“Eu tenho 76 anos e eu nunca aprendi uma lição em toda a minha vida”. Essa é uma fala de Larry David no último episódio da décima segunda temporada de Segura a Onda (Curb Your Enthusiasm, no original). Quando a série começou a passar na TV, em 2000, o cenário cultural dos Estados Unidos e do mundo era bem diferente. Desde então, os tempos mudaram, mas Larry não. A comédia concorre pela última vez ao Emmy 2024, em quatro categorias, inclusive a de Melhor Série de Comédia. Ela aparece consistentemente nas indicações da premiação desde o seu início, acumulando ao todo 55 indicações e – inexplicavelmente – apenas duas vitórias.
A terceira temporada de Hacksmantém o script das anteriores, com uma comédia metalinguística ancorada na amizade de Deborah Vance (Jean Smart) e Ava Daniels (Hannah Einbinder) que encontra, no drama pessoal da protagonista, a própria forma de fazer humor profissionalmente. Apesar das dinâmicas entre a dupla e das questões internas dos personagens funcionarem, a temporada demora para engrenar. Na dúvida se mantinham a fórmula vazia para gerar comicidade ou exploravam um caminho mais arriscado e profundo, os roteiristas deixaram boa parte da season inconstante. Por sorte, Lucia Aniello, Paul W. Downs e Jen Statsky reencontram o caminho do sucesso nos últimos episódios, o que garantiu várias indicações ao Emmy 2024, incluindo ao prêmio de Melhor Série de Comédia.
12 jurados participam de um julgamento relativamente simples nos Estados Unidos. Um funcionário versus uma empregadora que o acusa de destruir o patrimônio de sua empresa. Por lá, o júri é formado apenas por civis e é dever constitucional de cada um comparecer quando for convocado – então por que não filmar o processo? É assim que Ronald Gladden acaba entre o grupo de 12 pessoas da vez, com a promessa de participar de um documentário sobre esse rito da justiça no país. O que ele não sabe é que ele é o único que está lá com esse propósito: todo o resto, incluindo os outros 11 jurados, os agentes federais, o juiz, a acusadora e até o réu são uma mera armação para emboscá-lo nas situações mais constrangedoras possíveis.
Jury Duty já deixa o público ciente da grande pegadinha acontecendo ali desde o primeiro momento. Apesar de algo realmente estar sendo gravado naquela corte, não é nada parecido com um documentário. No entanto, ao invés de se escorar em um mero programa de chacotas que caçoa do protagonista desavisado, a série cresce justamente por causa da humanidade de Ronald. No estilo mockumentary, a estrela da produção (que sequer sabe que é o centro das atenções) encara o dia a dia do julgamento com a certeza de que tudo está sendo registrado, mas ignorante às reais intenções das câmeras.
Há cinco anos, The Marvelous Mrs. Maisel nos conta como é ser uma mulher comediante nos anos sessenta. Não apenas uma mulher, mas uma mulher divorciada que decide trabalhar. Não apenas trabalhar, mas trabalhar com comédia. O fim da série confirma que a produção sempre tentou trazer uma mensagem para além do que é conviver com o machismo, sendo sobre a possibilidade de quebrar as regras que a sociedade nos impõe – não porque se deve, mas porque se deseja. A produção conta uma história sobre ter coragem de fazer o que deve ser feito, para chegar nos lugares que se deseja, mesmo carregando um enorme fardo: ser uma mulher ambiciosa. Vencedora de vinte Emmys, este ano a produção chegou mais uma vez na premiação concorrendo a quatorze prêmios, incluindo Melhor Série de Comédia, e tornando-se uma das preferidas pelo seu brilhante desfecho.
A quarta e última temporada de Barry responde às perguntas existenciais levantadas pela obra até então e leva a história, que parecia estar em uma rua sem saída, ao seu desfecho. Seus momentos finais a consolidam como uma das melhores produções de televisão dos anos recentes. Os fãs da série estão na torcida para que esse seja o ano em que ela finalmente conquiste o título de Melhor Série de Comédia no Emmy2023, após três indicações nesta categoria, mas nenhuma vitória até então. O obstáculo é a concorrência pesadíssima da categoria, com Abbott Elementary, A Maravilhosa Sra. Maisel, Jury Duty, Only Murders in the Building, Ted Lasso, The Beare Wandinha.
Se você ver Jenna Ortega na tela do cinema, é muito provável que ela estará coberta de sangue. Batalhando por relevância no mundo hollywoodiano desde 2012 – e não demorando muito tempo para conquistá-la -, a norte-americana mostrou ser uma brilhante scream queen e atuou em papéis de grandes sucessos em 2022, sendo muito elogiada por Pânico 5 e X – A Marca da Morte. Sem decepcionar, a atriz guardou o melhor para o final e protagonizou uma das maiores produções da Netflix: Wandinha.
Emily em Paris, série de Comédia estrelada por Lily Collins, que interpreta a marketeira Emily Cooper, se passa quando, há alguns meses na cidade luz, novos dilemas aparecem no caminho da personagem. Mas nada muito preocupante. O seriado pode ser colocado na categoria de “Séries de Almoço”, aquelas de meia horinha, que assistimos com leveza, por puro entretenimento, sem precisar se preocupar com o conteúdo agregado de fato. Ou seja, a mais pura e bela distração. Se você procura por isso, a produção da Netflix é um prato cheio.
É sempre curioso observar a forma como a violência é veiculada no Audiovisual. Historicamente, a ideia de um assassino de aluguel deprimido não é tão inovadora; na realidade, continua explorada após décadas de representação em videogames e filmes de adaptação. A bem da verdade, é algo sempre deixado nas entrelinhas dos roteiros do gênero, cujas cenas finais giram em torno das redenções platônicas e apaixonadas dos frios matadores, que se rendem ao sentimentalismo e à reivindicação das próprias condições individuais (O Justiceiro [2004], Hitman [2007], Max Payne [2008]).
Parece estar imposta, de forma silenciosa, uma condição depressiva na qual o sentido reside na incansável busca pela “justiça” – improvável, abstrata, distante e egoísta. Mas é aqui que Barry se distancia de todas essas realizações: a condição melancólica do protagonista se estabelece, desde o princípio, como o mote para suas ações, e o ato de cometer os crimes visa, na verdade, preencher seus dias para que ele não pense nos problemas que envolvem sua condição existencial.
O segundo Emmy em tempos pandêmicos chegou e já foi embora. Com a retomada das atividades presenciais, sem máscaras à vista e com muitas vacinas no braço, o prêmio da Academia de TV adotou um formato mais intimista em 2021, coroando os melhores do ano sob a apresentação do rapper Cedric the Entertainer. A festa começou com um karaokê bem animado, na paródia de Just a Friend, em tributo a Biz Markie, falecido alguns meses atrás. O anfitrião puxou a canção, que foi entoada por uma porção dos nomeados da noite, incluindo os sempre estonteantes Anthony Anderson e Billy Porter.
Longe das reuniões em salas do Zoom e dos troféus entregues por funcionários vestidos como sobreviventes de um apocalipse nuclear, a edição de 2021 recebeu seus nomeados em dois lugares. Nos Estados Unidos estava a concentração de estrelas, enquanto o Reino Unido abrigava as joias da Coroa: boa parte do elenco de The Crown que, alerta de spoiler, quebrou uma porrada de recordes.
No ano em que uma maoria de artistas negros apareceu nas categorias de atuação, a Academia de Artes e Ciências da Televisão premiou 12 pessoas brancas, entre atores principais e coadjuvantes, nos campos de Drama, Comédia e Série Limitada. O retrocesso de diversidade acontece uma edição após a performance gloriosa de Watchmen, e no mesmo ano em que produções como Lovecraft Country, I May Destroy You, black-ish e The Underground Railroad se destacaram pela excelência técnica e artística.
Em Drama, The Crown se junta ao grupo de Angels in America e Schitt’s Creek, que agora são as três únicas séries a vencerem todas as categorias em uma noite. O episódio War, o final da quarta temporada, rendeu um prêmio de Roteiro (para o criador Peter Morgan) e outro de Direção (para Jessica Hobbs, em uma vitória histórica para as mulheres). Gillian Anderson (que foi perguntada, depois de vencer, se havia conversado com Margaret Thatcher sobre o papel na série) saiu como a Melhor Atriz Coadjuvante, enquanto a avalanche da Rainha premiou também o Ator Coadjuvante Tobias Menzies.
O grande favorito na disputa, entretanto, era Michael K. Williams, que morreu no começo do mês e entregou em Lovecraft Country uma das interpretações mais fortes do ano passado. Antes de anunciar o destino, Kerry Washington honrou o amigo, lembrando de sua luz e presença com amor e saudade. Sua derrota evidencia uma frequente nada positiva: depois do Oscar fazer uso da imagem de Chadwick Boseman para atrair audiência e, na sequência, premiar um ator branco em seu lugar, o Emmy faz igual.
O segmento In Memoriam, apresentado pela ternura de Uzo Aduba e guiado pelas cordas sensíveis de Jon Baptiste e Leon Bridges, finalizava-se com um depoimento em vídeo de Williams, discursando sobre a sustentação que atores negros criam um para o outro. No fim das contas, a diversidade da lista de 2021 foi propaganda enganosa. Tobias Menzies venceu um Emmy pelo papel quase imperceptível do Duque de Edimburgo na 4ª temporada de The Crown. Michael K. Williams viveu Montrose Freeman com a garra de um campeão, e morreu sem prêmio algum da Academia.
A categoria de Ator, que deveria reconhecer Billy Porter pelo ano final de Pose (que só venceu na cerimônia técnica), acabou chamando o nome de Josh O’Connor, que deu vida ao monstruoso Príncipe Charles. Seu par, a Lady Di de Emma Corrin, foi surpreendida pela zebra Olivia Colman, a Toda-Poderosa-Rainha. Assustada, surpresa, emocionada e galante, Colman discursou com o magnetismo que virou sua marca registrada, mas a amargura de não poder assistir Mj Rodriguez fazer história no palco da Academia é grande demais para sorrir do “Michaela Coel, fuck yeah!”, que Colman soltou logo após homenagear o pai, vítima da pandemia.
Na semana anterior, The Crown havia vencido um importante indicativo do apoio da Academia: o Emmy de Atriz Convidada, para Claire Foy, que retornou em um flashback como a jovem Rainha (o episódio em questão, 48:1, também rendeu o prêmio de Olivia Colman). Contrariando especialistas, Charles Dance perdeu a categoria de Ator, que premiou Courtney B. Vance, na única lembrança “grande” de Lovecraft Country.
Melhor Série de Drama, que ano após ano fecha a cerimônia, foi a penúltima das categorias anunciadas em 2021. Na acertada decisão de reconhecer o prestígio das Séries Limitadas, o Emmy finalmente se curvou à Netflix e chamou a equipe de The Crown ao palco britânico, rendendo à pioneira do streaming seu primeiro prêmio de Série. Viu? Só precisou de uma pandemia, de atrasos gigantescos de produção e da HBO quase que de folga, para a Netflix ganhar os prêmios grandes. De fato, a emissora do ‘Tudum’ conseguiu 44 estatuetas e se igualou a um recorde da CBS, que venceu o mesmo número em 1974.
A categoria de Série Limitada dividiu mais suas honras que a de Drama, mas ainda assim houve uma aglomeração na cidadezinha de Easttown. Kate Winslet, Julianne Nicholson e Evan Peters subiram ao palco, agradeceram à HBO e ao elenco formidável de Mare of Easttown, sensação de 2021. Winslet venceu uma década depois de triunfar por Mildred Pierce, outra original da HBO com quem ela faz par romântico com Guy Pearce. Nicholson e Peters, nas categorias de Coadjuvante, venceram os primeiros Emmys da carreira.
A zebra veio em Ator, com o Visão levando rasteira do estilista mais sexy da Netflix: o próprio Halston. Em mês de Met Gala, Ewan McGregor foi recompensado por sua atuação extravagante e deliciosa na minissérie de Ryan Murphy. Com apenas essa nomeação na noite principal, McGregor exibiu seu charme inebriante, e na quarta nomeação, adicionou um Emmy à estante.
O prêmio de Roteiro em Série Limitada nos mostrou que ainda há bem no mundo. Michaela Coel, que sangrou suas dores em toda a concepção de I May Destroy You, confirmou um dos favoritismos mais merecidos do ano, e discursou sua poesia bruta e sincera. A festa parecia estar indo muito bem, até que Scott Frank foi chamado para receber o troféu de Direção, por seu trabalho milimetricamente calculado na desgastada O Gambito da Rainha.
O discurso do diretor, que também criou e escreveu a série, se estendeu por três minutos e meio, e sua falta de carisma tornou a leitura do papel uma das experiências mais desgastantes de acompanhar na noite. Na mesma semana em que a Netflix é processada por uma enxadrista por difamação, Frank achou de bom tom evidenciar a força feminina da produção.
Quando um produtor subiu ao palco, no fim da noite, para receber o Emmy de Melhor Série Limitada ou Antologia, ninguém aguentava o homem branco falando de diversidade, além de reduzir a atriz principal, dizendo que “Anya Taylor-Joy trouxe o sexy de volta ao xadrez”. Que sonho seria se Beth Harmon estivesse ali presente, para de uma vez por todas, dar, a mais um de seus adversários machistas, um xeque-mate.
Nos prêmios fora dos gêneros grandes, Last Week Tonight with John Oliver venceu Programa de Entrevistas e Variedades e Roteiro no segmento. O Saturday Night Live ficou, para surpresa de ninguém, com a categoria de Série de Esquetes, enquanto o programa eleitoral de Stephen Colbert triunfou na categoria de Especial de Variedades (Ao Vivo). Na parte de Variedades (Pré-Gravado), não deu outra: Alexander Hamilton!O musical filmado do Disney+ adicionou o Emmy à prateleira que já conta com 11 Tonys, 1 Grammy e 1 Pulitzer.
Em Programa de Competição, RuPaul’s Drag Race venceu. RuPaul, premiado com seu 11º Emmy, se tornou a pessoa negra com mais estatuetas, e agradeceu à juventude, ao lado de Gottmik e Symone, os grandes destaques da décima terceira temporada do reality. A grandiosa Debbie Allen, atriz, diretora, coreógrafa e lenda da Televisão, foi homenageada com o Governors Award, prêmio que honra a excelência em carreiras. Allen se tornou a segunda pessoa negra a receber tal honraria, depois de Tyler Perry no ano passado, e a primeira mulher negra. No discurso, ela foi enfática: o futuro está na juventude.
Chegando, enfim, na parte de Comédia, o Emmy 2021 dividiu seus prêmios principais entre duas fortes produções. Hacks, original do HBO Max, ficou com Roteiro e Direção (marcando a primeira vez em 73 anos que diretoras vencem juntas em Comédia e Drama), além da vitória de Jean Smart como Melhor Atriz. Ovacionada, aplaudida de pé e feliz da vida com o reconhecimento de sua outra “família” (Mare of Easttown), Smart dedicou o Emmy ao marido, falecido meses atrás, no processo de filmagens da produção.
O resto dos troféus do gênero foi para Ted Lasso. Abrindo a noite, Hannah Waddingham e Brett Goldstein não esconderam o sorrisão ao ouvirem seus nomes chamados como os Melhores Coadjuvantes de 2021. O senso de companheirismo reinou na equipe esportiva da Apple TV+, que ainda foi celebrada em Melhor Ator (para o majestoso Jason Sudeikis) e em Melhor Série de Comédia, com direito a abraços e lágrimas, e claro, muito amor pelo AFC Richmond.
Com a promessa da diversidade, que ia da maioria negra em atuação principal de Drama à ascensão dos heróis, o Emmy 2021 jogou seguro. O conservadorismo dos votantes resultou na ausência de vitórias significativas para The Boys, The Mandalorian e WandaVision, expoentes da fantasia que lotaram a lista de indicados, para saírem com quase nada embaixo do braço.
A oportunidade de fazer história com vitórias de Billy Porter, Mj Rodriguez, Michael K. Williams e I May Destroy You não foi páreo para a familiaridade da Coroa britânica ou do olhar masculino que hipnotiza uma partida de xadrez. Que o Emmy melhore, que o Emmy evolua e que o Emmy mostre, na prática, que as minorias que eles insistem em chamar para perder, enfim merecem a vitória. Abaixo, você lê tudo que aconteceu na 73ª edição do Oscar da TV pelas palavras da Editoria do Persona, que mergulha no passado, presente e futuro da televisão, comemorando recordes e lamentando injustiças. Até logo, Emmy 2021.
Deborah Vance é uma comediante de quase 70 anos, pioneira do gênero no stand-upe com shows intocáveis em um grande cassino nas noites de Las Vegas. Suas piadas beiram a autodepreciação, escancarando o machismo e a misoginia por trás da comédia. Ava Daniels é uma jovem, roteirista, recém-cancelada e desempregada. Os sonhos de Ava em Los Angeles vão por água abaixo após um tweet de teor homofóbico envolvendo o filho de um senador. Já Deborah tem seu show fixo em um cassino de Las Vegas finalizado, contra sua vontade, após 2500 apresentações.