O otimismo inabalável de Belle

Cena do filme animado Belle. Belle (Kaho Nakamura) é vista de perfil, olhando para a esquerda enquanto sorri e leva as mãos ao peito. Belle é uma mulher magra, asiática, de longos cabelos rosa-claros e grandes olhos azuis. Ela possui uma linha de sardas vermelhas embaixo dos olhos e maquiagem rosa nas bochechas, entrecortada por padrões retos e brancos. Em seus cabelos, flores vermelhas estão presas acima das orelhas e seu vestido também é recheado delas. Ao fundo, vemos outras flores de várias cores e luzes amarelas cintilando contra um fundo escuro.
Apesar de não ter sido selecionado para concorrer ao Oscar, Belle é um testamento ao poder da animação como meio (Foto: Studio Chizu)

Gabriel Oliveira F. Arruda

Por mais que seja tentador reduzir o mais recente filme do cineasta Mamoru Hosoda à uma reinterpretação moderna de A Bela e a Fera, esse simples elevator pitch não faz jus à complexidade temática e emocional da nova animação do Studio Chizu. Belle (Ryû to sobakasu no hime, no original em japonês) passa bem longe de ser uma “versão anime” do clássico francês e, ao invés disso, se utiliza da familiaridade de suas dinâmicas para contar sua própria história de amor transformativo na era das redes sociais e realidades virtuais, num semi-musical de escopo glorioso e, ao mesmo tempo, íntimo.

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5 anos atrás, Greta Van Fleet reviveu o bom e velho rock’n’roll no EP Black Smoke Rising

Capa do EP Black Smoke Rising da banda Greta Van Fleet. A imagem tem fundo predominantemente ocre. No centro tem uma fumaça marrom avermelhada com os rostos dos integrantes da banda estampados. Todos são homens brancos de cabelos bagunçados castanhos. Ao canto esquerdo, está escrito Greta Van Fleet Black Smoke Rising com letras ocres
A fumaça preta sobe e já sabemos que é o início de uma nova era – o rock não morreu (Foto: Republic Records)

Leticia Stradiotto

No ano de 2012, dentro de uma garagem em Frankenmuth, cidadezinha alemã de Michigan, o som mais esperado pelos apreciadores do bom e velho rock’n’roll nasceu com a banda Greta Van Fleet. Em seu primeiro trabalho, o EP Black Smoke Rising, o grupo rebateu – com impulso – a polêmica e extremamente cansativa frase “Não se faz mais o rock como antigamente”, o êxito da banda disparou talento e reviveu a intimada e almejada melodia dos anos 70.

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As realidades do 27º Festival É Tudo Verdade

Arte retangular horizontal de fundo azul com estrelas azul claro. Lê-se o texto: “as realidades do 27º Festival É Tudo Verdade It’s All True”. Foi adicionado o olho do Persona no canto inferior direito, com a íris em azul claro.
Entre os dias 31 de março e 10 de abril, o Persona acompanhou o 27º Festival Internacional de Documentários É Tudo Verdade (Foto: Reprodução/Arte: Ana Júlia Trevisan/Texto de abertura: Raquel Dutra)

Está aberta a temporada de festivais na cobertura do Persona. Entre os dias 31 de março e 10 de abril, a realização do 27º Festival Internacional de Documentários É Tudo Verdade inaugurou o ano para as nossas aventuras cinematográficas. Depois de um 2021 marcado pelo Cinema das mulheres, da cidade maravilhosa, das experimentações e fantasias, 2022 se inicia com a única coisa da qual não podemos fugir: a realidade.

Mas na verdade, o espectro contemplado pelo maior festival de documentários do mundo era muito desejado para integrar o horizonte das nossas experiências. Dessa vez, o anseio se tornou possível graças ao formato de realização do É Tudo Verdade, que aconteceu de forma totalmente gratuita e híbrida, sendo presencialmente nos cinemas das capitais de São Paulo e Rio de Janeiro, e virtualmente através da plataforma de streaming do festival e das dos parceiros Itaú Cultural Play e Sesc Digital. 

A seleção é tão vasta quanto o tema que a define: 70 filmes, que entre curtas, médias e longas-metragens, se dividiram nas mostras competitivas e nas demais categorias de exibição (Foco Latino-Americano, Sessões Especiais, O Estado das Coisas, Clássicos É Tudo Verdade). Trazendo o Cinema documental realizado em mais de 30 países, o alcance do É Tudo Verdade é reconhecido pela Academia de Artes e Ciências Cinematográficas, de forma a classificar diretamente os filmes vencedores dos prêmios dos júris nas Competições Brasileiras e Internacionais de Longas/Médias e de Curtas Metragens para apreciação ao Oscar do ano que vem.

À distância, o Persona selecionou 25 títulos a fim de compreender a seleção de 2022, que elegeu como os homenageados da vez Ana Carolina e Ugo Giorgetti, dois dos nomes mais importantes do Cinema de não-ficção brasileiro. As obras de abertura propuseram uma reflexão sobre o passado, presente e futuro da Sétima Arte, enquanto o encerramento do festival ficou na responsabilidade de um dos premiados pelo público e pelo júri da edição mais recente do Festival de Sundance.

A curadoria do Persona conferiu todos eles, além das obras vencedoras e demais títulos que chamaram a atenção de Bruno Andrade, Enrico Souto, Raquel Dutra e Vitor Evangelista. O resultado dessa aventura você pode conferir abaixo, e em meio a experiências milagrosas, figuras históricas, lutas urgentes e muitas reflexões filosóficas, vale o aviso: não se esqueça que é tudo verdade.

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Nota Musical – Março de 2022

Arte retangular na cor vermelha escura. No canto direito está a caixa de um CD, este decorado por uma foto de quatro artistas: Charli, ROSALÍA, Karol Conká, e Miley com Anitta. No canto esquerdo, na parte superior, está escrito "nota musical" em branco, depois há a logo do Persona, um olho com a íris na mesma cor do fundo da imagem. Mais abaixo, está escrito em preto "março de 2022".
Destaques de Março de 2022: Charli XCX, ROSALÍA, Miley Cyrus & Anitta e Karol Conká (Foto: Reprodução/Arte: Vitória Vulcano)

O terceiro mês do ano foi o mais movimentado de 2022 até então. Entre perdas inestimáveis para o mundo da Música, o Brasil voltou a receber artistas nos palcos do Lollapalooza e o Oscar 2022 tomou parte, com destaque especial para as apresentações de Beyoncé, Billie Eilish e as do filme Encanto. Quem tomou as manchetes para si, entretanto, foi a morena misteriosa Anitta, que alcançou o posto de canção mais popular do mundo com Envolver

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Noturno é a luz, a penumbra e a sombra dos trajetos humanos

Fotografia retangular horizontal de Maria Bethânia. Ao fundo, vemos um ambiente escuro. Maria Bethânia ocupa quase toda a imagem. Ela é uma mulher de cabelos soltos e grisalhos, está sentada, veste roupas principalmente douradas, traz uma pena avermelhada sobre o peito, olha para frente e pendura a mão esquerda sobre o braço de uma poltrona feita aparentemente de madeira.
Dificilmente, um texto estará à altura de Maria Bethânia, mas falar da Abelha Rainha será sempre uma necessidade legítima (Foto: Jorge Bispo)

Eduardo Rota Hilário

Não há ser humano no mundo capaz de trilhar um caminho feito todo de luz. Justamente por sermos humanos, a complexidade nos acompanha dia após dia, guiando-nos sempre diante das surpresas e mistérios da vida. Partindo dessa lógica, nossa existência se faz um eterno e heterogêneo jogo de luzes, penumbras e sombras. Nossa Arte, por sua vez, apenas reflete essa humanidade multifacetada, criando possibilidades e universos únicos, por vezes até mais atraentes do que aquilo que, por convenção, resolvemos chamar de ‘realidade’. De todas essas questões, especificamente da última, Maria Bethânia entende bem.            

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As Mulheres do Grammy 2022

Onde estamos depois de tantas mudanças para contemplar as mulheres no lugar de reconhecimento mais importante da Música mundial? Uma seleção de 12 nomes para entender o passado, o presente e o futuro das mulheres no Grammy

Arte retangular. O fundo é lilás. No lado esquerdo, existe uma foto de Nathy Peluso. Ela é uma jovem branca, de cabelos castanhos presos, e usa uma franjinha sobre a testa. Nathy veste uma blusinha branca de alças e uma jaqueta preta por cima. Do lado esquerdo dela, existe uma foto de Olivia Rodrigo. Ela é uma jovem de cabelos castanhos longos e usa um vestido lilás. Ao lado dela, existe uma foto de H.E.R.. Ela é uma jove negra, de cabelos longos ondulados e pretos, e usa um vestido cor de vinho e óculos transparentes roxos. Por fim, no lado direito da imagem, existe uma foto de Arooj Aftab. Ela é uma mulher paquistanesa, de cabelos escuros curtos, e está usando uma jaqueta prateada.
O Persona preparou uma seleção de 12 artistas que se destacaram nas indicações do Grammy 2022, que se revela com uma temporada complexa para o avanço das mulheres na Música (Foto: Reprodução/Arte: Jho Brunhara/Texto de abertura: Raquel Dutra)

Se a edição de 2022 da premiação mais importante da Música mundial apresenta um cenário interessante para as mulheres, é como o resultado árduo de uma longa caminhada. Em 2019, o Grammy inaugurou um marco para as artistas reconhecidas pela Academia de Gravação sediada na Califórnia: vindo de um controverso 2018, onde era possível contar nos dedos de uma mão as artistas consideradas para as 4 categorias principais da premiação, assim como as dos gêneros de mais destaque, como rap, rock, R&B e country, a premiação se envergonhou de seu conservadorismo e atraso em se adaptar ao novo ambiente musical. Para trabalhar a situação, a premiação mudou sua forma de reconhecer “o melhor da Música”, ampliando o número de indicados em suas categorias centrais (o chamado ‘Big 4’: Álbum do Ano, Gravação do Ano, Canção do Ano e Artista Revelação) e instaurando comitês específicos para acompanhar as nomeações nichadas.

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Billie Eilish nos deixou mais felizes do que nunca

Capa do álbum Happier Than Ever. Nela, a cantora Billie Eilish está com os braços ao redor do seu corpo e o olhar voltado para cima, o fundo possui tom creme. Billie é uma jovem branca, loira, de cabelos lisos e compridos, ela veste uma blusa branca de mangas compridas, e está com os ombros aparentes. No seu rosto, lágrimas escorrem em suas bochechas. Ao lado direito, um pouco acima de sua cabeça, está escrito Happier Than Ever em letra cursiva branca.
Não surpreendendo ninguém, Billie Eilish vem com força no Grammy 2022, com 7 indicações ao todo (Foto: Darkroom)

Vitória Silva

O céu não é o limite para Billie Eilish. Aos 20 anos, a jovem californiana já coleciona 7 gramofones dourados, incluindo o da almejada categoria de Álbum do Ano, por seu disco de estreia. Mais recentemente, ainda celebrou um prêmio da Academia para a sua prateleira, sendo a primeira artista nascida nos anos 2000 a conseguir esse feito. No show business desde 2016, tudo que Billie Eilish Pirate Baird O’Connell toca vira ouro – e não é nem brincadeira. Sua grande máquina de sucessos, movimentada em conjunto com seu irmão FINNEAS, foi a responsável por lhe render a aclamação de WHEN WE ALL FALL ASLEEP, WHERE DO WE GO?. 

Após percorrer o lado mais sombrio de seus próprios pensamentos e sonhos perturbadores, Billie finalmente aterrissa em terra firme. Se emancipando dos delírios da juventude e a pose irreverente da adolescência, a cantora de fato assimilou a entrada da vida adulta em Happier Than Ever. E o ponto de partida do novo disco já apresenta essa comprovação: “Estou ficando mais velha, acho que estou bem/Gostaria que alguém tivesse me dito que estaria fazendo isso sozinha”

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star-crossed: a feliz tragédia de Kacey Musgraves

As míseras duas indicações ao Grammy 2022 colocam o novo disco de Kacey Musgraves num lugar não tão reluzente quanto o de seu antecessor, mas para a história da artista, é uma obra perfeitamente acertada (Foto: Jasmine Safaeian)

Raquel Dutra

O brilho dourado da juventude, do amor e do sucesso era o que reluzia em Kacey Musgraves desde 2018. Em seu quarto disco, a artista country se aproximou do pop para louvar o auge de sua vida e oportunamente nomeou o momento de Golden Hour. Superando seu nicho e os tabus de seu gênero, a glória da paixão plena e da ascensão da carreira a levou aos lugares de mais prestígio da Música, onde ela superou todas as adversidades e se consagrou como a detentora do Álbum do Ano no Grammy 2019. Mas nos anos seguintes, acabou-se o que era doce. O seu relacionamento com o também cantor country Ruston Kelly chegou ao fim em 2020 e a opulência de seu auge tão aclamado havia se desfeito na volatilidade da Indústria da Música. E agora, Kacey? Perguntaram-se as palavras da própria compositora, que ao fim de sua festa em 2021, assumiu para o mundo, ansioso pelo sucessor de seu melhor disco, tudo o que poderia entregar naquele momento: a sua era desafortunada. 

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Sin Miedo (del Amor y Otros Demonios) ∞ e a estética feminina “à la Maddy” de ser

Capa do álbum Sin Miedo (del amor y otros demonios). Nela, Kali Uchis aparece em um fundo de degradê rosa, em forma de anjo, abrindo suas asas preta e rosa. Por entre suas pernas, podemos observar um escrito circular em 3D: “Sin Miedo”.
Indicado ao Grammy 2022, Sin Miedo (del Amor y Otros Demonios) ∞ faz referência ao livro de Gabriel García Márquez que leva o mesmo nome [Foto: Interscope/EMI]
Gabriela Reimberg

Desde 2015, a cartilha do R&B contemporâneo trazida com The Weeknd em Beauty Behind the Madness vinha sendo seguida à risca por artistas como Drake, Ella Mai e H.E.R. — e funcionava bem, dada a imensa popularidade do gênero nos Estados Unidos. Mas faltava algo novo, inovador, que fosse além das batidas suavizadas do hip hop que todo mundo já conhecia, sabe? 

Foi essa onda de renovação que Kali Uchis trouxe quando lançou seu álbum de estreia, Isolation, uma obra com altas doses de personalidade e influências que passam por rock psicodélico, bossa nova, jazz, dream pop e reggaeton. Essa versatilidade de ritmos, agora marca registrada da cantora colombiana, foi levada adiante em Sin Miedo (del Amor y Otros Demonios) ∞, que, apesar de ser cantado inteiramente em espanhol, ganhou de primeira o coração dos estadunidenses ao dominar os charts do país — e do mundo — com o hit telepatía. 

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Shockwave: Marshmello está inerte em uma euforia viciante

Foto da capa do álbum Shockwave do DJ Marshmello. Na imagem, seu capacete branco de marshmallow está no centro, com os desenhos de olhos em formato de x e sorriso pintados em um roxo brilhante. Líquido branco está pulando detrás do capacete, respingando por todo o quadrado da imagem. No canto superior direito está escrito “Parental Advisory Explicit Content” em letras brancas claras.
O DJ americano vai ao Grammy 2022 com Shockwave indicado à Melhor Álbum Dance/Eletrônico (Foto: Joytime Collective)

Nathália Mendes

Shockwave é o primeiro álbum em que Marshmello cria uma concepção do começo ao fim. Depois da série de edições Joytime I, II e III,  Chris Comstock construiu uma obra para trabalhar sua identidade e contrariar quem superestima seu sucesso. O DJ de fato mostrou o entusiasmo frenético de sua essência, junto da habilidade em conversar com mais de um gênero eletrônico e estilo musical. Mas, seu disco indicado ao Grammy 2022 também está preso em um ciclo imutável de euforia – e isso é, na verdade, uma boa característica. 

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