O austero encanto das Bruxas do Oriente

Cena do documentário As Bruxas do Oriente. A imagem mostra um momento de uma partida de voleibol. Ao centro, está uma jogadora japonesa de cabelos curtos pretos, vestindo o uniforme da esquipe que consiste numa camiseta branca de mangas e golas vermelhas e um short azul marinho. Ela segura a bola branca na mão direita, preparando-se para realizar um saque. Ao fundo, pode-se observar o público que acompanha a partida.
Uma história real fantástica é o que o longa As Bruxas do Oriente traz para a seção Perspectiva Internacional da 45ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo (Foto: Lightdox)

Raquel Dutra

Era uma vez, um grupo de mulheres dotadas de poderes sobrenaturais…” poderia sussurar o âmago de As Bruxas do Oriente (Les Sorcières De L’Orient, no original), apenas no caso de o filme em questão não se dedicar à uma história real que em nada se assemelha com os contos de fadas que conhecemos. A atmosfera que o documentário cria na seleção da 45ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo, no entanto, é quase a mesma de um conto fantástico, criada na tela do diretor Julien Faraut à medida em que ele nos apresenta a narrativa de uma equipe de voleibol do Japão da década de 60 considerada uma das melhores do mundo todo.

A produção francesa mergulha no fascínio da história daquele time composto por mulheres imparáveis. A partir dos relatos de cada uma delas sobre o tempo em que dominavam as quadras de vôlei mundo afora, o filme avança na desmistificação do imaginário que cerca as chamadas Bruxas do Oriente, que na verdade, bem longe de corresponderem à ideia de figuras mágicas, eram trabalhadoras de uma fábrica têxtil no interior do Japão, que chegou onde chegou através de um treinamento extremamente rigoroso.

Cena do documentário As Bruxas do Oriente. A imagem mostra um time de vôlei feminino do Japão treinando. Duas fileiras de mulheres uniformizadas com camisetas brancas e shorts vermelhos estão fazendo flexões no chão. No meio das fileiras, existe um homem, o treinador, que usa um moletom verde e observa as atletas.
Os números da equipe são impressionantes: As Bruxas do Oriente treinavam seis dias por semana, em 51 semanas do ano, e saíram vencedoras de um número recorde de 258 partidas consecutivas (Foto: Lightdox)

Entre imagens do presente e do passado, a direção de Julien Faraut para a fotografia de Yukata Yamazaki, a edição de Andrei Bogdanov e a trilha de Jason Lytle K-Raw explora livremente o encanto da narrativa de The Witches Of The Orient. Quase como o balé organizado de um jogo de vôlei real, o filme trabalha com jogos de cena que criam a noção de algo fantástico: a câmera gira em torno das mulheres enquanto cenas delas em quadra são congeladas ao lado das imagens atuais, num anseio de capturar a magia daquele tempo e transportá-la para o ambiente ordinário que hoje sedia um encontro das lendas do esporte mundial.

Tudo fica ainda mais interessante, único e fantasioso quando o filme incorpora ilustrações animadas como aliadas ao desenvolvimento de sua narrativa. Assim, a linguagem singular de As Bruxas do Oriente entrega um documentário cheio de personalidade, tão preocupado com a sua experiência estética quanto com a sua história. Nesse sentido, o segundo ponto, no fim das contas, se torna algo complexo no desenvolvimento do longa, já que o apreço pelos depoimentos das mulheres, compartilhando experiências muito similares de uma origem humilde e busca por ascensão através do esporte, confunde o fio narrativo com um ciclo de conteúdo.

Cena do documentário As Bruxas do Oriente. A imagem mostra, em primeiro plano no lado direito, uma atleta japonesa de vôlei. Ela olha para a direita, fora da imagem, e tem cabelos curtos pretos e veste o uniforme do time, uma camiseta branca de golas e mangas vermelhas. Atrás dela, existe outra atleta, e é possível observar o teto da quadra onde elas estão em desfoque.
A época em que o time surpreendeu o mundo era também o momento em que o Japão buscava mostrar sua reconstrução, depois das bombas nucleares que devastaram as cidades de Hiroshima e Nagasaki e da derrota na Segunda Guerra Mundial (Foto: Lightdox)

O filme traz apenas vislumbres para mostrar que nada na vida daquelas vitoriosas era um conto de fadas e que muito menos As Bruxas eram personagens maquiavélicas e  implacáveis. Não é na bruxa número 7, na bruxa número 5 ou na bruxa número 3 – como elas mesmas se apresentam – que os traços místicos são encontrados. O único e verdadeiro deles é atribuído ao treinador Hirobumi Daimatsu, um ex-comandante de pelotão do Exército Imperial Japonês, conhecido popularmente como um legítimo demônio entre as pessoas que conheciam o ritmo dos treinos da equipe.

A dificuldade em lidar com as histórias daquelas mulheres parece surgir da mesma direção que lida muito bem com todos os outros elementos do filme. Afinal, não é uma surpresa que a dedicação do olhar do diretor francês não consiga identificar o potencial de uma narrativa permeada por questões de gênero, nem trabalhar a importância do contexto de atuação das Bruxas do Oriente. Ninguém imaginava que um time de vôlei feminino oriental iria trazer uma experiência mágica para o mundo dos anos 60, mas o centro do documentário é categórico em sua representação: de pessoas ordinárias nascem histórias fantásticas.

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