Assistimos a história ser feita no sensível Feeling Through

Cena do curta Feeling Through. Nela, vemos Artie e Terek dentro de um ônibus. Artie, um homem branco, careca, cego e surdo, segura Terek, jovem negro, pelos braços, num sinal de agradecimento. Artie está de olhos fechados, usa touca cinza e jaqueta bege. Terek tem o cabelo preto, usa jaqueta verde e vemos uma das alças azul de sua mochila.
Feeling Through foi indicado ao Oscar 2021 na categoria de Melhor Curta-Metragem em Live Action, competindo com The Letter Room e Two Distant Strangers (Foto: Reprodução)

Vitor Evangelista

Feeling Through é um filme de emoções à flor-da-pele. O curta-metragem sensibiliza pelo tema e condução, narrando o encontro noturno de um jovem sem-teto e um homem surdo-cego que precisa de ajuda para pegar o ônibus e ir pra casa. Parece sensacionalista e barato, eu sei, mas o comando pessoal de Doug Roland torna esse indicado ao Oscar 2021 um vigoroso estudo de representatividade e do íntimo humano.

Presente na lista de Melhor Curta-Metragem em Live Action da 93ª edição dos prêmios da Academia, Feeling Through fez história ao escalar pela primeira vez um ator surdo-cego em seu elenco. No ano em que O Som do Silêncio apareceu com força nas categorias principais do Oscar, é gratificante ver esse curta representando a comunidade surda, ampliando a discussão e explorando a diversidade de atores que fazem parte dela.

Cena do curta Feeling Through. Nela, vemos Terek e Artie andando de braços dados numa rua. Artie, um homem branco, careca, cego e surdo, segura Terek, jovem negro, no braço. Está de noite, Artie guia sua longa bengala branca. Ao lado deles, na rua, vemos objetos laranjas e brancos separando a rua da calçada.
Feeling Through é o exemplo perfeito da representatividade feita de maneira certa, com profissionais surdos, muita inclusão e atenção aos detalhes e demandas da comunidade com que o filme trabalha (Foto: Reprodução)

Disponível no YouTube através do canal Omeleto, Feeling Through ainda ganhou um documentário em curta-metragem para enriquecer o escopo da obra. Acontece que a história do encontro noturno foi baseada num evento da vida real do diretor Doug Roland. Por volta de 2011, ele topou com um homem surdo-cego, Artemio, e passou anos procurando ele, até que desenvolveu a ideia do curta.

O documentário acompanha o processo de pré-produção de Feeling Through, a escalação de Robert Tarango no papel de Artie, e as dificuldades iniciais de comunicação. O segmento final se dedica ao reencontro do diretor com o Artie da vida real. Por melhores que fossem as intenções de Doug Roland ao fazer o filme, sua aproximação com a comunidade revela uma precariedade e falta de preparação.

O coração de Feeling Through bate mais forte pela ideia de recompensar Roland, um homem branco, ao contar a história e iluminar com os holofotes do Cinema essa parcela minoritária da sociedade, que raramente tem acesso ao lado comercial da área. Ele não sabe se comunicar em língua de sinais, mesmo tendo passado anos desenvolvendo um projeto com alguém surdo-cego no centro e na essência. Roland tampouco sabe falar espanhol, e depende do Google Tradutor na hora que vai até a casa de Artemio contar a ele sobre o projeto cinematográfico.

É necessário que histórias do gênero sejam contadas, mas o ego do diretor parece ficar no caminho. O que não é um problema gritante quando contemplamos o formato final de Feeling Through. Os dezoito minutos de duração expressam um carinho inestimável pelo assunto e pelo personagem interpretado com o brilho de Robert Tarango, que não nasceu cego, mas foi perdendo a visão ao longo dos anos e atualmente é considerado ‘legalmente cego’. O documentário celebra as conquistas do ator estreante, que vibrou com o telefonema que anunciou sua escalação.

Feeling Through pode parecer que cairá na miséria e no pornô de tristeza, explorando gratuitamente a deficiência do personagem. Terek, o protagonista que representa o diretor, é vivido pelo ator negro Steven Prescod, e suas hesitações e motivações justificam o posicionamento do curta. A melodramática montagem recheia silêncios aguados entre as cenas em que Terek e Artie falam um com o outro através de um maltrapilho bloco de notas.

O choro entalado de Feeling Through é extra filme. As sensações de acompanhar uma situação de tamanha vulnerabilidade, rotineira na vida de ambos personagens que acompanhamos naquele ponto de ônibus, pode despertar em quem assiste um senso de dó. Preceito pobre, se considerarmos o papel da Arte de nos incomodar e fugir do clichê, todavia que se justifica pelo caráter ególatra do cineasta responsável pela obra. 

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