O folclore sou eu: Heitor Villa-Lobos e a Música Modernista

Na Semana de 1922, o maestro já demonstrava seu esforço em trazer elementos do folclore brasileiro à Música Clássica

Foto em preto e branco do maestro Heitor Villa-Lobos. Na foto, Heitor Villa-Lobos está sentado em um piano, com a mão direita sobre as teclas, inclinado à lateral, com a cabeça virada para a direita. Ele está com um charuto na boca. Villa-Lobos é um homem branco, veste um terno de cor cinza com listras de cor branca e possui cabelos pretos e lisos com mechas grisalhas. O piano é de cor preta.
Tido como o principal musicista da Semana de Arte Moderna, Heitor Villa-Lobos teve repercussão internacional, marcando-o como o maior maestro e compositor clássico brasileiro (Foto: Acervo Museu Villa-Lobos)

Bruno Andrade

No dia 17 de fevereiro de 1922, no Theatro Municipal de São Paulo, o público acomodou-se de forma lenta e espaçada, aguardando a apresentação de um músico carioca, tido como o mais conceituado da Semana de Arte Moderna e um dos maestros brasileiros mais promissores já à época do evento. O musicista fazia parte de três dias da programação da Semana, e, ao ser convidado para integrá-la, estava às vésperas de completar 35 anos. Para sua estreia no palco paulistano, ele selecionou o que de mais representativo havia produzido em música de câmara nos anos anteriores. Não demorou para que o compositor, vestindo casaca e calçando, em um pé, sapato, e, no outro, chinelo, surgisse no palco, seguido por vaias e urros de negação. A plateia havia interpretado o uso do chinelo como puro desrespeito; aparentemente, era apenas um machucado no dedão – mas pode bem ser que não fosse. De qualquer forma, o espetáculo pôde enfim começar: Heitor Villa-Lobos chegou.

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O terror em La Llorona são os traumas da América Latina

 Cena do filme La Llorona. Maria Mercedes Coroy, que interpreta a personagem Alma, é uma mulher indígena jovem de pele clara e cabelos pretos e longos. Ela usa um vestido branco e encara a câmera de longe com um olhar profundo, enquanto está rodeada de manifestantes e policiais. Em frente a ela há dois policiais com escudos e capacetes pretos. A borda da imagem está desfocada.
No Brasil, a lenda da Chorona é conhecida como a história da Mulher da Meia-Noite (Foto: Reprodução)

Caroline Campos

Há uma piada entre latinoamericanos que afirma que “se seu país sofreu um golpe de Estado apoiado pelos Estados Unidos, parabéns! Você pode se considerar latino”. A brincadeira apenas satiriza o que a gente já conhece. Argentina, Chile, Bolívia, Brasil – são poucos os países da região que não passaram por ditaduras militares instauradas com a ajuda do Tio Sam. Na Guatemala não foi diferente – em 1954, Jacobo Árbenz foi destituído da presidência de seu país em um golpe orquestrado pela CIA. A guerra civil decorrente durou até 1996 e a ditadura do país foi uma das mais violentas da América Latina, especialmente quando comandada pelo general Efraín Ríos Montt – julgado pelo massacre de mais de 1700 indígenas maias-ixiles nos anos 80.

Não é necessário dizer que as feridas de um genocídio nunca cicatrizam. La Llorona, coprodução entre Guatemala e França escrita e dirigida por Jayro Bustamante, bebe da fonte da história real de seu país. O ditador, no entanto, apenas muda de nome: Enrique Monteverde, interpretado por Julio Diaz, é responsável pela mesma brutalidade que sua versão fora das telas. 30 anos depois, já velho e doente, o general é finalmente condenado por genocídio, mas sua sentença é anulada após pressão de instituições privadas envolvidas no jogo de poder da justiça. O longa é, acima de tudo, político. Bustamante encharca seu filme com as lágrimas de um povo que testemunhou o verdadeiro terror e um dos mais graves crimes contra a humanidade.

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Wolfwalkers é mais do que só um filme de fantasia para crianças

Cena do filme Wolfwalkers. Em meio a uma floresta, ao centro, vemos Mebh, uma menina baixa, branca, de cabelos ruivos volumosos e decorados com folhas coloridas, vestindo roupas verdes e de braços cruzados, encarando Robyn. Ao seu lado, vemos Robyn, uma menina alta, branca, de cabelos loiros compridos, presos em uma trança e decorados com uma flor vermelha, vestindo roupas verdes, uma capa preta e botas marrons, com as mãos na cintura. Entre as árvores ao redor delas, vemos, do pescoço para cima, lobos marrons as encarando e sorrindo.
Indicado ao Oscar 2021, Wolfwalkers é fruto da parceria do estúdio irlandês Cartoon Saloon com a Apple TV+, streaming onde foi lançado um mês após a estreia (Foto: Reprodução)

Vitória Lopes Gomez

Nunca esteve tão claro que filmes de animação não são sinônimos de infantilidade. Soul talvez seja o exemplo mais popular e atual disso: o visual é apenas a técnica escolhida para um filme que explora o metafísico e desperta o existencial. Um pouco mais fantasioso, um pouco menos alegórico (ou vice-versa), da Pixar aos Estúdios Ghibli às irreverentes séries americanas, os ‘desenhos’ comportam uma multiplicidade que alcança diferentes faixas etárias. E é em meio a diversidade de narrativas e a crescente predileção por computações gráficas que chega Wolfwalkers, que se destaca pelo visual 2D cada vez mais raro e, desde o seu lançamento no Festival de Cinema de Toronto, aproveita a atenção para encantar todos os públicos.

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Em tempos de amnésia seletiva, Cidade Invisível entrega esperança e suscita discussões

Cena da série Cidade Invisível. Fotografia retangular do ator Marcos Pigossi, dos ombros até o topo da cabeça. Ele é um homem de cabelos castanhos, barba e bigode. Ele está sentado numa poltrona azul claro e possui uma borboleta sobre os olhos. Ela é roxa azulada com manchas pretas nas bordas das asas. Na parte inferior de cada asa, tem um círculo branco com um círculo roxo dentro, imitando dois olhos. Marcos possui a boca semiaberta, com a parte debaixo dos dentes da frente aparecendo, como se estivesse num cochilo. Ao fundo, há um aparador de madeira. A imagem possui uma tonalidade amarela acentuada.
“As pessoas são cruéis, elas têm medo de tudo que é diferente porque a gente revela como elas são absurdamente iguais e entediantes” (Foto: Reprodução)

Júlia Paes de Arruda

Como seria se o nosso folclore se materializasse e convivesse todos os dias conosco, com seus personagens despercebidos e infiltrados na sociedade? Se as histórias de infância fossem realmente verdade? Essa é a proposta de Carlos Saldanha (diretor das franquias Rio e A Era do Gelo) em Cidade Invisível. Diferentemente do que estamos acostumados, o novo sucesso da Netflix ganha um teor adulto ao unir-se com um suspense investigativo. Apesar da narrativa envolvente e provocante, a execução das ideias traz algumas problemáticas que merecem ser destacadas. 

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