Persona Entrevista: Daniel Galera

O escritor, tradutor e ensaísta fala sobre seu processo criativo, influências e os 10 anos do romance Barba ensopada de sangue, que está em adaptação para o Cinema e recebe uma edição comemorativa em 2022

Arte quadrada de fundo vermelho. No lado esquerdo, foi adicionado o texto
“Minha carreira de escritor não foi exatamente uma coisa planejada desde cedo”, diz Daniel Galera (Foto: Marco Antonio Filho e Companhia das Letras/Arte: Henrique Marinhos)

Bruno Andrade 

No final de Maio – num frenesi esquisito que faz parecer distante esses quatro meses –, me reuni virtualmente com Daniel Galera para bater um papo sobre sua trajetória literária e os 10 anos de lançamento de Barba ensopada de sangue, romance que ganha uma edição especial comemorativa com lançamento previsto para 4 de Novembro de 2022. Vencedor do Prêmio Machado de Assis, duas vezes 3º colocado no Prêmio Jabuti e já publicado na prestigiosa revista The Paris Review, Galera desponta como um dos grandes nomes da Literatura brasileira contemporânea, relacionado a uma “nova geração de escritores”, mesmo que “nova” já não seja bem a palavra que defina sua carreira. Escrevendo e publicando desde os anos 1990, o escritor paulistano radicado em Porto Alegre construiu um sólido percurso em torno da Literatura, e veio ao Persona Entrevista compartilhar suas experiências, visões de futuro e revelar mais sobre suas obras.

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Estante do Persona – Julho de 2022

Arte retangular de cor lilás escuro. Ao centro há uma estante branca com três prateleiras. A primeira prateleira é dividida ao meio, a segunda prateleira é dividida em três e a terceira prateleira é dividida em três. Na parte superior lê-se em preto 'estante’, na primeira prateleira lê-se em preto 'do persona', à direita nessa prateleira está a logo do Persona, um olho com íris roxa. Na segunda prateleira, ao meio, está a capa do livro “O Acontecimento” ao lado de 8 lombadas brancas. Na terceira prateleira, à direita, está o troféu com a logo do persona. Na parte inferior lê-se em branco ‘julho de 2022'
Em Julho, o Clube do Livro do Persona se infiltrou na narrativa intimista de Annie Ernaux e seu O Acontecimento (Foto: Fósforo Editora/Arte: Nathália Mendes/Texto de Abertura: Bruno Andrade)

“Um livro deve ser o machado que partirá os mares congelados dentro de nossa alma.”

— Franz Kafka

Julho foi o mês do Persona se infiltrar ainda mais nos entremeios literários: dos dias 2 ao 10, membros da nossa Editoria cobriram a Bienal Internacional do Livro de São Paulo, que ocorreu no Expo Center Norte. Dentre os destaques, a Homenagem a José Saramago – que completaria 100 anos em 2022 –, feita por Andréa Del Fuego, José Luís Peixoto e Jeferson Tenório, e a presença de Paulina Chiziane e Valter Hugo Mãe, marcaram a última edição do festival.

Neste ano, o evento teve dupla celebração: além do centenário do único escritor de língua portuguesa a receber o Prêmio Nobel de Literatura, 2022 também marca o bicentenário da Independência do Brasil. Assim, a celebração se deu na forma de reconhecimento da identidade linguística, que une continentes através do idioma em comum. O evento contou também com a presença do presidente de Portugal, Marcelo Rebelo de Sousa.

Contudo, Julho também foi um período de indigestas – porém necessárias – reflexões. Após a repercussão nacional dos absurdos que envolveram o direito ao aborto legal de uma menina de 11 anos em Santa Catarina, a questão ganhou ainda mais enfoque quando, ao final de Junho, a Suprema Corte dos Estados Unidos derrubou a decisão judicial de 1973 que garantia a legalidade do aborto em todo o território nacional. As discussões se nortearam no aspecto de direitos fundamentais que, a princípio, pareciam resguardados, mas que, a bem da verdade, precisam de constante vigilância. 

É nesse contexto que o filme dirigido por Audrey Diwan, com a mesma temática, chegou aos cinemas brasileiros integrando o Festival Varilux de Cinema Francês, em uma adaptação cinematográfica do marcante relato da francesa Annie Ernaux. Assim, não foi difícil escolher para o Clube do Livro do Persona a obra O Acontecimento.

Baseado em um episódio biográfico, o livro conta a história de uma jovem de 23 anos que engravida e, sem poder contar com o apoio do namorado ou da própria família, precisa fazer um aborto. Ilegal na França da época, ela vive praticamente sozinha o acontecimento que, quarenta anos depois, revive no livro.

Refletindo sobre a onipresença da lei e seu imperativo sobre os corpos femininos, Ernaux mostra uma faceta literária que mistura a ficção com a não-ficção. Agora, para fechar – ou ampliar – um importante momento de reflexões, deixamos as indicações de mais um Estante do Persona.

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No palimpsesto de Elvira Vigna, eles não conhecem Courbet

O livro Como se estivéssemos em palimpsesto de putas, leitura do Clube do Livro do Persona em Maio, publicado pela editora Companhia das Letras, não é sobre garotas de programa, mas sim sobre relações interpessoais e suas tensões (Foto: Companhia das Letras/ Arte: Bruno Alvarenga)

Enzo Caramori

“Nenhuma de nós de fato com uma existência separada. Só traços sobrepostos, confusos, não claros. Como se estivéssemos, todas nós, num palimpsesto.”

Em uma sala, num outro universo que não é, naquele momento, o Rio de Janeiro que estardalhaça do lado de fora, ela está furiosa. Em silêncio, mas nunca quieta. Cautelosamente desajeitada. Uísque caubói, também raivoso, em um copo plástico. Escuta um homem, que nem conhece direito, narrar seus encontros com putas. Mulheres sem nomes, pois são tantas que, no fim, se juntam até se tornarem um único ser com várias cabeças e braços. Rasura. Na verdade, são as estórias que se juntam incessantemente até formarem, gota a gota, gigantes estruturas, como aquelas pedras, em cavernas. Gota a gota. Rígidas. Estalagmites. Que prendem, nos espaços vazios e ocos, o que realmente se quer dizer. E não foi dito.

E é isso – o que não foi dito –  que mais pulsa na escrita visceral de Elvira Vigna no brutal Como se estivéssemos em palimpsesto de putas (2016), um de seus últimos livros publicados em vida. Em uma crueza avassaladora, que partilha de um humor blasé e de uma catártica raiva feminina, a autora não traz suas discussões necessariamente na superfície de seu enredo e no desenrolar de suas personagens, mas sim em uma psicologia que está atrás dos eventos narrativos – localizada no que realmente move os acontecimentos – criando uma dualidade acerca do que se diz mas, não necessariamente, é o que quer ser dito. Nessa narrativa, a única verdade está naquilo que é engolido pela língua e reside no escuro. Na ausência. No negativo.

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O mergulho subversivo de Lygia Fagundes Telles em A Estrutura da Bolha de Sabão

Arte em rosa claro com a imagem do livro A Estrutura da Bolha de Sabão no centro. Capa do livro A Estrutura da Bolha de Sabão da escritora brasileira Lygia Fagundes Telles. Na imagem, há uma arte com diversas texturas e formatos, entre eles, contornos de flores. A arte vibra nas cores azul, vermelho, verde, marrom, roxo e rosa. No canto inferior esquerdo, um quadro branco com o nome da autora escrito em preto, o nome do livro escrito em roxo e o nome da editora, Companhia das Letras, escrito em azul. No topo à esquerda, vemos o olho do Persona com a íris rosa e no canto inferior direito está o logo do Clube do Livro do Persona.
A Estrutura da Bolha de Sabão foi a leitura do Clube do Livro do Persona durante o mês de abril de 2022 (Foto: Companhia das Letras/Arte: Ana Clara Abbate)

Nathalia Tetzner

O cenário é um café-da-manhã entre esposa e marido. Ele conta de um amigo físico que mora nas construções góticas de Paris e estuda a estrutura da bolha de sabão. Ela se espanta com a possibilidade de alguém se dedicar em investigar algo que conhece desde seus primeiros anos de vida e que, por isso, sabe que não possui estrutura alguma. O tempo passa e quando o gato do casal sobe na mesa dela, finalmente há uma resposta para sussurrar: “a bolha de sabão é o amor”. Nascia nesse momento A Estrutura da Bolha de Sabão, uma coletânea de contos escrita pela dama da Literatura brasileira, Lygia Fagundes Telles. 

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