Não há salvação para o homem problemático em Higiene Social

Cena do filme Higiene Social exibe um homem e uma mulher, brancos, parados no meio de uma grama alta. O homem, à esquerda, veste um terno preto e tem cabelo loiro curto. A mulher à direita, mais velha, tem cabelo ruivo comprido e veste um terno rosa. Carrega uma bolsa da mesma cor nas mãos.
O artista em crise no longa que integra a seção Perspectiva Internacional da 45ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo (Foto: Inspiratrice & Commandant)

Caio Machado 

Um homem e uma mulher estão parados em um campo. A grama verde reluz ao sol. Pela distância, não conseguimos ver direito o rosto de nenhum dos dois. Parecem estátuas paradas em um palco e conversam, imóveis. Esses são os minutos iniciais de Higiene Social, filme francês exibido pela 45ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo. 

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Má Sorte no Sexo ou Pornô Acidental sacaneia os caretas

Cena do filme Má Sorte no Sexo, mostra uma mulher branca atendendo o telefone. Ela usa máscara azul e uma blusa preta.
Exibido após a coletiva de abertura da 45ª Mostra de São Paulo, Má Sorte no Sexo ou Pornô Acidental foi o grande vencedor do Festival de Berlim 2021, levando para casa o Urso de Ouro (Foto: Imovision)

Vitor Evangelista

Com um título desse, é esperado que Má Sorte no Sexo ou Pornô Acidental tenha prazer em chocar, mas ninguém está preparado para o que vem logo que as luzes se apagam. Uma fita de sexo abre a produção romena, que se centra na ruína de uma professora de Ensino Fundamental, a estrela do vídeo adulto, sofrendo as consequências quando a gravação cai na internet e a escola em que trabalha a encontra.

E não havia filme mais propício para abrir os trabalhos da 45ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo, que em 2021 adota um formato híbrido após sobreviver a um 2020 completamente virtual. Na coletiva de imprensa de abertura, realizada de maneira on-line em nove de outubro, a diretora do evento Renata de Almeida revelou que Pornô Acidental reflete muito como a população enxerga a pandemia e, embora seja rodado na Romênia, assistiríamos por quase duas horas ecos fortes do Brasil. Ela não mentiu.

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Isso Não É um Enterro, É uma Ressurreição: a marcha dos mortos e dos vivos

A beleza da cinematografia do longa que estreia no Brasil pela 44ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo (Foto: Divulgação Imprensa)

Caroline Campos

O luto é uma figura de muitas faces. Talvez exista um limite para o número de pessoas amadas que podemos perder sem passarmos a excomungar toda e qualquer força superior que rege a ordem natural da vida. Quando conhecemos Mantoa, protagonista de Isso Não É um Enterro, É uma Ressurreição, passamos a duvidar, junto com ela, da benevolência do Deus-Todo-Poderoso. Exibido na 44ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo, a obra do diretor lesotiano Lemohang Jeremiah Mosese é um retrato duro e belo do clamor pela morte em harmonia com o direito à vida. 

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Walden arma uma arapuca sentimental

Walden, presente na 44ª Mostra de SP, defende a máxima de que a memória engrandece o homem, ou a mulher (Foto: Divulgação Imprensa)

Vitor Evangelista

Não tem jeito, somos nossos maiores inimigos. Jana, a calejada protagonista de Walden, prova dessa verdade da pior maneira possível, a do coração quebrado. Ela se lembra do antigo namorado da época da adolescência, e cria um escudo ao redor da memória desse amor, mantendo-se obstinada à voltar para sua terra de origem, de onde esteve exilada por trinta anos. Parte da seção Perspectiva Internacional da 44ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo, Walden é um filme simples de dor e arrependimento.

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Tudo é lento em Dias

O longa faz parte do eixo Perspectiva Internacional da 44ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo (Foto: Divulgação Imprensa)

Jho Brunhara

Muito se discute qual é o ponto em que o cinema se divide entre entretenimento e arte, ou se é que esse ponto existe, afinal, o que é entretenimento e por que a arte não pode entreter? Dias, filme do premiadíssimo cineasta malaio Tsai Ming-Liang, adiciona uma camada ainda mais grossa para esse debate.

Em Rizi, que faz parte da 44ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo, acompanhamos Kang (Lee Kang-Sheng) e Non (Anong Houngheuangsy), dois taiwaneses. Depois de um dia de preparações, os homens se encontram no quarto de um hotel para esquecer suas realidades por uma noite. Desde o começo, Dias é claro em sua proposta: esse não é um filme de cinema comercial. Antes mesmo do longa começar, vemos uma mensagem que diz ‘filme propositalmente sem legendas’. O primeiro take, uma câmera parada que grava Kang olhando a chuva, beira os dez minutos. Mais a frente, vemos Non preparando uma refeição. Câmera parada, quase quinze minutos. E segue esse padrão até o fim.

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Não Há Mal Algum: a tirania em 4 atos

Um dos filmes mais comentados de 2020 chega ao Brasil na 44ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo (Foto: Divulgação Imprensa)

Caroline Campos e Raquel Dutra

A filmografia do diretor iraniano Mohammad Rasoulof não tem sido uma empreitada fácil. Em seus filmes, Rasoulof critica explicitamente o autoritarismo e a tirania que se apossaram de seu país, e isso já lhe rendeu alguns problemas com seu governo. Não seria diferente com Não Há Mal Algum (Sheytan Vojud Nadarad), seu longa mais recente que chega ao Brasil como uma das obras mais esperadas da 44ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo. Com uma forte narrativa sobre as consequências de ser um executor de penas de morte no país, o filme venceu o Urso de Ouro, prêmio máximo do Festival de Berlim, mas o diretor não pôde agradecer presencialmente a honraria pois o governo do Irã não permitiu seu comparecimento à cerimônia por ter feito “propaganda contra o sistema”.

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Malmkrog: não tem como argumentar com idiota

Malmkrog faz parte da seção Perspectiva Internacional da Mostra de SP (Foto: Divulgação Imprensa)

Vitor Evangelista

Antes de qualquer coisa, Malmkrog é um capricho cinematográfico. Adaptação do livro Three Conversations do russo Vladimir Solovyov, o filme é centrado num grupo de intelectuais europeus que passam horas e horas debatendo e discutindo os mais diversos temas. Sem muito dinamismo visual, o diretor e roteirista Cristi Puiu traz à 44ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo uma produção destinada às aulas de Cinema, mas que carrega seu valor de entretenimento.

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Notturno: as cicatrizes da guerra são profundas como a noite e nítidas como o dia

O documentário é parte da seção Perspectiva Internacional da 44ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo (Foto: Reprodução)

Raquel Dutra

Um jovem casal se encontrando enquanto tiros soam ao fundo, crianças desenhando seus traumas, pacientes psiquiátricos ensaiando uma peça de teatro como parte do tratamento. Num compilado de imagens cotidianas protagonizadas por quem viu e sentiu uma violência extrema, Notturno ressalta as marcas que os conflitos no Oriente Médio deixam em seus habitantes. Filmado durante os três últimos anos nas fronteiras do Iraque, Curdistão, Síria e Líbano, o documentário chega na 44ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo registrando a realidade material e psicológica de quem, inserido num cenário onde a guerra é uma companhia constante, tenta seguir em frente.

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Pai tem gosto de revolta

Nikola na sua caminhada presente na 44ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo (Foto: Divulgação Imprensa)

Caroline Campos

Existem filmes que deixam um sabor amargo na boca. Pai, do diretor sérvio Srdan Golubović, com certeza se encaixa nessa categoria. Coproduzido por seis países – Sérvia, França, Alemanha, Eslovênia, Croácia e Bósnia-Herzegovina -, o longa cria uma trama complexa e contida que trabalha um único personagem a partir de sua realidade brutal. Exibido na 44ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo, dentro da seção Perspectiva Internacional, há momentos que é quase impossível conter a raiva e os gritos diante de tanta dor e injustiça que Golubović imprime em tela. 

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Uivos São Ouvidos traz uma escalada constante

Fabi com seus olhos marcados na 44ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo (Foto: Divulgação Imprensa)

Caroline Campos

É inevitável assistir a Uivos São Ouvidos, do diretor Julio Hernández Cordón, e não lembrar, mesmo que vagamente, de A Ghost Story. No entanto, enquanto o fantasma de Casey Affleck apenas observa impotente a vida ao seu redor, a figura do pai de Fabi, vestido em um lençol e com uma máscara bizarra que sussurra em seu ouvido, participa ativamente do filme todo. Exibido na 44ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo e disponível gratuitamente no Sesc Digital, o longa mexicano é um curioso e estranho retrato dos dias de uma garota apaixonada pela bicicleta e pela liberdade.

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