Borat: Fita de Cinema Seguinte mostra que a comédia vai além de risadas

Sacha Baron Cohen, um homem branco de 50 anos, está à esquerda da imagem, usando um paletó cinza, cabelos curtas escuros e bigode grosso escuro. Em suas mãos, possui uma placa com os escrito "US+A PLEASE ACCEPT GIFT". À direita, uma pessoa está embrulhada em um papel de presente listrado nas cores azul, amarelo e branco. De fundo, está a Casa Branca, dos Estados Unidos.
Jagshemash! – expressão utilizada por Borat provinda do polonês “Jak sie masz” que quer dizer “olá, como você está?” (Foto: Reprodução)

Vitor Tenca

No longínquo ano de 2006, um jornalista cazaque recebia a missão de gravar um documentário em solo americano, com o intuito de trazer costumes e conhecimentos de uma nação “mais avançada” para seu país natal. No entanto, digamos que os resultados não saíram conforme o esperado. Em Borat – O Segundo Melhor Repórter do Glorioso País Cazaquistão Viaja à América, que só foi lançado no Brasil em 2007, nosso querido jornalista, mais conhecido como Borat Sagdiyev, sofreu algumas represálias diante o fracasso nacional da produção, desde humilhação em público, cassação de seu direito jornalístico e até o sentenciamento à prisão perpétua nos gulags do Cazaquistão. 

(In)felizmente, suas missões não pararam por aí. Borat: Fita de Cinema Seguinte, fruto da Amazon Prime Video, vem, em 2020, nos mostrar o porquê do personagem interpretado – ou melhor dizendo, vivido – por Sacha Baron Cohen precisar viajar para os EU e A novamente, dessa vez para aproximar seus líderes ao glorioso McDonald Trump: o responsável por restaurar todos os valores do americano de bem. E, mais uma vez, lá ia nosso esquisito repórter em direção as terras ianques, levando consigo o Ministro da Cultura, Johnny the Monkey – exatamente, um macaco – como presente para aproximar os dois países em níveis diplomáticos. 

O protagonista logo de cara precisa redescobrir a América, mesmo que a América já conheça ele. No estilo de mockumentary, Sacha, que também produz o filme ao lado de Anthony Hines e Monica Levinson, utiliza das novas tecnologias e da própria mudança dos tempos a seu favor – temos agora um Borat mais moderno, que consegue mesclar seus ideais preconceituosos de forma mais fácil e escancarada com a sociedade. Porém, ele não faz nada disso sozinho.

Sacha Baron Cohen está no centro da imagem. Podemos ver sua figura do peito para cima. Ele usa um paletó cinza, com gravata bege e camisa cinza. Ele possui cabelos curtos escuros e um bigode grosso escuro. Ao fundo, uma rua com casas e árvores.
Wawawhewah! – é o que reporter costuma falar com surpresa (Foto: Reprodução)

Você se lembra do macaco Johnny, mencionado agora há pouco? Pois é, infelizmente, ele morreu para saciar a fome de Tutar Sagdiyev, filha de Borat. Dessa forma, a missão sofre uma reviravolta e o objetivo de nosso personagem principal agora é de entregar sua filha para algum dos grandes amigos de Trump. Como muitos desses aliados estão – coincidentemente – presos, sobram apenas alguns nomes à altura, como Mike Pence e Rudy Giuliani. Para isso, o que seria uma missão começa a se tornar rapidamente uma sátira dos valores “modernos” de uma sociedade civilizada – the greatest country in the world!

A atuação da coadjuvante, Maria Bakalova (possível candidata ao Oscar 2021), se mostra tão perfeita quanto a de Sacha, que mescla a ingenuidade da família com a ironia fortemente presente nos 93 minutos de tela rolando. O ponto principal que a dupla resolve satirizar é a relação de como as mulheres são tratadas em regiões de costumes orientais, sem muita liberdade e respeito, assim como mostra o “Manual do Proprietário de Filha”. Mas, engana-se quem acha que eles param por aí – os dois também fazem questão de mostrar o que acontece no outro hemisfério, que possui quase os mesmos efeitos opressivos, por meio de cirurgias estéticas e éticas de conduta. 

Nesse meio tempo, um elemento de Borat: Fita de Cinema Seguinte se destaca: os quadros gravados em ambientes públicos, que reforçam a ideia do method acting e seus personagens que não saem do papel em hipótese alguma. Da constante loja de fax – método de comunicação com os líderes do Cazaquistão – à bailes e confeitarias, nos deparamos com os momentos mais hilários e vergonhosos ao mesmo tempo, com o destaque para a cena numa clínica para mulheres, onde Borat tenta explicar a um pastor porque ele deveria retirar o bebê que concedeu a sua filha em momentos de prazer (calma, não é isso que você está pensando).

Sacha Baron Cohen e Maria Bakalova, pessoas brancas, correm por uma calçada. Sacha usa peruca e barba falsa, ambas loiras-claro. Ele veste uma espécide maio vermelho e rosa, cueca branca e meias nos pés. Maria usa um vestido verde-claro até as coxas. Seus cabelos são compridos e loiros.
Borat: Fita de Cinema Seguinte foi outro marco no ano dos streamings (Foto: Reprodução)

E enquanto a missão ia se sucedendo, cada vez mais se abria oportunidade pro ridículo. É num Comício Republicano que o repórter disfarçado de Trump oferece sua filha como presente para Michael Pence – que discursava sobre como o Presidente estava preparado para a pandemia em meio aos gritos raivosos de seus seguidores. No entanto, a recepção não foi tão calorosa assim. No dia primeiro de dezembro de 2020, são exatas 269.234 vidas que foram tomadas por um vírus em solo estadunidense e, durante todo o filme, diversas são as vozes que negam, ridicularizam ou mesmo menosprezam esse fato.

Logo em seguida o plano Giuliani cai em seu colo, dando início a uma nova etapa do filme. O grande plano seria fazer Tutar passar por cirurgias plásticas para que pudesse ser aceita pelo advogado de Trump, porém, é aí que a garota descobre todas as mentiras de seu pai, tomando seu próprio rumo daqui em diante. A partir disso, Borat viria a se encontrar com pessoas tão malucas quanto ele e que reforçam seus ideais preconceituosos e limitados.

E então somos apresentados ao verdadeiro terror em meio a um filme de comédia como Borat: Fita de Cinema Seguinte, visto que não existem filtros nem barreiras que separam o homem kazaky estigmatizado do homem comum americano. Na tentativa de se reencontrar com sua filha, o personagem principal performa para um público anti-lockdown, em meio a sua cantoria sobre QAnon e a invenção liberal do coronavírus, e vemos na plateia inúmeros aplausos, risadas e até saudações nazistas – um dos momentos mais chocantes de todo o longa.

Sacha Baron e Maria Bakalova vestem roupas formais. Ele, com cabelos loiros e barba loira, está de terno preto, com uma gravata borboleta branca e uma rosa vermelha no bolso. Ela usa um vestido creme de tule.
Chenquieh! – outra expressão utilizada por Borat provinda do polonês, que quer dizer “obrigado” (Foto: Reprodução)

Tutar, agora seguindo os passos do pai como jornalista, decide se encontrar com Rudy Giuliani para completar a missão inicial e prevenir sua punição na terra natal. Uma cena que mata qualquer espectador de vergonha e que consegue, ao mesmo tempo, nos deixar roendo as unhas com todas as câmeras escondidas. Tomando um rumo perigoso quando Bakalova leva Giuliani para o quarto após a gravação, Sacha Baron, no seu melhor papel de ator-produtor, a socorre, dizendo que precisava cuidar da segurança da atriz (que no universo do filme possuía apenas 15 anos).

Sem sombra de dúvidas que esses ataques a líderes políticos não passariam batido. Donald Trump pronunciou seu descontentamento com o filme e com o ator: “Eu não acho ele engraçado. Para mim, ele é detestável”, disse o ex- presidente em seu Twitter. De qualquer forma, o ator britânico não deixou de retrucar: “Donald, eu aprecio a publicidade grátis para ‘Borat’. Eu admito, também não te acho engraçado. Mas o mundo inteiro ri de você mesmo assim”. Além disso, o advogado Rudy Giuliani se pronunciou dizendo que as imagens do filme em que aparecem foram manipuladas.

Após perceber seu amor pela filha e preferir suas punições do que deixá-la com um estranho, Borat e Tutar voltam para o Cazaquistão, apenas para descobrir o maior plot twist da Borat: Fita de Cinema Seguinte: na verdade, o protagonista era o próprio coronavírus. Como moeda de troca, a terceira e o quarto melhor repórter do Cazaquistão fazem questão de mudar algumas coisas por lá. Agora, o país é uma nação feminista e faz parte da comunidade global, sem contar no novo feriado, Corre do Americano. “Que o patriarcado vá para o inferno! Nice!” 

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