Não é de hoje que histórias sobre relações familiares costumam dar as caras na temporada de premiações da indústria cinematográfica. Em anos anteriores, filmes como Lady Bird e Boyhood figuraram entre os vencedores e indicados em diversas categorias. Essa tendência já é esperada especialmente pela cerimônia da Academia, com o conhecido Oscar Bait, que configura obras com padrões historicamente amigáveis pela premiação.
A cota de drama familiar desse ano ficou nas mãos de Era uma vez um sonho. Ambientada na região dos Apalaches nos Estados Unidos, a narrativa acompanha o estudante de Direito James David Vance (Gabriel Basso), que é obrigado a reviver o passado traumático de sua família ao ter que retornar para a sua cidade natal após sua mãe, Bev (Amy Adams), ter uma overdose.
“Você pode me dizer o que é um concerto?”“Então, é basicamente essa peça que tem um solista e um conjunto, uma orquestra. Os dois estão conversando”. Documentário em curta com direção de Ben Proudfoot e Kris Bowers e distribuído pelo The New York Times, A Concerto Is a Conversation toca no íntimo da alma de maneira despropositada, exibindo muito afeto na conversa entre duas gerações diferentes. A história nos faz refletir sobre a importância daqueles que vieram antes de nós e do conhecimento sobre o passado.
Filmes com animais falantes podem ter enredos artificiais e forçados, como é O Zelador Animal. Outros conseguem atrair o público genuinamente, tal qual Dr. Dolittle, de forma que não seja necessário um reboot. Mas não é o caso de O Grande Ivan (The One and Only Ivan, no original). Neste novo projeto, a Disney consegue oferecer uma história leve, divertida e descontraída sobre um tema extremamente sensível e alvo de diversas controvérsias: a presença de animais em circos.
Mais um mês se foi e, com ele, o pior março de nossas vidas. A pandemia ainda assombra o cotidiano brasileiro e, mais do que nunca, é necessário ficar em casa. Assim, para sobreviver à solidão das paredes dos nossos lares, contamos com o abraço reconfortante da cultura. E, neste mês, as doses foram intensas. Primeiro, elas finalmente chegaram: as indicações ao Oscar 2021. A grande maioria dos nomes já eram esperados e conhecidos, mas março trouxe consigo o filme que faltava para riscarmos de nossas checklists. Meu Pai, protagonizado por Anthony Hopkins e Olivia Colman, garantiu a vaga em 6 categorias da estatueta dourada e conta com uma das melhores interpretações da carreira de Hopkins.
Além dos prêmios, o mundo do Cinema veio recheado. Depois das súplicas ensurdecedoras dos fãs, o Snyder Cut está entre nós. A versão esquecida de Zack Snyder de sua Liga da Justiça veio, por bem ou por mal, para preencher nossos corações. O Disney+ também arriscou no modelo de aluguel e lançou Raya e o Último Dragãopela facada de R$ 69,90 na mensalidade do serviço. Do outro lado dos streamings, a concorrente Netflix não poupou seus lançamentos: tivemos produção nacional em Cabras da Peste, documentário do ícone Notorious B.I.G., Silenciadas e suas bruxas modernas e até um jovem grito feminista com as meninas de Moxie.
Eddie Murphy resolveu, depois de 33 anos, retornar ao papel da realeza de Zamunda e Um Príncipe em Nova York 2 deu mais um original para a Amazon Prime chamar de seu. Sobrou até para os monstros: Adam Wingard botou King Kong e Godzilla para brigar e, infelizmente, ainda não podemos assistir o confronto da tela do cinema. Não que a TV esteja nos decepcionando – WandaVision se despediu, mas já estamos nos habituando com as cenas de ações de Falcão e o Soldado Invernal. Oprah pautou mais uma polêmica do mundo dos famosos e sua entrevista com o príncipe Harry e Meghan Markle rendeu mais intrigas para a família real britânica.
Ficou curioso? O Cineclube Persona de Março juntou tudo isso e muito mais entre os principais lançamentos audiovisuais que chegaram até nós. Opiniões, críticas, palmas e muita gritaria nas palavras minuciosamente escolhidas pela Editoria e pelos colaboradores do Persona no maior post do mês. Confere aí!
Latasha Harlins, uma jovem preta de 15 anos, morava em Los Angeles e alimentava grandes sonhos, como o de ser advogada. A menina morava com sua avó e sua melhor amiga, que também era sua prima. No dia 16 de março de 1991, os sonhos e a vida de Latasha foram arrancados por menos de dois dólares. Após a sua morte, seu nome também foi citado nos protestos dos distúrbios de Los Angeles em 1992, que reivindicavam sobre o julgamento do caso Rodney King. Depois de 30 anos da morte da garota, Uma Canção para Latashaconta sua história em uma curta documentário chocante.
Feeling Through é um filme de emoções à flor-da-pele. O curta-metragem sensibiliza pelo tema e condução, narrando o encontro noturno de um jovem sem-teto e um homem surdo-cego que precisa de ajuda para pegar o ônibus e ir pra casa. Parece sensacionalista e barato, eu sei, mas o comando pessoal de Doug Roland torna esse indicado ao Oscar 2021 um vigoroso estudo de representatividade e do íntimo humano.
O prêmio dos Sindicato dos Atores de Hollywood foi um bocado diferente em 2021. Começando pelos atrasos, consequência da pandemia, a premiação teve sua data inicial roubada pelo Grammy. A Academia de Música clamou para si aquele 14 de março, jogando o SAG para a primeira semana de abril.
Depois da exibição virtual do Globo de Ouro, o Sindicato decidiu que não faria sua entrega de troféus ao vivo, e sim gravaria com alguns dias de antecedência. No Dia da Mentira, começaram a rolar listas de supostos vencedores do ‘Actor’, como é apelidada a honraria. A singela cerimônia tomou parte na noite de domingo, 4 de abril, e rendeu 7 troféus à Netflix, destaque máximo de 2021. Com apenas uma hora de duração, a 27ª edição do SAG foi corrida, carente do charme característico do evento ao vivo e, no fim das contas, sem nenhum momento realmente marcante.
Esse ano, o Elenco majoritariamente branco e exclusivamente masculino de Os 7 de Chicago venceu o maior prêmio da noite. Batendo as equipes etnicamente diversas de Minari, A Voz Suprema do Blues, Destacamento Blood e Uma Noite em Miami…, o filme de Aaron Sorkin finalmente venceu algo grande, depois de ver o Sindicato dos Roteiristas premiar Bela Vingança, o dos Produtores chamar ao palco (virtual) Nomadlande o nome do diretor não aparecer na lista final do Oscar.
Se os pálidos de Chicago vigoraram na categoria principal, pela primeira vez na história os ganhadores de atuação foram apenas atores não-brancos. A dupla dinâmica de A Voz Suprema do Blues venceu Ator e Atriz. Chadwick continuou sua varredura até a noite do Oscar, mas o prêmio de Viola Davis foi uma baita surpresa. A veterana, que encarna Ma Rainey com uma eficácia divina, não havia ganhado nenhum precursor até agora, e bota lenha na categoria. O próximo passo até o Oscar é o BAFTA, onde apenas Frances McDormand e Vanessa Kirby (das nomeadas à Academia) podem vencer.
Outro que continuou na onda dos prêmios vencidos foi Daniel Kaluuya. O Melhor Ator Coadjuvante do ano foi agraciado por sua atuação no visceral Judas e o Messias Negro, onde interpreta Fred Hampton, um das figuras mais importantes do movimento dos Panteras Negras. Em Atriz Coadjuvante, foi a vez de Yuh-Jung Youn se colocar com força na corrida para o Oscar. A vovó de Minari bateu sua principal concorrente, Maria Bakalova por Borat 2, e agora tem a vantagem para 25 de abril. Continuando a onda dos filmes de heróis perseverando na categoria de Dublês, Mulher Maravilha 1984 ganhou em 2021.
Na parte da TV, a Netflix confirmou uma porção de favoritismos. The Crown venceu Melhor Elenco em Drama pelo segundo ano consecutivo, se colocando na ponta da lista de apostas para o Emmy de setembro. Em Atriz, as 5 nomeadas representavam apenas 2 séries, é claro, da Netflix. Gillian Anderson colocou a competição no bolso, botando a Rainha, Lady Di e a dupla de Ozarkpara comer poeira. E falando em Ozark, Jason Bateman também comemorou um bicampeonato, vencendo o SAG de Ator em Drama.
As categorias de Comédia continuaram o jogo de batata-quente que Schitt’s Creeke Ted Lasso vem fazendo por todo o ano. A série canadense venceu Elenco e Atriz para Catherine O’Hara, enquanto a original da Apple TV+ coroou Jason Sudeikis como o Melhor Ator em Série de Comédia. O Screen Actor Guild Awards foi o último dos prêmios de Schitt’s Creek, que se despede da temporada vencendo tudo que teve chance.
Anya Taylor-Joy, por O Gambito da Rainha, continua sua caminhada até o Emmy de Atriz em Minissérie, enquanto Mark Ruffalo finaliza sua longa jornada. O Hulk já havia vencido o Emmy e o Globo de Ouro por sua performance em dose dupla em I Know This Much Is True. Ruffalo agora abre alas para outro ator dominar a categoria em setembro, na maior premiação da TV. Na parte de Dublês em Série, campo dominado por Game of Thrones na última década, The Mandalorian foi coroado.
Premiando apenas categorias de atuação individual, elencos e equipes de coreografias, o SAG tenta abrir espaço para o reconhecimento dos Dublês no Oscar, mas a burocracia impossibilita a agilidade do processo. A edição de 2021 reuniu seus indicados por formato (comédia, minissérie, drama), misturando homens e mulheres na mesma conferência online. Os discursos não passavam de 90 segundos, e os próprios atores apresentavam uns aos outros, reacendendo a chama de proximidade do Sindicato dos Atores.
O SAG 2021 foi pouco memorável, mas rendeu a distribuição mais justa dos prêmios até agora. Acendendo o fogo para o Oscar no fim do mês e pavimentando favoritos até o longínquo Emmy, o Sindicato dos Atores rendeu um Cineclube Especial, assinado pela Editoria do Persona, discutindo os indicados, os vencedores, as tendências e os novos recordes. Vida longa ao SAG, o prêmio com a estatueta mais bonita dos Estados Unidos da América.
Quem nunca teve um sonho confuso, em que formas geométricas, cores e diálogos aleatórios tomam conta de sua noite e fazem você passar o dia, se não a semana, inteiro tentando decifrá-lo? Genius Loci trouxe a vida todos esses sentimentos caóticos durante uma noite na cidade parisiense. O curta-metragem conta a história de Reine, uma jovem francesa, que vive uma viagem metafísica e descobre, em meio ao caos urbano, uma entidade viva que se torna o seu guia espiritual pela noite.
Nesse oceano infinito de informações que é a internet não faltam aquelas imagens de WhatsApp motivacionais com citações de celebridades ou personalidades famosas tratando com otimismo o inevitável envelhecimento do ser humano. Em contraponto, o comportamento social regularmente observado não poderia ser mais diferente: cada passagem de ano, seja para um cinquentão ou um adolescente, equivale a ter mais uma parte de sua juventude roubada, e a andar mais um passo em direção ao buraco da velhice. Em meio esse um otimismo saturado e pouco eficiente para uma população cada vez mais sem perspectiva, Agente Duploé um antídoto para a contradição do envelhecer contemporâneo, uma medicação sem efeitos colaterais.
Atemporal. Não há como assistir Silenciadas, nova aquisição da Netflix, sem conectar as acusações de bruxaria com os julgamentos que as mulheres sofrem até hoje. Em 1609, no País Basco, extremo norte da Espanha, a Santa Inquisição reprimia a cultura basca e queimava mulheres vivas. Desesperados em conhecer o sabbat, um suposto ritual de invocação do demônio, os inquisidores encontram um grupo de garotas geniais que oferecem a bruxaria que eles ardentemente desejavam assistir. Com a protagonização de Ana (Amaia Aberasturi), a tentativa das garotas em escapar da fogueira é uma performance belíssima.