Estante do Persona – Maio de 2023

 

Nas profundezas de um intimismo visceral, Sobre a terra somos belos por um instante foi a leitura do Clube do Livro de Maio (Foto: Rocco/ Arte: / Texto de abertura: Jamily Rigonatto)

Depois de apreciar a vida da gente fina Rita Lee, em Rita Lee: uma autobiografia, o Clube do Livro do Persona alçou voo para trajetos marcados por cicatrizes profundas. Em Maio de 2023, nossos leitores tiveram a oportunidade de conhecer os relatos melancólicos do primeiro Romance do poeta Ocean Vuong, Sobre a terra somos belos por um instante

Carregando uma carga emocional de proporções ímpares, o texto chegou ao Brasil em 2021 pela editora Rocco, e conta com tradução de Rogério Galindo. Na trama, narrada melodicamente pelo protagonista Cachorrinho, somos apresentados a uma história sobre lembranças familiares, amores silenciados e revelações angustiadas que por muito tempo estiveram em cativeiro. 

O livro apresenta uma linguagem bastante singular e caminha por um espaço fluido entre a convencionalidade dos romances e a indefinição literária. Através de termos rítmicos e bastante poetizados, a sensação é de fazer parte de um espaço tão consciente quanto imprevisto. As 224 páginas não podem se classificar diretamente como poesia, mas absolutamente repousam sobre os limites de uma vulnerabilidade encantadora. 

A obra ainda reflete espectros sociais, econômicos e raciais, já que trata sobre os laços familiares de imigrantes vietnamitas vivendo nos Estados Unidos. Os tons das discussões relacionadas a papéis de gênero e sexualidade também ganham grandes doses de protagonismo, lembrando que a sinceridade de ser e sentir é bela por muito mais que um instante. 

E enquanto o tempo continua seu trabalho marcando as vidas no eterno mistério dos momentos, as palavras continuam compondo a emoção daqueles que as apreciam. Por isso, o Estante do Persona de Maio de 2023 segue com suas dicas e opiniões sobre os mais variados temas abordados pela Literatura

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Estante do Persona – Março de 2023

Imergindo na subjetividade, o Clube do Livro de Março conheceu a franqueza de Aurora Venturini em As Primas (Foto: Fósforo/Arte: Aryadne Xavier/Texto de Abertura: Jamily Rigonatto)

“Mas tudo passa neste mundo imundo. Por isso não faz sentido se afligir demais por nada nem ninguém. Às vezes penso que somos um sonho ou um pesadelo realizado dia após dia que a qualquer momento não será mais, que não aparecerá mais no telão da alma para nos atormentar.”

– Aurora Venturini

Aprofundando os laços familiares, o Clube do Livro do Persona escolheu os ares argentinos para guiar os ventos no terceiro mês do ano. Sob as linhas de uma protagonista de personalidade forte, as páginas de As Primas, de Aurora Venturini, encaminharam uma leitura curiosa e repulsivamente divertida. Definida como uma espécie de autobiografia, a obra é narrada por Yuna, uma mulher com deficiência vivendo rodeada de um contexto trágico em que a violência e a vulnerabilidade social abraçam mulheres e seus laços sanguíneos. 

Com características únicas, o livro não performa o mais politicamente correto dos textos. Sob os pensamentos, julgamentos e o nojo voraz carregados pela personagem principal, somos afundados em uma narrativa sem filtros na qual o incomum ganha forma em linhas curvas e manchas de tinta. O movimento atípico se reflete na construção de uma escrita que considera a pontuação secundária e dá holofotes à sinceridade liberta. 

Em 160 páginas, Yuna detalha as figuras de sua família e os eventos assombrados que a perseguem enquanto registra tudo em cor e sombra através de suas pinturas. Sob as pinceladas, aborto, prostituição, morte e abuso ganham retratações ácidas. Entre a mãe, a irmã Betina, a tia Nenê e as primas Carina e Petra, o grotesco e o desatino remontam um viés peculiar da vivência de vítimas da opressão oferecida pelo destino. 

O romance é o primeiro e único das mais de 40 publicações de Aurora e marca sua estreia no universo literário da América Latina. Em um deslumbramento brutal, o escrito consagrou a literata aos 85 anos com o prêmio Nueva Novela em 2007. No Brasil, a obra ganhou a primeira versão em setembro de 2022 pela Editora Fósforo e foi traduzida por Mariana Sanchez. 

Em tons insólitos, As Primas causou um rebuliço comicamente miserável. Para não perder o costume, os membros da nossa editoria não falham em dar opções aos que querem adentrar relações similarmente complicadas, mas também contemplam os interessados em conhecer outras das infinitas possibilidades oferecidas pela Literatura. Por isso, o Estante do Persona de Março deixa suas primorosas indicações para estampar o cinza outonal.

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Os Curtas do Oscar 2023

Em 2023, a entrega do troféu para as categorias de curta-metragem volta à transmissão ao vivo do Oscar (Arte: Ana Clara Abatte/Texto de abertura: Nathalia Tetzner)

Eles são rápidos, podem vir em diferentes cores, ritmos e formas. Alguns se debruçam sobre o drama, outros carregam o peso da história nos ombros e há ainda aqueles que são desenhados com os mais delicados traços. Todos são a escolha ideal para quem começou a assistir a lista de filmes indicados ao Oscar e sentiu que precisava descansar a vista após passar horas com os olhos vidrados em longas-metragens intermináveis. Sim, nós estamos falando deles, os curtas selecionados pela Academia de Artes e Ciências Cinematográficas para a 95ª edição da premiação.

Na disputa pela estatueta de Melhor Curta-Metragem Live Action, os lenços não são suficientes para enxugar as lágrimas do reencontro de dois irmãos e uma história de natal doce em meio ao amargo da guerra. Já na corrida pelo Melhor Documentário em Curta-Metragem, um bebê elefante órfão que nasceu como favorito ao prêmio divide espaço com uma loira estadunidense tão eloquente como a Hebe. Por fim, a estatueta de Melhor Curta-Metragem de Animação é arrastada de um lado para o outro com a sátira da vida sexual de uma jovem da década de 90 e a amizade improvável entre menino e animal. 

Se, no ano passado, a emissora ABC tomou a decisão infeliz de vetar a entrega das estatuetas das três categorias que dividem as 15 produções de menor duração, em 2023, a revolta do público e do Persona fez efeito e a cerimônia irá ao ar por completo. Repetindo o conteúdo informativo e imersivo do primeiro cineclube de curtas, a publicação está de volta com a estrutura pensada especialmente para os amantes da Sétima Arte. Dessa vez, com um ânimo especial pelo renascimento do Cinema e junto dos comentários apurados da Editoria, que não cansa de gabaritar os bolões dos principais eventos do meio, incluindo o Oscar 2023

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Os Melhores Discos de 2022

Entre a vida e a morte, o sagrado e o profano, composições íntimas e inovadoras são o combustível do Melhores Discos de 2022 (Arte: Henrique Marinhos/Texto de Abertura: Ana Júlia Trevisan)

A Música é o tom indispensável da vida. No amor, na alegria, na tristeza, na solidão, as canções preenchem playlists embalando a vida e refletindo a alma. As composições são o espelho de como artista e ouvinte enxergam a existência, fazendo com as mudanças sejam necessárias e novidades refresquem o imaginário auditivo de quem aguarda ansiosamente por um single, quiçá um disco de seu intérprete favorito. É impossível me conformar com a potência transformadora da Música. Assim como é inevitável usar tanto floreio para introduzir esse que reúne o melhor do que foi feito em 2022.

Com o formato de vendas modificado pelas plataformas digitais, os álbuns se tornam cada vez mais inviáveis para cantores inseridos na indústria, que coage produções única e exclusivamente voltadas a músicas virais para o TikTok. Quebrando aquilo que parece ter virado regra, o Persona emerge os ossos do ofício e abocanha 73 produções que marcaram o ano na Música.

Dominando a tarefa de trazer um novo fôlego para sua arte, The Weeknd lançou a rádio Dawn FM, vislumbrando dias melhores. Coroando o topo dos rankings, ROSALÍA acelerou com muita autenticidade sua MOTOMAMI. Ao lado da catalã, montada em seu cavalo prata, a musa-mor do pop renasceu. Kendrick Lamar ficou entre a cruz e a espada, SZA pediu socorro, Björk celebrou os recomeços, Sabrina Carpenter finalmente enviou seus e-mails, Florence and the Machine renovou seu nome na lista das netas das bruxas e a loirinha mais querida cantou seus terrores noturnos.

A música haitiana foi lembrada em notas do Topical Dancer. Cruzando o oceano, no mundinho do k-pop, enquanto 2022 serviu para SEVENTEEN se consolidar de vez como uma das maiores boybands da Coreia, artistas de outros grupos tão grandes quanto embarcaram em viagem solo, com novas perspectivas, sonoridades exuberantes e trabalhos coesos que entregam turbilhões de sentimentos. No território russo a boa surpresa veio do metal vampiresco da dupla IC3PEAK.

Em solo brasileiro Acorda, Pedrinho caiu na boca do povo, Bala Desejo ganhou o grande público, Ludmilla mais uma vez provou que nasceu para interpretar pagode, Maria Rita cantou para Xangô, e os calos de Alaíde Costa a fizerem – merecidamente – a cantora nacional mais citada nos rankings. Em meio a isso, o amargo das perdas imperaram no território com os álbuns póstumos de Marilia Mendonça e Elza Soares, o adeus a Erasmo Carlos, e aquela que foi a despedida mais cruel do ano, Gal Costa, a Doce Bárbara, se encantou. 

O Melhores Discos de 2022 é dedicado a Gal Costa. Coisas sagradas permanecem!

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As Melhores Séries de 2022

(Seja na ação policial de Bom dia, Verônica, no terror genial de Yellowjackets ou na aventura de She-Hulk, as mulheres arrebentam em todos os gêneros presentes no Melhores do Ano do Persona. Arte: Aryadne Xavier/Texto de abertura: Nathália Mendes)

A competição entre os streamings para conquistar o público no conforto de quatro paredes aumenta cada vez mais. Em 2022, não só assistimos às Melhores Séries, mas também o drama da perda bilionária da Netflix, a busca incessante pelo lucro com a introdução dos anúncios nas plataformas e a caminhada de ascensão da HBO até dentro das premiações. Talvez, no ano que vem, o Persona tenha que abarcar até os esportes que adentraram nesse mundo.

É nítido que a Netflix segue sendo a mandachuva: das 64 séries indicadas pela nossa Editoria, 25 pertencem à dona do tudum. Para além disso, a novela mexicana que a empresa vive após 200 mil assinantes pularem fora, e consequentemente as ações despencaram em 35%, nos alcançou. Se antes era divertido ver a vermelhinha fazer de tudo para que suas séries originais brigassem por prêmios, agora tivemos dor de cabeça ao descobrir a novidade polêmica e irritante de que o compartilhamento de conta na plataforma será cobrado.

Dentro desse cenário, vivemos um paradoxo: enquanto Wandinha, Heartstopper e Stranger Things foram as mais lembradas pelo Persona, mencionadas nove vezes cada uma, as melhores produções não são da nossa camarada Netflix. The Bear e Ruptura (Severance, em seu nome original) empataram na liderança dos rankings, ambas com três menções na primeira posição de melhor série do ano. Parece que estamos divididos ou que a competição das empresas tem resultado em produções mais esplêndidas? 

A coletânea da nossa Editoria também está alinhada com as maiores premiações da Televisão, mesmo sem ter a intenção. Enquanto aguardamos a lista de indicados ao Emmy 2023, fazemos nossas especulações. Desbancando suas concorrentes em uma competição interna, a HBO Max também preencheu um grande espaço na nossa lista. Com o lançamento estrondoso de A Casa do Dragão, o spin-off de Game Of Thrones enfiou o dedo na ferida de sua produção materna e foi mencionado oito vezes por nossos colaboradores. Em seu cangote está a segunda temporada de The White Lotus, com a mesma quantidade de menções e ganhando em número de troféus do Globo de Ouro deste ano por 2 a 1 da novela da família Targaryen.

Vale ressaltar que outras grandes produções premiadas ou aclamadas pelas críticas também foram lembradas, seja a polêmica história de Dahmer: Um Canibal Americano, a comédia de Hacks ou o terror genial de Yellowjackets. No entanto, não é isso que prezamos. Enquanto estiver despejando sua curiosidade e tempo na leitura de nossas indicações de Melhores Séries de 2022, saiba que priorizamos nos aventurar. Você encontrará produções nacionais extremamente políticas, como Rota 66, irá se deparar com romances britânicos, dois volumes de Atlanta muito esperados, e mais. Essa espontaneidade de obras é essencialmente quem somos, uma diversidade em construção. Aproveite, até Pantanal entrou na dança!

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Os Melhores Livros de 2022

Entre o melhor da Literatura em 2022, tivemos a tradução da obra póstuma de David Foster Wallace, novas edições de Shirley Jackson e o romance de estreia de Jarid Arraes (Arte: Henrique Marinhos/Texto de Abertura: Bruno Andrade)

No último ano, a editoria de Literatura foi uma das áreas que se consolidou no Persona. A parceria com a Companhia das Letras recebeu uma melhoria, nos tornando Parceiros Fixos. Como resultado, mais de 30 livros foram resenhados em 2022, e a grande maioria foram obras lançadas pela editora. Nós também ficamos de olho em eventos literários, como o Nobel de Literatura, e nosso Clube de Leitura e Estante do Persona se revitalizaram. Como um balanço do que foi o ano passado para o projeto – e para a Literatura no mundo –, chegamos com Os Melhores Livros de 2022.

Dos dias 2 ao 10 de Julho, membros da nossa Editoria cobriram a 26ª Bienal Internacional do Livro de São Paulo, que ocorreu no Expo Center Norte. Dentre os destaques, a Homenagem a José Saramago – que completaria 100 anos em 2022 –, feita por Andréa Del Fuego, José Luís Peixoto e Jeferson Tenório, e a presença de Paulina Chiziane e Valter Hugo Mãe, marcaram a última edição do festival.

O evento, na verdade, teve dupla celebração: além do centenário do único escritor de língua portuguesa a receber o Nobel de Literatura, 2022 também marcou o bicentenário da Independência do Brasil. Dessa forma, a celebração se deu na forma de reconhecimento da identidade linguística, que une continentes através do idioma em comum, e contou também com a presença do presidente de Portugal, Marcelo Rebelo de Sousa.

Em Maio, a Companhia das Letras publicou a tradução O rei pálido, romance póstumo de David Foster Wallace, finalista do Pulitzer em 2012 e que estava em processo de tradução desde 2014. Pela mesma casa editorial, Sátántangó, do húngaro László Krasznahorkai, finalmente chegou ao mercado editorial brasileiro. Eterno favorito ao Nobel de Literatura, esse é o primeiro livro do autor publicado no país. 

E, falando da premiação, 2022 foi o ano de Annie Ernaux. A escritora francesa foi a grande vencedora do Nobel de Literatura, e foi tema do nosso Clube do Livro meses antes de sua consagração. Em Novembro, ela veio ao Brasil para participar da Festa Literária de Paraty (Flip), onde dividiu uma mesa com Geovani Martins, autor de Via Ápia. Além das entrevistas com os escritores Tobias Carvalho e Daniel Galera, o Persona também foi representado no podcast Clube Rádio Companhia, da Companhia das Letras, no papo sobre os 10 anos de lançamento de Barba ensopada de sangue, de Galera.

Abaixo, você confere a lista das obras que marcaram os membros da Editoria e nossos colaboradores no ano de 2022, com gêneros e estilos para todos os gostos. Seja qual for a sua escolha, o Persona segue defendendo a pluralidade, irreverência e emancipação propiciada pelos livros. Boa leitura!

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Os Melhores Filmes de 2022

Entre as múltiplas facetas de Jobu Topaki, a estrela Pearl e a singularidade da conchinha Marcel, 84 filmes apareceram no ranking de Melhores do Ano do Persona (Arte: Nathália Mendes/Texto de abertura: Vitória Gomez)

A trajetória de retomada dos eventos presenciais consolidou-se em 2022. Na recuperação do pós-pandemia da covid-19 – que não nos deixou, mas, em um alívio, permitiu o relaxamento de algumas medidas de proteção -, o Cinema viu seus ávidos fãs retornarem às salas de forma irrestrita. Desde o Oscar até a 46ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo, os eventos da indústria cinematográfica internacional e brasileira também abraçaram a possibilidade da realização totalmente presencial, e deram alento àqueles que encontram conforto na pipoca quentinha e nas subidas rumo às poltronas aveludadas. 

Apenas no primeiro semestre do ano passado, o número de pessoas que compareceu aos cinemas presencialmente foi maior do que o contabilizado em 2021 inteiro, segundo levantamento da Agência Nacional do Cinema (Ancine). Apesar do retorno seguir lento e gradual, com expectativa de voltar a níveis normais e continuar a crescer em 2023, o restabelecimento do hábito também se refletiu no Melhores Filmes de 2022. Das 84 produções citadas no tradicional ranking anual do Persona, que reúne membros da Editoria e colaboradores, 42 estrearam ou passaram pelos circuitos brasileiros. Após um ano em que os streamings dominaram os grandes lançamentos, o cenário volta a se reequilibrar.

A união das redes de cinema às plataformas, porém, garantiu a diversidade da programação de 2022. A animação Pinóquio de Guillermo del Toro, o whodunnit Glass Onion: Um Mistério Knives Out, e os dramas Nada de Novo no Front, da Alemanha, e Argentina, 1985, da Argentina, foram alguns dos destacados pelos colaboradores, que os assistiram exclusivamente nos formatos digitais. Já os campeões de menções desse ranking, Tudo em Todo o Lugar ao Mesmo Tempo e Marte Um, estrearam nos cinemas e levaram os espectadores às salas.

Diferentemente do que aconteceu com lançamentos anteriores, a presença opressiva de grandes empresas, como Marvel e Disney, foi obrigada a dividir sua programação com produções mais diversas. Apesar de Batman, Pantera Negra: Wakanda Para Sempre e Doutor Estranho no Multiverso da Loucura conseguirem suas menções, foi o independente Aftersun que não saiu de cartaz (até o momento desta publicação), ultrapassando três meses nos cinemas nacionais. O sensível primeiro longa-metragem da diretora irlandesa Charlotte Wells aborda uma relação entre pai e filha, e chegou ao Brasil pela 46ª Mostra de SP.

Os gêneros das produções também refletiram diversidade. Os filmes de super-heróis tiveram sua vez e os de aventura também – Avatar: O Caminho da Água e Gato de Botas 2: O Último Pedido receberam boas indicações -, mas foram as produções de Terror que marcaram 2022. Com alguns ganhando grandes lançamentos no Cinema, como foi o caso de Pânico 5 e O Telefone Preto, e outros não surpreendentemente deixados de lado, como X – A Marca da Morte, Aterrorizante 2, Pearl, Até os ossos e Morte Morte Morte, as obras de gênero mereceram 15 nomeações como Melhores do Ano.

Elevando o número em relação ao ano passado, as produções dirigidas ou co-dirigidas por mulheres alcançaram a marca de 20 indicações – menos de ¼ do total. Já nas obras nacionais, a quantidade foi ainda mais negativa: dos 84 filmes citados, apenas 6 eram brasileiros, com destaques como Carvão, Regra 34, Eduardo e Mônica e A Mãe. Ao todo, foram citadas obras de 17 diferentes idiomas e nacionalidades.

E falando em nomeações, 22 títulos indicados ao Oscar 2023 também apareceram no ranking. Da categoria de Melhor Filme, que inclui apenas uma mulher indicada, apenas Entre Mulheres e Triângulo da Tristeza não foram mencionados aqui. Os Fabelmans, Elvis, Top Gun: Maverick e Os Banshees de Inisherin receberam múltiplas indicações. No Melhores Filmes de 2022 do Persona, você confere todas as obras destacadas pela nossa Editoria e colaboradores.

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Entre Mulheres, ninguém nunca está só

Cena do filme Entre Mulheres. Na imagem, vemos oito mulheres de idades distintas dentro de um celeiro. Quatro delas estão de pé e quatro estão sentadas. Dessas, três estão sentadas em feno e uma delas está sentada no chão. Todas elas vestem vestidos do mesmo estilo: mangas três-quartos ou compridas, em cores escuras e floridos, com exceção de duas idosas, que vestem vestidos de manga comprida preto sem nenhuma estampa. Todas elas estão com os cabelos trançados e algumas usam um lenço preto, de modo a aparecer a parte da frente de seus cabelos
Entre Mulheres teve sua estreia no Festival de Cinema de Telluride no dia 2 de Setembro de 2022 e chegou aos cinemas brasileiros exatos seis meses depois (Foto: Universal Pictures)

Raquel Freire

Uma pequena colônia religiosa isolada. Apenas homens têm o direito de ser alguém. Durante a noite, tranquilizante de vaca. Ao amanhecer, quando o coração ainda bate, uma ferida que não cicatriza. Quem fez isso? Ou melhor, qual deles ainda não fez isso? Dali nove meses, uma vida – se for menino, um aprendiz; se for menina, uma vítima. Certa noite, um rosto. Enfim, custódia! Todos eles saíram da colônia para ajudar com a fiança (é claro que eles saíram). Isso significou 48 horas Entre Mulheres. Três famílias debateram o futuro de todas as outras. “Não fazer nada. Ficar e lutar. Ou ir embora”. Permanecer na comunidade que as violou? Ou se afastar de tudo o que conhecem, principalmente do Deus em quem ainda depositam sua fé? Ao mesmo tempo, tudo e nada a perder.

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Estante do Persona – Janeiro de 2023

Para começar 2023, Aos Prantos no Mercado desbota os cinzas e pretos da dor do luto no Clube do Livro do Persona (Arte: Nathália Mendes/Texto de abertura: Jamily Rigonatto)

“Às vezes, meu luto é igual a ter sido deixada sozinha em uma sala sem porta nenhuma. Toda vez que eu lembro que a minha mãe morreu, parece que estou batendo contra uma parede que se recusa a ceder. Não há escapatória, só uma superfície dura contra a qual eu me choco vez após outra, um lembrete da realidade imutável de que eu nunca mais vou voltar a vê-la.”

– Michelle Zauner

O Clube do Livro do Persona deu início ao ciclo de 2023 com direito a todas as emoções presentes nos processos do luto. Com a leitura de Aos Prantos no Mercado, de Michelle Zauner, nossos leitores experimentaram a dor, as memórias e os afetos através das prateleiras do H Mart em Nova York. Abrindo portas para a intimidade, a obra da vocalista da Japanese Breakfast caminha, entre temperos e lágrimas, pelas reflexões desencadeadas na artista após a morte da mãe.

Desde as primeiras páginas do livro, há o gosto de uma experiência sensorial. Enquanto narra a passagem pelos corredores de um mercado de comidas coreanas, a artista evoca cheiros, texturas e cores para ilustrar as questões que marcaram suas lembranças. A cada embalagem vista, o resultado é um conjunto de reações lacrimosas misturadas aos flashbacks de sensações e momentos em que a comida representava a ligação entre mãe e filha. 

O livro, publicado em outubro de 2022, é a continuação das páginas expostas na revista The New Yorker em 2018. A versão final da obra trouxe o ensaio na forma do primeiro capítulo das 288 páginas que compõem o conjunto. No Brasil, a editora Fósforo foi a responsável pela publicação, com tradução de Ana Ban e capa ilustrada pela quadrinista Ing Lee

Através de suas palavras, a cantora e escritora consegue expor não só como funcionava a relação com a própria mãe, como também gerar pensamentos sobre o amor e as formas singulares sob as quais esse sentimento se porta. Assim, as relações não ganham um tom de perfeição, mas mostram o apreço entre os gestos e atitudes. A austeridade e rigidez que envolvem a criação de Michelle ainda abrem espaço para as ponderações de sua visão acerca da mudança de perspectiva visível entre a adolescência e a vida adulta.

O texto também traz a birracialidade como pauta e explora os impactos dessa condição na própria concepção do ser e pertencer. Em diversos momentos, as pontas soltas da ideia de não se sentir inteira étnica e culturalmente passeiam ao redor das angústias proporcionadas pela perda. Zauner, que é filha de mãe coreana e pai estadunidense, percorre a trilha das fragilidades de suas tradições e relações com os Estados Unidos e a Coréia do Sul.

Em sua estreia literária, a cantora de 33 anos é pessoal e trabalha o processo de luto de um aspecto já apresentado em seus trabalhos musicais. Aqui, somos convidados em um universo extremamente particular e humano. Seja na tristeza, na raiva ou na inveja, tudo soa em notas de singularidade escritas de forma extremamente descritiva, e o uso da linguagem remonta as imagens em vivacidade na cabeça de quem lê. 

Mas como os aspectos de sentir são vorazes, o que não falta é experimentação, melancolia, possibilidades em mundos reais ou ficcionais. Por isso, como de costume, a nossa editoria deixa sua lista de selecionados nas mãos de quem busca mais lágrimas ou prefere se moldar às páginas bem humoradas com as indicações de Janeiro no Estante do Persona.

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Em Nova Deli, dois irmãos curam Tudo o Que Respira

Cena do documentário Tudo o Que Respira. Na imagem, vemos Salik Rehman de frente com um milhafre-preto, uma ave de rapina preta com o peito branco, e os dois se encaram. Ambos estão dentro de um depósito, que serve como um espaço de trabalho. O animal está em cima de uma bancada com vários utensílios utilizados pelos homens que se dedicam ao cuidado dessa espécie. Salik tem cabelos e barba na cor preta e veste uma camisa social preta com listras brancas e óculos de grau.
Com estreia no Festival Sundance de Cinema, Tudo o Que Respira é o segundo documentário do cineasta indiano Shaunak Sen (Foto: Submarine Deluxe)

Raquel Freire

Tudo o Que Respira começa com uma paisagem escura enquanto uma câmera se move sobre o solo repleto de lixo na cidade de Nova Deli. Enquanto outros animais se espreitam no fundo, a imundície da rua serve como alimento para os ratos que se apressam em uma moldura desfocada, e o barulho que eles fazem fica mais alto à medida que mais deles se alimentam. Ao que o ruído faminto cresce em volume, os faróis dos carros ficam mais brilhantes à distância – um sinal de humanidade que impacta diretamente a existência deles, e a cena termina ao passo que é dominada pela ultrapassagem de uma luz branca. Essa é apenas a primeira de muitas imagens de tirar o fôlego que estão presentes no mais recente documentário de Shaunak Sen.

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