A fábula trágica de Spencer marca o fim da guerra de Diana

A Princesa Diana de Kristen Stewart foi o triunfo de Spencer no Oscar 2022 (Foto: NEON)

Raquel Dutra

Ela já foi muitas pessoas em muitas narrativas diferentes: Princesa Diana de Gales para a burocracia da realeza inglesa, Alteza Real para os súditos do sistema monárquico europeu, e Lady Di para a legião de admiradores fiéis de uma das figuras mais relevantes do século 20. Mas entre todas as suas identidades criadas, exploradas e eternizadas entre 1 de julho de 1961 e 31 de agosto de 1997, a que foi responsável pelo início de tudo ainda era olvidada – até setembro de 2021, quando na 78ª edição do Festival de Cinema de Veneza, o diretor Pablo Larraín fez surgir pela primeira vez a única face que ainda lhe era particular. Então, agora ela é Spencer.

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A Mão de Deus estava furada

Cena do filme A Mão de Deus. A cena mostra várias pessoas, brancas e de idades diversas, sentadas ao redor de um barco no mar. As pessoas estão usando roupa de banho e olham para uma pessoa, fora da imagem. Alguns estão maravilhados com o que vêem, outros, decepcionados. Ao fundo, vemos uma falésia
Depois de vencer um Oscar por A Grande Beleza, Paolo Sorrentino retorna à premiação com A Mão de Deus (Foto: Netflix)

Caio Machado

Mesmo quem não gosta, sabe reconhecer a importância do futebol na vida de milhões de pessoas ao redor do mundo. O esporte é capaz de unir paixões, reunir familiares e amigos, além de lotar estádios enormes durante jogos importantes. A Mão de Deus, um dos concorrentes a Melhor Filme Internacional no Oscar 2022, indica que irá refletir sobre sua influência na vida de seu protagonista, mas não sabe direito qual abordagem seguir em sua narrativa, o que resulta em uma obra apática, com poucas cenas boas em um todo sem alma.

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Sou feliz porque sei, com certeza, que ela me ama: 90 anos de Senhoritas em Uniforme

Cena do filme Senhoritas em Uniforme de Leontine Sagan. Nela está Fräulein von Bernburg, interpretada por Dorothea Wieck, e Manuela, interpretada por Hertha Thiele. Ambas são mulheres brancas e se encaram. Fräulein von Bernburg segura o rosto de Manuela com as mãos, inclinando-o para cima. A fotografia é em preto e branco com filtro granulado. Os tons escuros se esfumam junto do branco que parece brilhar. A proporção da tela é de 1.20:1.
Precursor do Cinema queer, Mädchen in Uniform (título original de Senhoritas em Uniforme) foi a estreia da curta filmografia de Leontine Sagan [Foto: Deutsche Film-Gemeinschaft]
Ayra Mori

1931, dentro de um internato, se deu o primeiro beijo lésbico reconhecido pela história da Sétima Arte. O título é honra, não dos tímidos beijos trocados por um casal de mulheres arlequinamente dançantes em Le départ d’Arlequin et de Pierrette (1900), da pioneira mãe do Cinema, Alice Guy-Blaché, ou do sex appeal de um beijo sáfico roubado por uma Marlene Dietrich andrógina em Marrocos (1930), mas sim, por direito, de Senhoritas em Uniforme (1931). Marco do audiovisual LGBTQIA+, a produção alemã determinou os destinos da ficção queer ao longo de seus 90 anos, revelando com sensibilidade o florescer do desejo lésbico. E realizado por uma equipe de mulheres, na desobediência, é alcançada a libertação.

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Ataque dos Cães adestra caubói na marra

Cena do filme Ataque dos Cães, mostra o caubói Phil com a mão no pescoço do jovem Peter. Phil é um homem branco, com barba escura e chapéu marrom, ele tem a pele suja. Peter, de costas, tem pele branca e cabelos pretos, e usa uma camisa branca.
Ataque dos Cães é um faroeste psicológico (Foto: Netflix)

Vitor Evangelista

Vinte e um anos atrás, Bronco Henry morreu. Estamos em 1925 e Phil (Benedict Cumberbatch), seu aprendiz, amigo e muito provavelmente amante, ainda não superou essa perda. Sua maneira de lidar com o luto é se tornando um completo babaca, abusivo com o irmão mais jovem e tóxico com seus funcionários do rancho em Montana. Sob a direção sempre alerta e nada ociosa de Jane Campion, a Netflix constrói no íntegro Ataque dos Cães um drama acrônico, atemporal.

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Nenhuma amnésia é o bastante para o Fruto da Memória

Cena do filme Fruto da Memória. A foto mostra um homem branco de cabelos grisalhos e sobretudo marrom no canto inferior esquerdo da imagem, de frente tirando uma foto com uma câmera polaroid antiga. No resto da imagem há uma vegetação verde-escuro desfocada.
Fruto da Memória foi exibido na seção Perspectiva Internacional da 45ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo (Foto: Synapse Distribution)

João Batista Signorelli

As memórias são fundamentais para a constituição da identidade humana. Se parte essencial de um indivíduo é construída a partir de suas experiências, o que acontece se ele perde o elo de sua mente com elas? Explorando as relações entre identidade e as lembranças, Fruto da Memória, coprodução entre a Grécia, Polônia e a Eslovênia exibida na 45ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo, apresenta uma pandemia onde qualquer um pode contrair uma amnésia repentina permanente, expondo a vulnerabilidade da identidade humana protegida pelas próprias recordações. 

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Seremos sempre incapazes de ouvir os gritos de Listen?

Cena do filme Listen. Na imagem, há uma mulher e um homem sentados com uma cadeira separando os dois. Na esquerda, a mulher está sentada olhando para o lado com uma expressão de ligeira aflição; ela é branca de cabelos loiros e usa uma blusa lilás e segura um casaco roxo entre as mãos que estão entrelaçadas em cima das pernas. No canto direito, o homem também olha para o lado com atenção; ele é branco com cabelos castanhos e barba branca por fazer, usa uma camiseta azul com jaqueta verde muito desgastada por cima, uma calça cinza e segura um lápis e um papel para anotar em cima das pernas. A cadeira que os separa é em madeira clara e estofado bege. O fundo é uma parede com a metade de cima em papel de parede azul e folhagens claras, e a parte de baixo é de madeira listrada branca.
Uma família de imigrantes sofre silenciosamente na luta contra a Segurança Social britânica em Listen, filme exibido na seção Perspectiva Internacional da 45ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo (Foto: Bando à Parte)

Nathália Mendes

Limpe bem seus ouvidos para assistir o drama português Listen exibido na 45ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo. Nele, a surdez nada tem a ver com a falta de audição, mas com a racional ignorância daqueles que ouvem muito bem. No longa escrito e dirigido por Ana Rocha Sousa, um casal de imigrantes portugueses tenta criar três filhos, sendo a do meio uma menina surda, e sobrevivendo de subempregos em uma dura Londres, até que o Serviço Social britânico tira as crianças de casa. É por esse duro retrato familiar que o longa pauta a silenciosa adoção forçada na Inglaterra.

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Vire-se, seus sonhos serão frutificados no Deserto Particular

Cena do filme Deserto Particular, mostra uma mulher dentro do carro, escuro e com apenas seu nariz e cabelo iluminados pelo poste da rua.
Submissão do nosso país para o Oscar 2022, Deserto Particular estreou na seção Mostra Brasil da 45ª Mostra de SP (Foto: Pandora Filmes)

Vitor Evangelista

A tarefa de selecionar, entre uma vastidão de olhares e marcas, um único filme para representar o país mundo afora não é nada fácil. Afinal, qual a fórmula secreta para a submissão perfeita? Quais atributos um longa nacional deve possuir para, de fato, ser o “mais brasileiro” possível? Em 2022, a missão é de Deserto Particular, bela produção comandada por Aly Muritiba e presente na seção Mostra Brasil da 45ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo.

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Bárbara Paz: um olhar sensível perante o mundo

 Foto de Bárbara Paz, mulher branca de olhos verdes e cabelo castanho escuro, em um fundo branco. Cabelo com coque bagunçado, pouca luz escura avermelhando seu corpo, blusa preta e cinza. Luz clara na região dos olhos.
O olhar de Bárbara Paz (Foto: Mauricio Nahas)

Lucas Lima

Dona de um sorriso encantador e com um olhar lindo e marcante, Bárbara Paz sabe, como ninguém, como a vida pode ser amarga e doce ao mesmo tempo. Tendo perdido o pai com 6 anos de idade, a mãe com 17 e, meses depois, sofrido um acidente de carro que a deixou com uma cicatriz no rosto, a artista conseguiu atingir os seus objetivos e chegar ao sucesso. Estudou, trabalhou e, após muitos ‘nãos’, foi, de pouco em pouco, em um trabalho árduo, conseguindo seu espaço e destaque no meio artístico.

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Pieces of a Woman, a fragmentação do feminino e os paradoxos patriarcais

A atuação brutal de Vanessa Kirby foi o que fez o filme não passar em branco pelo Oscar 2021, alcançando apenas uma indicação na categoria de Melhor Atriz (Foto: Netflix)

Raquel Dutra

E se eu te pedisse para imaginar o seu maior pico de amor, seu maior pico de adrenalina e seu maior pico de dor? Numa generalização grosseira, digo que provavelmente sua mente reconstituiria três momentos diferentes da sua vida, com um intervalo de tempo considerável entre eles. Acertei? Agora fazendo um recorte mais atencioso, se você for uma mulher, é muito mais provável que eu tenha errado minha previsão invasiva e que esses três momentos emocionalmente distintos sejam dolorosamente próximos para você. Tem espaço para os dois casos aqui, mas se você se enquadrar no segundo, é especialmente bem-vinda a Pieces of a Woman. 

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O Homem que Vendeu Sua Pele e a mulher que não negocia sua visão

O Homem que Vendeu Sua Pele (The Man Who Sold His Skin) é a primeira indicação da Tunísia ao Oscar (Foto: Cinétéléfilms)

Raquel Dutra

O nome dele é Sam Ali e o nome dela é Kaouther Ben Hania, e a riqueza metafórica de O Homem que Vendeu Sua Pele (الرجل الذي باع ظهره) é o lugar perfeito para criatura e criador se aproximarem, ao mesmo tempo em que se distanciam completamente. É algo realmente complexo, porque o terceiro longa-metragem da cineasta tunisiana cresce em muitas direções enquanto suscita reflexões críticas sobre cultura, política, sociedade, ética e arte, traz visibilidade para o Cinema do eixo Oriente Médio – Norte da África e faz história no Oscar 2021.

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