Uma parede clara e uma camisa branca são componentes clássicos de vídeos gravados por subcelebridades que tentam se desculpar por algum erro. No entanto, a neozelandesa Ella Marija não usou tais componentes no clipe de Royals para limpar alguma defecação, mas para jogá-la no ventilador. Há uma década, as rádios anunciavam a transformação de Ella em Lorde e ecoavam melodias que fizeram da onda alternativa da época um tsunami. Naquele momento, a indústria musical precisava fazer uma escolha: se afogar ou aprender a surfar. Lançado pela Universal Music e produzido por Joel Little, Pure Heroine é um álbum que nunca precisou pedir desculpas, já que Lorde jamais sentiria remorso por um erro tão ingênuo: amar demais.
No dia 15 de Agosto, o Twitter ficou polvoroso com o lançamento de Campo de Morango, o lead single do terceiro álbum de Luísa Souza,Escândalo Íntimo. Tanto o videoclipe quanto a música em si pareciam ser uma confirmação de que a cantora só sabe compor letras vulgares e superficiais. Contudo, aqueles que estavam bem atentos sabiam que essa pequena prévia serviria para provar um ponto, que é uma das premissas do novo projeto: Luísa Sonza, como antes se conhecia, é uma fraude. Nesse lançamento, a artista potencializa sua voz e traz sua trajetória de amadurecimento como o centro da narrativa. Ela elabora conceitos visuais e sonoros acurados, apresentando referências explícitas e cristalinas, para que até mesmo aqueles que não querem possam enxergar.
Juras de um amor eterno e um pedido de casamento marcaram o lançamento de um dos casais mais queridos do mundo pop. Enquanto os fãs se decidiam entre Versace e Louis Vuitton para o matrimônio do ano, a notícia que ninguém esperava veio à tona: Rosalia e Rauw Alejandro se separaram. Para os filhos do divórcio, felizmente, restou um álbum impecável marcado pela mistura de estilos e vocais que definem o fim da era RR.
A felicidade incomoda, isso é fato. Outra coisa que também faz questão de desagradar é o punk-rock. O gênero que surgiu em meados dos anos 1960 e incorpora o garage rock e o proto-punk assume a roupagem de ser uma pedra no sapato do sistema, a peça que não se encaixa no quebra-cabeças. Isso é notado desde seus expoentes não tão politizados como blink-182 até os mais politicamente ácidos como Rage Against The Machine.
Iniciado juntamente com o movimento punk, seus adeptos, por mais que não liguem para estereótipos, sempre foram caracterizados como pessoas fechadas, vestidas de preto e com uma raiva internalizada. Nesse sentido, seus ouvintes majoritariamente são vistos como indivíduos em que a alegria é seu ‘divertidamente’ mais escanteado e a seu companheiro vermelho é quem assume a sua mente. Pensando nisso, o grupo britânico IDLES, em seu segundo álbum de estúdio, Joy as an Act of Resistance. discorre na verdade como esses dois sentimentos estão mais próximos do que se imagina.
Após completar 10 anos de carreira em 2022, o grupo sul-coreano EXO finalmente voltou com o que sabe fazer de melhor: a diversão em meio ao caos. Com uma sede que pede por um refrigerante cremoso e um single principal recheado de duplo-sentido, oito dos nove membros se reuniram para celebrar em grande estilo, mesmo com os empecilhos do exército e da própria gravadora, a SM Entertainment. O sétimo álbum, EXIST, busca a receita perfeita em meio ao amadurecimento e, ainda que não funcione por completo, é difícil não desejar essa tal de Cream Soda que se espalha pela boca e explode em sensações.
Viajar sem rumo, conhecer um novo lugar a cada mês, ser um cidadão do mundo. Com sete passaportes completos e dezenas de vistos, Adriana Calcanhotto nos traz uma experiência nômade no universo da Música Popular Brasileira em seu décimo terceiro álbum, Errante. Pode parecer contraditório, mas, apesar do título e da temática, se há algo que Calcanhotto sabe é onde quer chegar e, especialmente, de onde veio.
Errante foi concebido no olho do furacão que foi a pandemia de Covid-19, mais especificamente em 2021, sendo, segundo a própria compositora, o projeto com o tempo de produção mais longo de sua carreira. O isolamento transformou o pensamento da cantora sobre si mesma e sobre as escolhas que a levaram a errar; não no sentido de cometer erros, mas, na origem latina da palavra, de vaguear literal e metaforicamente.
O contexto de celebração do fim da pandemia está muito presente nas faixas Levou para o Samba a Minha Fantasia e Era Isso o Amor?. A primeira tem algo de teatral com a harmonia da percussão somada ao som do violão que realça o frescor do último respiro de carnaval antes da pandemia. Já a segunda descreve um amor ardente que também nos faz entrar em combustão em termos de musicalidade e calor, já que suas pitadas de rock enunciam uma paixão cálida que apenas uma poeta como Calcanhotto poderia descrever antes da pandemia.
Outros focos do álbum são identidade, pertencimento e história própria, pelo qual a artista descreve seu ponto de partida da jornada, valorizando todas as suas ancestralidades, como sua ascendência judaica sefardita, recém-descoberta. O ritmo que desacelera ao “cruzar desertos” e acelera ao nos levar ao “mundo da lua” – onde habita uma mente tão criativa – traz conforto, porém, na insegurança da artista em se ver “impostora” em tudo que faz.
Em um jardim, o clipe de Larga Tudo embala quem ouve em um samba reconfortante, que também remete às raízes da cantora, mas com um eu lírico que agora pede o desapego. Horário de Verão carrega um certo aconchego de uma lareira e um chá quente numa tarde fria, que gera grande contradição ao título. Talvez a ausência do excedente da luz do dia propiciada pela estação seja o que mais se encaixe nas notas delicadas da música, uma das mais sentimentais do disco.
Continuando no tópico de identidade, poucas vezes Adriana Calcanhotto foi tão pessoal quanto em Quem Te Disse?, na qual novamente ela referencia sua origem sefardita para falar de rejeição e do feminino. Todas as características da canção são artifício para perguntar: “Quem te disse que o amor vêdiferenças?”. Se com mais de 30 anos de carreira o etarismo poderia se tornar um um obstáculo, como cita na composição – “mesmo se eu fosse moça” –, a música ainda flui em melancolia quando nos lembra que a sociedade inferioriza as mulheres e cria exigências artificiais que, mesmo cumpridas, nunca são suficientes.
Lovely é uma viagem ao exterior que a artista bem conhece e já conquistou. Desde 2006, quando ganhou o primeiro de seus cinco Grammys Latinos com o disco infantil Adriana Partimpim, ela vem sendo reconhecida como uma das grandes expoentes da música do Brasil para o mundo. A faixa mergulha em um ritmo de bossa nova sutil e discreto, que suavemente ajuda o ouvinte a viajar também no tempo em sua sonoridade tridimensional.
As melodias melancólicas que se inserem no projeto ecoam um tom triste de despedida e que, junto de Horário de Verão e Quem te Disse?, contrastam do resto do obra, que tem um soar mais alegre e positivo. A presença dessas canções, como Reticências, enriquecem o álbum de forma a nos preparar para o encerramento dessa viagem, assim como instauram seu propósito. A reflexão sobre o caminho percorrido por quem escolhe uma vida sem âncoras, descobre que “deixar a solidão sozinha e caminhar” é um ato de coragem libertador que revela que ser errante não é sinônimo de solidão. No entanto, ficar estacionado num mesmo lugar por muito tempo, sim.
Nômade finaliza sua jornada musical no lugar onde todo o espírito do álbum vive. Seu ritmo constrói a ideia de um balançar de passos, conquistando essa sensação com os mais variados instrumentos, desde o coquinho ao trombone. Como entoado pela sua autora, a “casa é corpo” porque é móvel, sendo a única coisa que todos temos e que todos carregamos. E por versos como esses, a obra de Adriana Calcanhotto fica mais rica a cada sílaba que ela profere, como se fosse algo involuntário, de sua própria natureza – tal como ser uma das maiores cantoras brasileiras vivas.
Baseado em uma história distópica que transforma aqueles que não se conformam em computadores sujos, Dirty Computer é o terceiro álbum de estúdio da cantora, compositora e atriz Janelle Monáe. Lançado em 2018, a obra-prima não se destaca apenas por sua sonoridade, mas também por sua narrativa visual e conceitual, unidas em um audiovisual de 48 minutos emocionante.
Desde o lançamento de seu primeiro álbum, The ArchAndroid, em 2010, Monáe tem sido aclamada pela crítica e pelos fãs por sua originalidade e inovação na Música. Ela mistura elementos de R&B, soul, funk e rock, além de ser conhecida por suas performances energéticas e hipnotizantes, que cativam a audiência em seus shows ao vivo. Hoje, ela pode comemorar a realização de um manifesto impactante que comemora cinco anos de existência.
Em 23 de Junho de 2013, o selo e coletivo Personal Computer Music, mais conhecido por seu nome encurtado PC Music, disponibilizava seu primeiro lançamento musical, o single Bobby, da cantora GFOTY. A empresa foi fundada pelo produtor britânico A.G. Cook, que um ano antes já testava um protótipo de selo independente, a Gamsonite.
Embora Cook tenha sido essencial para a sua construção, quando ouvimos falar de PC Music, mais do que uma história linear ou um conceito fechado em uma empresa do Reino Unido, é aberta uma multiplicidade de significados, auras artísticas, gêneros musicais e estéticas (im)possíveis da pós-modernidade tecnocapitalista. O decênio do selo não pressupõe que as histórias das mais variadas subversões da música popmainstream tenham começado apenas em 2013. A construção da PC Music e, juntamente, de gêneros musicais recentes como o hyperpop e o bubblegum bass, é produto direto e indireto da música que os antecede e da que é criada no mesmo período.
O primeiro álbum solo de Cazuza, Exagerado, exala a essência ultrarromântica e boêmia, cravando o status de poeta ao cantor. Em Ideologia, o eu-lírico estende a linguagem poética para criticar a sociedade – e a si mesmo. No disco, que completou 35 anos no dia 21 de Abril de 2023, o artista remove sua face e a costura nas linhas territoriais tupiniquins, marcando definitivamente a história da música brasileira.
Reflexões na madrugada, nostalgia de inquietudes antigas e diálogos internos marcam as composições do décimo álbum de estúdio de Taylor Swift que reafirma seu posto como artista flexível e inovadora, capaz de movimentar multidões e quebrar recordes. Com o anúncio do disco em meio ao seu discurso de agradecimento no VMA 2022, Swift introduziu ao público uma nova era. Permeado por mistérios e noites sem dormir, Midnights foi apresentado de forma instigante e milimetricamente arquitetada antes mesmo do seu lançamento, partindo de uma coleção de vídeos postados nas redes sociais, revelando os nomes das composições e recheados de easter eggs, referências já tão próprias da artista.