Licorice Pizza: os amores possíveis sob o olhar de Paul Thomas Anderson

Cena do filme Licorice Pizza. Na imagem retangular colorida, os atores Cooper Hoffman e Alana Haim correm lado a lado. Cooper é um jovem branco, possui cabelos ruivos e olhos castanhos, e veste uma camisa azul de mangas curtas, uma camiseta de cor branca e uma calça bege. Ele está com a cabeça inclinada para a esquerda, olhando para Alana. Ela é uma mulher branca, possui cabelos castanhos e olhos azuis, e veste um cropped com estampas floridas, de cores roxas, azul e branco. Os dois estão sorrindo com os dentes à mostra, e ao fundo há um campo de cor verde.
Indicado em três categorias no Oscar 2022, Licorice Pizza é uma reflexão sobre crescer e viver em um mundo problemático (Foto: Universal Pictures)

Bruno Andrade

No início dos anos 1970, os Estados Unidos começaram a receber as primeiras respostas negativas à efervescência cultural que se deu na década anterior. Após as aberturas políticas e libertárias que se estabeleceram como força motriz da sociedade civil organizada – além de manifestações políticas profícuas e históricas –, o país começou a enfrentar uma diminuição do interesse público nas políticas liberais e de contracultura. Na esteira, ainda estava por vir a quebra da coletividade e do bem comum que nortearam os ideais hippies anos antes. O neoliberalismo ganhou força popular, Richard Nixon chegou à presidência (1969-1974) e o culto da imagem se estabeleceu – algo que Guy Debord já alertava em A Sociedade do Espetáculo (1967). Mas ao contrário do que se pode imaginar, quando nada pode acontecer, tudo é possível de novo.

Esse é o caótico cenário cultural de Licorice Pizza, 9º filme do diretor Paul Thomas Anderson (PTA), estrelado por Cooper Hoffman e Alana Haim, ambos estreantes em longa-metragens. Lançado nos EUA em novembro de 2021, a trama traz Gary Valentine (Hoffman), um jovem ator de 15 anos com verve de pequeno empreendedor, e Alana Kane (Haim), uma mulher de 25 anos perdida sobre o futuro, vivendo em meio aos conflitos sociais – e geracionais – de 1973. A obra concorre no Oscar 2022 como Melhor Filme, Melhor Direção e Melhor Roteiro Original – categoria em que é um dos favoritos à estatueta.

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King Richard: o manual para criar campeãs

Cena do filme King Richard: Criando Campeãs, na imagem estão Jon Bernthal (Rick Macci), Will Smith (Richard), Saniyya Sidney (Venus) e Demi Singleton (Serena). Rick tem a pele branca, seus cabelos são curtos e lisos e de tons castanho escuro, veste uma bermuda branca curta, camisa polo azul escura com detalhes brancos e vermelhos e segura uma raquete. Richard é negro, tem barba grisalha, seus cabelos são curtos, crespos e grisalhos, veste camisa polo rosa, bermuda vermelha, meias brancas longas e tênis esportivo. Venus é negra, seus cabelos são pretos, médios, crespos e enrolados em pequenos twistys, veste uma camisa branca, short com listras vermelhas e brancas. Serena é negra, seus cabelos são pretos, curtos e tranças nagô, veste uma camisa branca, short com listras amarelas e brancas. Eles estão em uma quadra de tênis.
King Richard: Criando Campeãs disputa 6 categorias do Oscar 2022 (Foto: Warner Bros. Pictures)

Nathalia Tetzner e Thuani Barbosa

“Se você fracassar em planejar, planeje-se para o fracasso”. Richard Williams começou o planejamento do sucesso para suas filhas dois anos antes delas nascerem, e se fosse necessário resumi-lo em uma palavra, seria “determinação”. King Richard: Criando Campeãs foi produzido pela Warner Bros. Pictures, e chegou às salas de cinema e ao HBO Max no final de 2021. O filme biográfico sobre o pai de Venus e Serena Williams, grandes sucessos do tênis, proporciona ao público a chance de entender como uma família do subúrbio de Compton conseguiu produzir duas das maiores jogadoras de um esporte ainda tão elitista. De olho no Oscar 2022, a obra garantiu indicações nas principais categorias, incluindo Melhor Filme e Melhor Ator.

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A Tragédia de Macbeth: a culpa pesa mais do que a coroa

Cena em branco e preto do filme a tragédia de macbeth apresenta Macbeth, um homem negro de meia idade, vestindo uma camisa clara, uma calça e uma bota, sentado na cama e olhando pra cima. Os únicos objetos da imagem são a cama e uma cortina branca no canto direito. A imagem é escura e a única fonte de luz vem da lateral direita.
A Tragédia de Macbeth apresenta uma trama repleta de bruxaria, ganância e vingança e chega concorrendo a três categorias no Oscar 2022 (Foto: A24)

Gabriel Gatti

William Shakespeare foi um grande dramaturgo nascido no século XVI, e chegou a publicar cerca de 40 obras, que acabaram sendo amplamente revisitadas ao longo dos séculos. Como é o caso de Macbeth, uma tragédia medieval sobre ganância e culpa que rendeu uma série de adaptações cinematográficas. Dentro dessa ampla gama de subprodutos derivados do acervo literário shakespeariano parece quase improvável produzir algo com características originais, porém foi exatamente isso que o diretor Joel Coen fez em A Tragédia de Macbeth, uma produção da A24 em parceria com a Apple TV+.

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A vida não dá trégua nas travessias de Flee

Cena do filme Flee. Ilustração retangular. Ao fundo, vemos várias pessoas em uma balada gay. Amin está centralizado. Ele coloca os braços sobre o balcão do estabelecimento, veste roupas de inverno e olha para o lado direito da imagem.
Indicado três vezes ao Oscar 2022, Flee é um documentário que ilustra uma complexa jornada de autoconhecimento (Foto: NEON/Participant)

Eduardo Rota Hilário

Vou carregar de tudo vida afora/Marcas de amor, de luto e espora/Deixo alegria e dor/Ao ir embora”. Os versos de Compasso, composição de Angela Ro Ro com Ricardo Mac Cord, podem até não aparecer na trilha sonora da produção dinamarquesa Flee (Flugt, 2021), dirigida por Jonas Poher Rasmussen; no entanto, ao serem recortados do restante da música, esses fragmentos poéticos expressam muito bem uma das inúmeras sensações que permeiam o longa-metragem estrangeiro. Afinal, em todo o filme, estamos diante de uma concretude nua e crua, e ela nunca será vivenciada da mesma forma por indivíduos minimamente diferentes.

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Se nem a Academia se importa com o Oscar, por que deveríamos nós?

Na tentativa de atrair uma audiência maior, a cerimônia prefere abdicar da celebração do Cinema

Arte com uma lata de lixo preta parada em frente a uma parede de tijolos laranjas. Dentro da lata de lixo, vemos duas estatuetas douradas do Oscar, deitadas em formato de X.
Para a edição de 2022, a Academia anunciou que as categorias de Curtas, Montagem, Cabelo e Maquiagem, Trilha Sonora Original, Design de Produção e Som não serão apresentadas no evento ao vivo (Arte: Jho Brunhara)

Vitor Evangelista

Um filme é feito três vezes: primeiro nas páginas, depois, nas gravações, e finalmente na montagem”, disse o cineasta francês Robert Bresson. O porquê da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas decidir por televisionar ao vivo as disputas de Roteiro e Direção, mas não a de Montagem, forma uma completa nuvem de dúvida na cabeça de quem anseia pela cerimônia de 2022. Após o controverso anúncio de que oito das vinte e três categorias seriam recortadas e remanejadas dentro da premiação, os chefões do Oscar não parecem arredar o pé. E, se nem eles, os que respiram e transpiram Cinema, dão a mínima para a coisa, qual é a mensagem que fica?

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Às vezes, tudo que precisamos é seguir No Ritmo do Coração

Cena do Filme No Ritmo do Coração. Imagem estática. Os quatro personagens estão sentados em um sofá abraçados. No lado esquerdo está Leo Rossi, interpretado pelo ator Daniel Durant. Ele é um homem branco de cabelo castanho curto. Veste uma camiseta cinza com uma camisa xadrez cinza e marrom por cima e calça jeans azul médio. Ao lado dele está Jackie Rossi, personagem de Marlee Matlin. Ela é uma mulher branca de cabelo loiro, tamanho médio. Utiliza uma blusa azul petróleo e calça jeans azul. Ao lado dela está Frank Rossi, interpretado por Troy Kotsur. É um homem branco de cabelo grisalho e barba média. Ele veste uma blusa cinza escuro e calça jeans cinza claro. Na direita ao lado dele está Ruby Rossi, personagem de Emilia Jones. Ela é uma mulher branca de cabelo castanho, tamanho médio. Utiliza uma blusa de moletom verde e calça jeans azul médio.
O filme venceu duas categorias no Gotham Awards, e Troy Kotsur garantiu indicações ao Globo de Ouro, ao Critics Choice e ao SAG Awards (Foto: Apple TV+)

Andreza Santos

Uma família de surdos onde há apenas uma única ouvinte, a filha mais nova. Essa é a descrição inicial de CODA, que ganhou no Brasil o título No Ritmo do Coração. Ruby – a protagonista – é vivida pela talentosa Emilia Jones (Locke & Key), ela é a CODA (Child of Deaf Adults,  filha de adultos surdos) da família. Trabalhando durante a manhã na pescaria, ela interpreta e traduz tudo o que seu pai, mãe e irmão querem dizer para as pessoas não-surdas. Tudo muda quando ela decide entrar para o coral da escola.

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Sem Volta para Casa, o Homem-Aranha busca refúgio em si mesmo

Cena do filme Homem-Aranha: Sem Volta para Casa. A cena mostra o Homem-Aranha, um jovem branco, se jogando para pegar uma bolha laranja e verde. Ele usa o uniforme vermelho, com detalhes em preto e o cenário ao seu redor é de escombros e destruição.
Leia com cautela, pois o texto abaixo contém spoilers graves dos acontecimentos centrais de Homem-Aranha: Sem Volta para Casa (Foto: Sony/Marvel)

Vitor Evangelista

O que significa ser um super-herói? O senso de justiça, o dever a ser cumprido e o regozijo em fazer o bem podem estar na ficha técnica de qualquer mascarado que pirueteia pelas vielas escuras de uma cidade recheada de crimes. O Homem-Aranha, mais do que qualquer outro advento quadrinhesco, ganha novas camadas quando analisamos suas características mais específicas: ele é um adolescente passando pela puberdade, alguém efervescendo e encontrando seu lugar no mundo, em adição a picada do aracnídeo e o combo de grandes responsabilidades que chegam junto dos grandes poderes. 

Em 2018, Homem-Aranha no Aranhaverso soube destacar as particularidades do personagem-título com astúcia, deixando claro que, além do trauma de perder alguém, ser o Cabeça de Teia está muito ligado a ideia de sacrificar seu próprio espaço pessoal em prol de um parente, um amigo ou mesmo uma metrópole. Em 2021, chegou a vez do Peter Parker de carne e osso (Tom Holland) perder o chão e se firmar como o Amigão da Vizinhança que tanto lhe cobraram de ser desde que assumiu o manto em um aeroporto alemão

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Lady Gaga exorciza Casa Gucci

Em nome do Pai, do Filho e da Casa Gucci (Foto: Metro-Goldwyn-Mayer Pictures)

Ana Júlia Trevisan

Uma história de glamour, cobiça, loucura e morte. Esse foi o subtítulo dado ao livro que inspirou Ridley Scott a dirigir uma das adaptações mais aguardadas do ano: Casa Gucci. A grife italiana, fundada em 1921, é um majestoso império da Moda e uma das marcas mais valiosas do mundo, cujo nome carrega um grande escândalo. Em 27 de março de 1995, Maurizio Gucci, herdeiro da empresa, foi assassinado a mando de sua ex-esposa Patrizia Reggiani. 

Legado e família são os fragmentos mais necessários para entender a estrutura maquiavélica do império Gucci, mas o que chegou aos cinemas em 25 de novembro não se ajusta aos dois poderes. Os direitos para a produção do filme foram comprados em 2006, e de lá pra cá, nomes como Angelina Jolie e Leo DiCaprio foram cotados para os papéis principais. O ano de 2021 finalmente trouxe o filme para as telonas, protagonizado por Lady Gaga e Adam Driver. Mas, para lidar com o longa, é necessário fazer o mesmo processo de periciamento de um delito.

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O Duna de Villeneuve reanima a ficção científica com suas próprias raízes

Cena do filme Duna de 2021. Nela vemos Paul em destaque no centro, cabisbaixo, enquanto está cercado por soldados Atreides. Ao seu lado e um pouco mais a frente, uma figura dá contraste à imagem devido as cores de suas vestes esvoaçantes.
Duna chega finalmente às telonas com nomes de peso envolvidos na produção (Foto: Warner Bros.)

Ernesto Rangel

A mais nova adaptação da obra-prima Duna, escrita por Frank Herbert, chegou aos cinemas com uma grande responsabilidade em suas mãos: agradar aos fãs do livro, de 1965; corrigir os erros da primeira adaptação cinematográfica, de 1984; e ainda conquistar um novo público que nunca ouviu falar da saga em 2021, apesar de sua contribuição massiva para a ficção científica. Uma avaliação do filme deve se estender por esses três aspectos, nos quais o longa se apresenta: como adaptação de uma obra literária renomada; como remake de um filme falho; e como uma nova produção, lutando por espaço na cultura atual. É necessário ainda dedicar algumas passagens às qualidades necessárias para todo bom longa-metragem.

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Ataque dos Cães adestra caubói na marra

Cena do filme Ataque dos Cães, mostra o caubói Phil com a mão no pescoço do jovem Peter. Phil é um homem branco, com barba escura e chapéu marrom, ele tem a pele suja. Peter, de costas, tem pele branca e cabelos pretos, e usa uma camisa branca.
Ataque dos Cães é um faroeste psicológico (Foto: Netflix)

Vitor Evangelista

Vinte e um anos atrás, Bronco Henry morreu. Estamos em 1925 e Phil (Benedict Cumberbatch), seu aprendiz, amigo e muito provavelmente amante, ainda não superou essa perda. Sua maneira de lidar com o luto é se tornando um completo babaca, abusivo com o irmão mais jovem e tóxico com seus funcionários do rancho em Montana. Sob a direção sempre alerta e nada ociosa de Jane Campion, a Netflix constrói no íntegro Ataque dos Cães um drama acrônico, atemporal.

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