CALL ME IF YOU GET LOST: Tyler, The Creator assume que é perdendo que se encontra e convida quem ouve para essa viagem

Capa do disco CALL ME IF YOU GET LOST, de Tyler, The Creator. A imagem tem um fundo branco, onde está o que parece um passaporte plastificado. Nele, Tyler usa uma touca azul clara, no estilo chapéu soviético. Ele veste uma camisa da mesma cor, com golas estampadas com oncinhas e camiseta branca por baixo. O passaporte contém os dados e assinatura de Tyler Baudelaire, personagem do novo álbum. O título do projeto, “Call me If You Get Lost”, aparece em azul claro como um carimbo no passaporte.
O novo álbum de Tyler, The Creator já é considerado forte concorrente ao Grammy de Álbum do Ano, sendo, segundo o próprio artista, o seu melhor trabalho, “executado num nível que jamais tinha sido atingido” (Foto: Columbia Records)

Andrezza Marques

O sexto álbum do multiartista Tyler, The Creator, lançado em 25 de junho de 2021, coroa a sua melhor fase, escalada a cada lançamento, tanto em técnica e produção, como na autenticidade da execução. Em CALL ME IF YOU GET LOST, o rapper protagoniza uma odisseia de dor e glória compilada em 16 faixas, diferentes de tudo o que já ouvimos – mais uma vez. “Me chame de Sr. sempre em alguma merda que você nunca viu” e “Encontre outro mano como eu, porque eu não vi nenhum”, ele canta ácido na efervescente CORSO, e prova seu ponto.

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Sob o olhar ingênuo de uma criança, Luca é uma aventura na diversidade

Três crianças montadas em uma Vespa verde-água. A primeira é Alberto, garoto de pele parda, cabelo enrolado com um topete, olhos verdes dentes amostras em um sorriso destemido, camisa regata amarela. Atrás está Luca, garoto de pele branca, cabelos ondulados castanho escuro, olhos castanhos claros, expressão feliz, com a cabeça levemente inclinada para trás, camisa social branca com a manga dobrada, e segurando em Alberto. E atrás de Luca está Giulia, garota branca, de cabelos ondulados na altura dos ombros ruivos, com uma touca azul, olhos castanhos, expressão de animação, com uma blusa listrada de laranja e branca, e com as mão levantadas. No fundo, uma ladeira de pedra e a cidade de Portoroso.
O diretor do filme participou de Viva: A Vida é uma Festa (2017) e do subestimado Robôs (2005), no departamento de arte [Foto: Pixar Animation Studios]
Pedro Gabriel

A Pixar é muito conhecida por suas obras carregadas de mensagens profundas, e por sua tentativa de explicação de conceitos complexos para crianças. Durante os 35 anos de existência da empresa, eles trataram sobre depressão em Divertida Mente (2015), amadurecimento nos quatro filmes de Toy Story, o luto em Dois Irmãos (2020) e até o sentido da vida em Soul (2020). Parecia que a aventura era um bônus na história. Mas, eis que surge Luca, em junho de 2021, e os papéis se invertem. A mensagem está lá, mas não é o foco principal.

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Cineclube Persona – Os Vencedores do Oscar 2021

Arte retangular. Quatro imagens estão distribuídas pelo fundo azul claro: fotos de Chloé Zhao, Daniel Kaluuya, Yuh-Jung Youn e Frances McDormand. Todas estão com uma borda colorida ao redor, e possuem o fundo azul. No canto superior esquerdo, está escrito “cineclube persona” de branco. No centro, há o logo do persona. E no canto inferior direito, o logo o oscar com “os vencedores do oscar 2021” escrito em preto.
Os destaques do Oscar 2021: a histórica vitória de Yuh-Jung Youn; o recorde de Chloé Zhao, que lidera a trupe de Nomadland junto de Frances McDormand; e a genialidade e brilhantismo de Daniel Kaluuya (Foto: The Academy/Arte: Ana Júlia Trevisan/Texto de Abertura: Vitor Evangelista)

Perante à situação de uma celebração do Oscar na pandemia, a equipe de produtores de 2021 prometeu que transformaria a experiência em um filme. Eles não mentiram. Começando pela triunfal entrada de Regina King, brilhante como os deuses e confiante como só ela pode ser, caminhando sem pressa pela Union Station, arejada, aberta, com raios solares implorando invadir essa quebra de padrões em formato de cerimônia.

Mas algo soava estranho. Não tinha orquestra, não tinha o filtro plastificado que abraçava as telas dos televisores sintonizados na TNT (ou no Globoplay, ou onde quer que seja) e as bordas pretas, clássicas das telonas, esgueiravam a imagem de uma King lendo no teleprompter um verdadeiro roteiro na hora de premiar, bem, as categorias de Roteiro. Colocando as tradições no bolso do paletó, o Oscar 2021 não nos agraciou com a presença de um de seus atuais Atores Coadjuvantes para premiar sua contraparte deste ano logo de cara.

Ao invés disso, inaugurando essa leva mais moderninha da Academia, subiu ao palco uma bufante e estonteante Emerald Fennell, feliz que sua dita Bela Vingança foi coroada com o prêmio de Roteiro Original. Ela não preparou um discurso, já adiantou a intérprete de Camilla Parker Bowles, previamente se desculpando com Soderbergh (Steven, diretor responsável pela produção de 2021, aquele que prometeu que essa seria uma experiência de Cinema, e não apenas simples TV).

Regina King continuou fazendo graça e esbanjando talento ao apresentar os nomeados em Roteiro Adaptado, prêmio esse que acabou nas mãos de Christopher Hampton e Florian Zeller, escritores de Meu Pai. Vale a menção de que tanto Fennell quanto Zeller acabaram de estrear no Cinema, e já garantiram a honraria que fez Aaron Sorkin sair de casa apenas para anunciar um relacionamento novo, já que seu Os 7 de Chicago foi o único dos grandes indicados da noite a sair sem Oscar nenhum (e olha que a 93ª edição dividiu muito bem seus 23 prêmios).

E foi sendo assim, dois carecas dourados eram entregues por vez, ocasionalmente misturando uma categoria ‘grande’ com uma ‘nem-tão-grande-assim’. O que, a princípio, é muito bem-vindo, considerando que independente da área de atuação, todo e qualquer Oscar distribuído em 25 de abril de 2021 é importante e merece tal reconhecimento. Mas, quando Chloé Zhao subiu ao palco para receber a estatueta de Direção, precedida pela categoria de Melhor Curta-Metragem em Live Action, o efeito não foi o mesmo.

Zhao se tornou a segunda diretora, a primeira não-branca e a primeira chinesa, a vencer a honraria, 11 anos depois de Kathryn Bigelow quebrar o paradigma masculino, por Guerra ao Terror. Mal posso esperar para o Oscar 2032, quando a terceira mulher diretora subir ao palco. Quem leu o envelope com o nome de Zhao foi um socialmente distante Bong Joon-Ho, campeão do ano passado, diretamente de Seul, falando em coreano num segmento que usou da intimidade dos próprios cineastas nomeados para o anúncio.

Os discursos de agradecimento se alongaram mais que o comum, grande acerto da produção de 2021, evitando a terrível orquestra de subir lentamente o tom dos instrumentos para que a pessoa pare de falar o mais rápido possível. Até mesmo o jogo de câmeras, alocadas em lugares não-convencionais, limpou a lente da premiação. Os discursos variaram entre o tocante (Thomas Vinterberg homenageando a jovem filha que morreu pouco antes de estrelar Druk, vencedor de Filme Internacional) e o cômico (Daniel Kaluuya feliz da vida, agradecendo aos pais por terem concebido-no, enquanto ganhava o prêmio de Ator Coadjuvante). 

Yuh-Jung Youn conseguiu fazer os dois. “Eu sou mais sortuda que vocês”, começou a vovó de Minari e a Melhor Atriz Coadjuvante do ano. A atriz, primeira sul-coreana e segunda asiática a vencer por atuação, agradeceu a Brad Pitt (produtor de Minari) e ficou feliz de finalmente tê-lo conhecido pessoalmente. De longe, a temporada de 2021 vai lembrar com carinho das aparições de Youn, desde a surpresa no SAG, o shade no BAFTA e o riso solto no Oscar.

A Netflix saiu com 7 prêmios entre suas 35 indicações, mas mantém a sombra de nunca ter ganhado Melhor Filme. A Voz Suprema do Blues venceu categorias técnicas, assim como Mank, 2 Oscars para cada. Os curtas Dois Estranhos e Se Algo Acontecer… Te Amo saíram com os louros. Nas categorias de Documentário, Colette surpreendeu, e Professor Polvo triunfou, repetindo uma máxima do ano passado: mais uma vez, o pior dos 5 filmes saiu vencedor.

Lembra da promessa dos produtores de fazer o Oscar 2021 ser um filme? Eles cumpriram-na, para o bem e para o mal. O sorrisão de Riz Ahmed não cabia em seu belo rosto quando leu o envelope de Melhor Som, premiando, adivinhem, O Som do Silêncio, protagonizado pelo próprio. Esse que também triunfou em Montagem, colocando a competição para comer poeira. Soul se enquadrou nas expectativas, recebendo Animação e Trilha Sonora Original. H.E.R., um mês depois de vencer o Grammy de Canção do Ano, ganhou o Oscar de Canção Original. E Tenet, mesmo sem o apoio da Warner, levou a melhor em Efeitos Visuais. 

Durante a cerimônia, 2 prêmios Humanitários Jean Hersholt foram entregues. O primeiro homenageou a Motion Picture & Television Fund. Enquanto o segundo, apresentado por Viola Davis em sua única aparição no palco do Oscar, foi dado à Tyler Perry. Importante apontar as mudanças estruturais da premiação deste ano, que viu seus convidados sem máscara frente às câmeras, dividiu a galera entre os Estados Unidos, Londres e Paris e esbanjou um ar mais descontraído que a habitual sisuda entrega de prêmios no Dolby Theatre. Sem os habituais pares de artistas entregando os Oscars e com as músicas indicadas sendo performadas antes da cerimônia, essa edição ficará marcada na história. Foi uma senhora mudança de ares, que ainda precisa de melhorias no futuro.

Quando foi anunciado que a categoria de Melhor Filme não seria a última da noite, um gosto estranho já nos subiu à boca. Rita Moreno apareceu majestosa, citou Amor, Sublime Amor e relembrou os velhos tempos, onde ela própria venceu um Oscar pelo filme. Assim como a divina aparição de Jane Fonda ano passado para premiar Parasita, Moreno leu o nome de Nomadland no envelope colorido. Chloé Zhao, recebendo o segundo prêmio da noite, agradeceu aos nômades da vida real, acompanhada de Frances McDormand, vencendo o terceiro Oscar da carreira e o primeiro por produção. A veterana uivou no palco, homenageando Michael Wolf Snyder, editor de som de Nomadland falecido em março.

O comercial que sucedeu Melhor Filme pareceu mais anticlimático que o necessário. Começando pela aparição de Zhao em Melhor Direção no meio do nada, Nomadland saiu sem o triunfo que grandes vencedores do passado, como Moonlight e o próprio Parasita, puderam saborear. Melhor Atriz desempatou bolões, premiando Frances McDormand, em seu terceiro Oscar na categoria, quarto na carreira, se aproximando mais do recorde de Katharine Hepburn. 

Então, chegou a hora de Melhor Ator. Depois de um ‘In Memorian’ de qualidade questionável, batida agitada, ausências notáveis e aparição relâmpago dos homenageados, a categoria para honrar Chadwick Boseman acabou sendo entregue para outra pessoa. É claro que a vitória de Anthony Hopkins, por Meu Pai, é mais que merecida e merece ser aplaudida, benzida e santificada. A questão não é mérito, não é cota ou homenagem. 

O Oscar 2021 se rearranjou por completo para que acabasse em nota de sensibilidade e felicidade, para que a esposa de Boseman, Taylor Simone Ledward, agradecesse da maneira que fez no Globo de Ouro, no Critics Choice e no SAG. Era o momento do Oscar, depois de ter capitalizado em cima da morte do jovem talento, finalmente premiar atores negros nas categorias principais, era a hora de marcar na história aquele que já seria eterno de qualquer modo, mas merecia a honraria do troféu.

Joaquin Phoenix leu o nome de Hopkins, a tela cortou para uma foto do ator, que não estava presente e o Oscar acabou. No susto, sem comemoração, sem homenagem, sem ter valido o rearranjo de categorias. Foi dito que Olivia Colman subiria ao palco em caso de vitória do companheiro de tela, mas nada aconteceu. O temido anticlímax do filme. 29 anos depois de sua vitória por O Silêncio dos Inocentes, Anthony Hopkins se tornou o ator mais velho a vencer o Oscar. Chadwick morreu sem nenhum.

Concluindo a extensa cobertura do Oscar 2021, o Persona prepara o texto final da edição. A Editoria se juntou aos colaboradores para discutir, de uma vez por todas, o que rolou na 93ª edição dos prêmios da Academia, os recordes, as loucuras, a Glenn Close rebolando e as esnobadas que ficarão para a história. Seja bem-vindo ao Cineclube Especial dos Vencedores do Oscar 2021.

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Cineclube Persona – Tudo Sobre os Indicados ao Oscar 2021

Imagem retangular com fundo verde. À esquerda vemos quatros molduras. Na parte superior, a primeira moldura é retangular de borda preta e tem a foto de Chadwick Boseman e Viola Davis. A segunda moldura é redonda de borda preta e tem a foto de Riz Ahmed. Já na parte inferior, a terceira moldura é quadrada de borda preta e tem a foto de Emerald Fennell e Carey Mulligan. A última moldura é quadrada de borda preta e tem a foto do ator de Agente Duplo. À direita, na parte superior, lê-se em branco "cineclube", abaixo lê-se em verde "persona". Na parte central lê-se em preto "os indicados ao oscar 2021". Na parte inferior vemos a logo do Persona com a íris do olho colorida de verde.
Alguns destaques do Oscar 2021: as grandiosas presenças de Chadwick Boseman, Viola Davis e Riz Ahmed; as lendárias Emerald Fennell e Carey Mulligan; e o adorável Sergio Chamy na única obra latino-americana da seleção (Foto: Reprodução/Arte: Ana Júlia Trevisan/Texto de Abertura: Raquel Dutra e Vitor Evangelista)

A 93ª edição do Oscar é única por uma série de motivos. Começando pelos atrasos e realocação da data para dois meses depois do comum, a Academia teve de lidar com cinemas fechados, lançamentos adiados e o primeiro ano desde 2009 sem um filme da Marvel dominando o verão americano. Mas se engana quem pensa que, por conta disso, a lista de indicações seja mais fraca que a de anos anteriores.

Na verdade, a safra de 2020, e dos primeiros meses de 2021, ostenta qualidade, irreverência e debate temas que o cinema estadunidense não colocaria em pauta num ano cheio de diretores consolidados e franquias continuadas. 72 mulheres foram nomeadas ao Oscar 2021. Este ano, duas concorrem em Direção, além de dois filmes dirigidos por mulheres disputarem Melhor Filme.

Quando o assunto é diversidade, nove atores não-brancos pipocaram nas categorias principais, quebrando uma porção de recordes. Steven Yeun é o primeiro de origem asiática, Riz Ahmed é o primeiro mulçumano e com origem paquistanesa, Chadwick Boseman é o primeiro não-branco a receber uma indicação póstuma e Yun-Jung Youn é a primeira sul-coreana nomeada na Academia, só pra citar algumas das barreiras quebradas.

No campo dos Curtas, categorias comumente ignoradas, as narrativas fora do eixo norte-americano se entrelaçam com abordagens e pontiagudas. Os Animados colocam em xeque os limites da liberdade e a dor da saudade, enquanto os Documentários escancaram injustiças sociais e o racismo, assuntos que guiaram a Arte em 2020. Os Curtas Live Action se concentram entre os EUA e o conflito Israel e Palestina, mostrando ao mundo suas ricas produções cinematográficas.

Passando para os Filmes de Animação, a família e os imprevistos da vida comandam os cinco concorrentes: Shaun, O Carneiro lida com o objeto estranho, Dois Irmãos seca as lágrimas para seguir em frente e A Caminho da Lua viaja pelas fases do luto. O badalado Wolfwalkers discute amizade e o significado de ‘família escolhida’, enquanto o potencial vencedor, Soul, dá o toque da Pixar à crise de meia-idade, tudo regado a jazz e à Tina Fey.

Os Filmes Internacionais de 2021 desafogam o núcleo batido da Europa que normalmente compõe a categoria, dando destaque a um documentário romeno, um filme de bebedeira dinamarquês e um longa de guerra bósnio. Fora da hegemonia branca, Hong Kong alcançou sua primeira indicação em meio ao conflito que trava com a China, atravessando censuras e boicotes. O mesmo é com a Tunísia, que estreia na seleção através do trabalho incansável de uma cineasta, o que criou outro marco: pela primeira vez desde 2011, duas diretoras disputam o troféu. 

Já em Melhor Documentário, o avanço feminino segue do ano passado para cá, e cada um dos 5 filmes tem pelo menos uma mulher creditada à indicação. A categoria denuncia problemas sociais que fogem do eixo europeu-estadunidense, destacando questões ambientais globais em uma ponta, e reconhecendo a única obra latino-americana indicada em outra. No meio, estão as histórias que tocam em temas da Terra do Tio Sam, que dessa vez, têm o tato de minorias, com narrativas negras e femininas, e o protagonismo de pessoas com deficiência, tanto à frente quanto por trás das câmeras.

Abraçando o Cinema de todo o mundo, ou pelo menos começando a fazer isso, a Academia está fazendo valer as mudanças que vem implementando ao longo dos últimos anos. O curta Feeling Through escalou o primeiro ator surdo-cego da história e a ficção O Som do Silêncio tratou de temas que representam a comunidade surda, com direito à escalação de Paul Raci, filho de pais surdos e que luta pela causa há anos, além de um elenco de apoio formado por pessoas surdas.

A Voz Suprema do Blues, o filme que coloca Viola Davis na pele da mãe do blues, indicou Ann Roth, de 89 anos, em Melhor Figurino, no páreo para vencer sua segunda estatueta. No departamento de Cabelo e Maquiagem, o filme nomeou as duas primeiras mulheres negras na história da categoria, Jamika Wilson e Mia Neal. A parte boa? As três são favoritas nas respectivas disputas.

Além disso, o incomparável Chadwick Boseman é o primeiro negro a receber indicação póstuma (e provavelmente será o primeiro a vencer deste modo). Desempatando com Octavia Spencer, Viola Davis quebrou o recorde de indicações para uma atriz negra, apenas quatro, e expressou sua opinião sobre: “Se eu ter quatro indicações em 2021 faz de mim a atriz negra mais indicada da história, isso mostra quão pouco material esteve disponível para os artistas não-brancos.”

Se o assunto é privilégio, Os 7 de Chicago grita alto, mas diz pouco, e é a figurinha carimbada dos americanos sendo honrados por outros americanos. Mank, na mesma moeda, representa a máxima da Terra das Estrelas: é feito por e para homens caucasianos, e de praxe, conta uma embebida história da elite hollywoodiana. O lado bom é que o drama de época foi ignorado em quase tudo, dando espaço para o prêmio acabar em mãos merecedoras.

A casa dos dois deslocados é a Netflix, que angariando um recorde de 35 indicações, ainda não conseguiu emplacar um vencedor de Melhor Filme. A caminhada começou com o belíssimo Roma em 2019, mas deu tudo errado com a coroação de Green Book. Ano passado, nem História de um Casamento nem O Irlandês tinham fôlego para sequer chegar perto do favoritismo e da qualidade de Parasita. Depois de perder o PGA, o WGA e o DGA, ganhando apenas um controverso SAG de Elenco, Os 7 de Chicago ainda pode surpreender em 25 de abril, mas as chances não são animadoras.

Neste ano, a corrida de Melhor Filme, com apenas oito indicados, fez notar ausências doídas. Apesar da questionável condução diretiva de A Voz Suprema do Blues, o longa merecia ocupar aquela nona vaga. O mesmo vale para o trabalho exacerbado de Spike Lee em Destacamento Blood, ou o cuidado milimétrico que Regina King teve em Uma Noite em Miami…, os dois injustiçados de 2021.

Mas falando de quem devidamente entrou na corrida, vemos três filmes com protagonistas não-brancos (Minari, O Som do Silêncio e Judas e o Messias Negro) e dois comandados e protagonizados por mulheres (Nomadland e Bela Vingança). Completando o alto nível da categoria, Meu Pai lida com a velhice e o cuidado familiar, brindado pela atuação da carreira de Anthony Hopkins, o melhor dos vinte nomeados do ano. 

Em Roteiro Original, Emerald Fennell reina soberana nas chances de vencer por Bela Vingança, marcando a primeira vez que uma cineasta concorre à Direção por sua estreia. Em Adaptado, a protagonista do Oscar 2021 Chloé Zhao divide atenções com Florian Zeller e Christopher Hampton, por Meu Pai, e os nove roteiristas creditados por Borat 2, o vencedor do Sindicato, onde Nomadland estava inelegível.

Falando nas roteiristas favoritas, chegamos ao que há de mais interessante nos indicados a Melhor Direção. Zhao e Fennell são responsáveis por representar uma legião de cineastas que por anos tiveram seus trabalhos ignorados por Hollywood. O sexismo é refletido nas nomeações do Oscar, que em seus 93 anos de existência, se deu ao trabalho de reconhecer um total vergonhoso de sete diretoras e premiar apenas uma.

E se a Academia não tivesse tanto esmero com o ego de seus homens brancos, a categoria de Melhor Direção poderia muito bem ser formada por uma maioria feminina e não-branca. Nomes à altura da companhia de Lee Isaac Chung e da dupla recordista não faltavam, mas pelo menos, a favorita se encontra nessa exata interseção. 

Chloé Zhao é a dona deste ano, desta temporada e deste Oscar. A mulher mais indicada da história da premiação chega na noite do dia 25 de abril invicta e pronta para vencer em tudo o que tem direito, acompanhada de sua corrida impecável, que vai desde os festivais de cinema ao longo de 2020, até às premiações precursoras dos últimos meses.

A diretora, roteirista, montadora e produtora venceu os principais prêmios do Globo de Ouro, Critics Choice Awards, Sindicato dos Produtores e Diretores, BAFTA e nos Festivais de Veneza e Toronto. Só não fez história no SAG porque trabalhou com atores não-treinados, mas no mais, fortaleceu a corrida de Frances McDormand, que também é a primeira atriz indicada por produção e atuação no mesmo ano, pelo mesmo filme.

 Às vésperas de uma data histórica para o Cinema, o Persona se reúne num Cineclube Especial para comentar cada um dos 56 filmes que integram a seleção mais diversa da história do Oscar. Abaixo, estão todos organizados em ordem decrescente pelo número de indicações, e nossa Editoria e colaboradores pontuam seus méritos, as injustiças, chances e nomeações de todas as 23 categorias, condensando nossa cobertura da premiação e alinhando as expectativas para a noite do dia 25 de abril de 2021.

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Os Melhores Filmes de 2020

Arte retangular de fundo verde. Ao lado esquerdo, foi adicionada uma colagem com 8 personagens dos filmes que estão na legenda. Na mesma ordem, esses são: Fern (Frances McDormand), Emicida, Joe (Jamie Foxx), Canário Negro (Jurnee Smollett), Norman (Chadwick Boseman), Autumn (Sidney Flanigan), David (Alan Kim) e Tutar (Maria Bakalova). Ao lado direito, foi adicionado o texto OS MELHORES FILMES DE 2020, em verde, dentro de um retângulo de cor preta. No canto inferior direito foi adicionado o logo do Persona, com a íris do olho na cor verde.
Destaques de 2020 no Cinema: Nomadland; AmarElo; Soul; Aves de Rapina; Destacamento Blood; Nunca, Raramente, Às Vezes, Sempre; Minari e Borat 2 (Foto: Reprodução)

2020 foi um ano extremamente atípico, mas isso já é de conhecimento geral. Todos sabemos que os cinemas fecharam e o conteúdo passou do presencial para o ambiente virtual. Nessa virada de mesa, quem se beneficiou foi a Netflix, citada à exaustão nas seleções abaixo. Outros gigantes de streaming, como a Amazon, a Apple e a Disney também tiraram uma casquinha do cenário pandêmico.

As indicações ao Oscar 2021 foram anunciadas e, com a Netflix angariando 35 nomeações, o futuro não pode andar para trás. Daqui em diante, o digital terá a força que os grandes estúdios sempre temeram. E, falando em Oscar, as regras para um filme (ou curta, ou documentário, ou o que quer que seja Hamilton) entrar na lista de Melhores do Ano foram um pouco mais puxadas.

De cara, qualquer produção que fez parte da temporada de premiações anterior não entra aqui. Com lançamento nacional em 2020, Joias Brutas, 1917, Retrato de uma Jovem em Chamas e Parasita não puderam passar de menções honrosas, impedidos de integrar qualquer ranking. Isso por conta do péssimo mercado de distribuição nacional, que atrasa o que pode para lucrar com o buzz dos prêmios.

Ainda considerando o careca dourado e seu prazo de elegibilidade maior, a lista do Persona abarca lançamentos entre primeiro de janeiro de 2020 e vinte e oito de fevereiro de 2021, a mesma janela delimitada para algo concorrer ao Oscar desse ano, que acontece no fim de abril, dois meses atrasado pela pandemia. E vale a data de lançamento tanto no país de origem como no Brasil, desde que obedeça à regra anterior de ter ficado de fora dos prêmios passados.

Sempre inclusiva e multifacetada, a lista da Editoria e dos colaboradores do Persona tem de tudo. Lançamentos pré-pandêmicos, filmes da Netflix, obras apresentadas na 44ª Mostra Internacional de São Paulo (que rendeu cobertura com direito a entrevistas) e produções normalmente escanteadas num ano comum e cheio de blockbusters no Cinema. O texto sobre Os Melhores Filmes de 2020 atrasou para abraçar lançamentos da temporada, mas finalmente chegou. Sente-se confortavelmente para embarcar numa viagem cheia de detalhes, nuances e vozes diferenciadas no Cinema do ano mais terrível para todos nós.

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Cineclube Persona – Os Vencedores do Globo de Ouro 2021

 Uma imagem amarela, com molduras pretas de quadro. Uma com a foto de Daniel levy, homem negro apontando para a camera; outra com a roterista Chloe, sorrindo. Embaixo, as fotos são de Emma, segurando o próprio rosto, e Sacha Baron, ao lado de Isla Fisher. No canto superior direito está escrito “cinemaclube persona”, de branco. Logo embaixo, há o desenho de uma estatueta e está escrito “globo de ouro”, ambos em preto. Por último, no canto inferior direito, há o logo do Persona.
Os destaques do Globo de Ouro 2021 foram Nomadland e a estonteante Chloé Zhao, o trabalho primoroso de Sacha Baron Cohen em Borat 2, Daniel Kaluuya pegando fogo em Judas e o Messias Negro e a avalanche The Crown (Foto: Reprodução/Arte: Ana Júlia Trevisan/Texto de Abertura: Vitor Evangelista)

Nós damos valor demais ao Globo de Ouro. Esse ano, o grupo votante lamenta a morte de seu antigo presidente, Lorenzo Soria, ao mesmo tempo que enfrenta acusações de fraude e uma investigação que revelou o óbvio: a Associação da Imprensa Estrangeira de Hollywood (HFPA) não tem diversidade alguma. Reportagens no Los Angeles Times e no The New York Times estouraram poucos dias antes da 78ª edição do prêmio. Além de descobrirem que a HFPA não tem membros negros, foi escancarado um lobby poderosíssimo ao redor de Emily em Paris, uma das questionáveis indicadas ao Globo de Série de Comédia ou Musical.

É de suma importância relembrar que o GG não é prévia do Oscar de maneira nenhuma. Em questões de marketing e campanha, uma vitória no Globo alavanca sua visibilidade, mas o corpo votante da Academia é composto por mais de 7 mil membros, todos trabalhadores da indústria. A HFPA, por outro lado, é formada por 87 jornalistas, residentes de Los Angeles e que não têm ligação com o Oscar

Todavia, o que acontece é o Globo de Ouro tentando ditar tendências na temporada. Às vezes, as coisas dão ‘certo’: Green Book e Bohemian Rhapsody começaram ganhando aqui e percorreram solenes seu caminho até as estatuetas douradas e carecas. Ano passado, o amor por 1917 e por Sam Mendes caiu por terra quando Parasita e Bong Joon-ho saíram com os louros.

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10 anos de 21: nós sempre nos lembraremos de Adele

Capa do álbum 21 da Adele. Ele mostra o rosto da cantora de olhos fechados. Ela tem os cabelos soltos e penteados para trás, pele clara e a mão apoiando a cabeça. A imagem é em preto e branco com o número 21 em verde.
“Você e eu temos uma história/Ou você não lembra?” (Foto: Reprodução)

Ana Laura Ferreira

São poucos os artistas que alcançam um patamar de grandeza tão alto a ponto de se tornarem reconhecidos no mundo todo por seu talento. Mais raro ainda são aqueles que agradam a todos, tamanha sua qualidade, e quase impossível aqueles que atingem tudo isso com uma carreira de apenas dois álbuns. Mas contradizendo as possibilidades, Adele cumpriu esse feito com o marcante, esplendoroso e inconfundível 21 (2011). Chega a faltar palavras para descrever toda a magnitude do disco que consagrou a cantora há 10 anos.

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50 anos de Pearl: ainda não há nada como a pérola de Janis Joplin

Janis Joplin, uma mulher branca em torno dos seus 27 anos, está sentada em uma poltrona estampada. Ela está com as pernas cruzadas, o braço apoiado no encosto e dá uma gargalhada. Ela usa uma calça solta e vermelha, sapatos de bico fino vermelhos, uma blusa roxa de mangas compridas e plumas vermelhas no cabelo. O fundo é azul e há um copo com um líquido amarelado no chão.
Seja no soul, no blues ou no rock: Pearl é sinônimo de genialidade (Foto: Reprodução)

Caroline Campos

Há séculos, cometas têm passado pela Terra. Seus suspiros de vida são breves, mas igualmente fortes. Tão fortes que ecoam gerações adiante mesmo após sua passagem. Janis Joplin, a selvagem primeira dama do rock n’ roll, foi um cometa – desses que desestabilizam e transformam os poucos sortudos que podem presenciá-los. Apesar do tempo da cantora nesse plano ter sido curto, é possível entrar em contato com um pedacinho de sua alma ao ouvir Pearl, sua obra-prima. O disco foi lançado em janeiro de 1971, três meses depois de Janis ter sido encontrada morta em seu quarto de hotel. Passados 50 anos, a certeza ainda é uma: nunca existiu ninguém como Janis Joplin.

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Ao som de jazz, Soul mostra que é a alma da Pixar

Em primeiro plano está o protagonista, Joe Gardner, em sua forma humana. Ele é negro, usa óculos, um chapéu, um casaco preto e sorri olhando para frente. Ao fundo, há uma escadaria feita com teclas de piano, levando ao letreiro do filme “Soul”, com a representação astral de Joe acenando ao lado de 22, em cima da letra “L”. O fundo da imagem é azul marinho.
O filme tinha data de estreia para julho, mas devido a pandemia do covid-19, teve sua data adiada para 25 de dezembro, com lançamento direto no Disney+ (Foto: Reprodução)

Pedro Gabriel

O sentido do viver é umas das questões mais antigas do ser humano. Por que estou aqui nesse mundo? Qual o meu propósito na Terra? Essas perguntas rodeiam a nova produção dos estúdios Pixar, Soul. Dirigido por Pete Docter (Monstros S.A, 2001 e Up! Altas Aventuras, 2009), e co-dirigido por Kemp Powers, seguimos a vida de Joe Gardner (Jamie Foxx), um professor substituto de música de uma escola, com o sonho de ser um músico profissional de jazz. 

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