênis laranja vista de cima. No meio dela há uma mulher branca de cabelos pretos presos em um rabo de cavalo, ela veste roupa branca e está segurando uma raquete. No chão há várias bolas de tênis amarelas espalhadas. O nome do livro está escrito em letras amarelas na porção inferior e o da autoras em letras azul bebe na porção superior direita.
Conhecida pelo sucesso de Os Sete Maridos de Evelyn Hugo e Dayse Jones and the Six, Taylor Jenkins retoma sua fórmula singular em Carrie Soto Está de Volta (Foto: Paralela)

Taylor Jenkins Reid – Carrie Soto Está de Volta

Taylor Jenkins Reid já provou ser mestre quando o assunto é criar personagens tão reais que chegamos a ser tentados a buscar os nomes na internet e encontrar textos jornalísticos sobre eles. Em Carrie Soto Está de Volta a escritora retorna com toda a excelência e nos leva a mais uma aventura pela complexidade humana, apresentando a atleta Carrie Soto e seu desejo de se mostrar inabalável. 

Depois de 5 anos longe das quadras, a protagonista vê Nicki Chan bater seu recorde de vinte títulos Grand Slam no tênis e se sente prontamente ameaçada. Assim, ela passa a retomar a rotina esportiva com a ajuda do pai, o também ex-tenista Javier. Carrie já havia aparecido em outro escrito da autora, intitulado Malibu Renasce, e se em um primeiro momento a ideia que tivemos dela era negativa, aqui a humanidade reforça sua dualidade. 

Ao longo das páginas o texto, traduzido por Alexandre Boide, caminha pelas complexidades da personalidade e esmiúça seus desejos e vivências. A tenista é uma personagem apaixonante e extremamente forte, ler sua história é um grande prazer. Com diversas facetas plurais, o esforço é uma de suas características mais marcantes. Já que Carrie Soto Está de Volta, vale a pena conhecê-la. – Jamily Rigonatto


A foto é a capa do livro A Mandíbula de Caim, a ambientação é uma biblioteca desorganizada, todas as prateleiras de livros são cinzas, e a que está a esquerda contém uma folha branca escrito “Livro Enigma”, embaixo dela há uma garrafa com um líquido derramado e ao lado outra folha branca escrito “Torquemada”, pseudônimo do autor Edward Powys Mathers. No centro há o nome do livro escrito em verde neon, embaixo há um círculo da mesma cor com os escritos “‘Se Agatha Christie e James Joyce tivessem um filho literário bastardo, seria esse livro’ - Daily Telegraph”. Embaixo do círculo há um corpo no chão, apenas as pernas estão visíveis, o resto do corpo está atrás de uma estante de livros.
Diferentemente das outras edições do livro, a brasileira conta com páginas destacáveis, o que ajuda na organização do mistério (Foto: Intrínseca)

Torquemada – A Mandíbula de Caim

Escrito originalmente em 1934 por Edward Powys Mathers, compilador de palavras cruzadas do jornal britânico The Observer, sob o pseudônimo de Torquemada, A Mandíbula de Caim é o suspense policial mais intrigante que você já viu. Ao longo de 100 páginas, são descritos seis assassinatos, todos cometidos por assassinos diferentes, e o objetivo atribuído ao leitor é solucionar o crime. 

No entanto, as possibilidades são quase infinitas, e é por isso que, até o momento de sua edição mais atual, de 2022, apenas quatro pessoas teriam conseguido resolver o enigma. Recentemente o livro viralizou no BookTok e fez com que milhares de leitores assíduos se mobilizassem para resolver o mistério proposto pelo escritor britânico. – Amábile Zioli


Capa do livro Bendita seja a filha criada por uma voz em sua cabeça da escritora Warsan Shire. Na imagem, as cores predominantes são: branco, preto e azul. Grande parte da arte de capa é composta pelo contorno, desenhado em preto no fundo branco, de uma mulher com o rosto apoiado em uma das mãos. Na parte inferior direita está escrito o título do livro “Bendita seja a filha criada por uma voz em sua cabeça” em letras garrafais azuis. Logo abaixo está escrito o nome da autora “Warsan Shire” em letras garrafais brancas. Na extrema esquerda está posicionado o logo da “Companhia das Letras” em branco.
Bendita seja a filha criada por uma voz em sua cabeça é o livro de estreia de Warsan Shire (Foto: Companhia das Letras)

Warsan Shire – Bendita seja a filha criada por uma voz em sua cabeça

Lançada ao sucesso por Beyoncé, Warsan Shire publicou o seu primeiro livro em 2022. Intitulado Bendita seja a filha criada por uma voz em sua cabeça, o conjunto de poemas trouxe à tona a vivência de Shire como uma mulher negra. O resultado final fez jus a expectativa deixada por ela ao colaborar com escolhas brutais de palavras no aclamado álbum Lemonade (2016), e, através de uma sensibilidade única, colocou o leitor para refletir sobre tudo e todos.

A manicure empurra minhas cutículas, vira minha mão, estica a pele da palma e diz: eu vejo suas filhas e as filhas delas”. Poeta mais jovem a integrar a Sociedade Real da Literatura, Warsan Shire nasceu no Quênia e foi criada em Londres. Autêntica e dona de um movimento próprio, ela fez de Bendita seja a filha criada por uma voz em sua cabeça uma obra completa, coesa e que não deixa nenhuma ponta solta para trás. – Nathalia Tetzner

Deixe uma resposta