Nem o tapa na cara deu conta de energizar a latência do Oscar 2022

Quando deixou que seus vencedores discursassem, a premiação resgatou a essência do que deveria representar

Arte retangular de fundo preto. No lado esquerdo, foi adicionada uma imagem do momento em que Will Smith bate com sua mão em Chris Rock na cerimônia do Oscar 2022. Ao centro, foi adicionada uma imagem do ator Troy Kotsur e da atriz Yuh-Jung Youn. Ao lado direito, foi adicionada uma imagem do personagem Flash do filme Zack Snyder's Justice League.
Da vitória histórica de CODA ao filme Zack Snyder reconhecido pelos fãs e o tapa na cara que Will Smith deu em Chris Rock, a cerimônia do Oscar 2022 teve de tudo (Arte: Ana Clara Abbate)

Vitor Evangelista

O Oscar 2022 foi marcado por controvérsias muito antes dos famosos pisarem no tapete vermelho. Com a decisão de realizar um pré-show para a entrega de oito prêmios, a fim de poupar tempo e dinamizar a transmissão, os produtores já revelaram que não sabiam o que fazer com o produto em mãos. Dito e feito, os protestos em favor do movimento #PresentAll23 não deram em nada e, uma hora antes do início oficial, os curtas e Duna foram prestigiados. Mas não adianta, não tem imagem mais marcante da 94ª edição do Oscar que não o tapa de Will Smith em Chris Rock. Então, comecemos com ele.

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Drive My Car: nada dói mais do que a verdade não dita

Cena do filme Drive My Car. Nela estão Yûsuke e Misaki sentados no banco da frente de um carro vermelho, em ordem. Yûsuke é um homem nipônico de meia-idade com cabelo curto preto. Misaki é uma jovem nipônica com cabelos pretos. O carro está andando sobre uma estrada. No fundo estão montanhas e postes de sinalização.
Destaque do círculo de críticos de Cinema em 2021, Drive My Car teve estreia mundial no Festival de Cannes 2021, tornando-se a primeira produção nipônica a disputar o prêmio de Melhor Filme no Oscar, além de ser o filme japonês com mais indicações na história da cerimônia (Foto: C&I Entertainment/MUBI)

Ayra Mori

Desde a vitória histórica da produção sul-coreana de Bong Joon-Ho, Parasita, na categoria de Melhor Filme no Oscar 2020, a Academia tem-se tornado, ainda que bastante acanhadamente, aberta para a quebra dos paradigmas além-Hollywood. Em 2021 vimos a segunda diretora e primeira mulher não-branca, Chloé Zhao, a levar a estatueta de Melhor Direção, e em 2022, parece ser a vez de Drive My Car (do original Doraibu mai kâ, sem título traduzido no Brasil), submissão oficial do Japão indicada a quatro categorias na premiação desse ano, incluindo Melhor Filme, Melhor Filme Internacional, Melhor Direção para Ryûsuke Hamaguchi e Melhor Roteiro Adaptado, co-escrito pelo diretor com Takamasa Oe. Mas não se engane, Drive My Car não é o novo Parasita (!).

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As Mães do Oscar 2022

Entre cinebiografias e ficções, a categoria de Melhor Atriz é formada apenas por figuras que esbarram na maternidade 

Kristen, Olivia, Jessica, Penélope e Nicole: qual delas vencerá o Oscar 2022? (Arte: Ana Júlia Trevisan)

Todo ano a categoria de Melhor Atriz gera um dos maiores burburinhos do Oscar, e em 2022 não tem como ser diferente. Além do repeteco do cenário passado, quando nenhuma concorrente fez a rapa nos precursores, a disputa de agora vê 5 mulheres consagradas na indústria, em papéis fortes, encorpados e marcantes. E, como coincidência do destino, todas interpretam mães. Porém, como a ausência de correlações entre as suas obras e a categoria principal denota um ponto negativo da Academia: ela parece não se importar o suficiente com histórias sobre a figura da mulher.

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A revolução será escrita com fogo

Cena do documentário Escrevendo com Fogo. A cena mostra uma mulher indiana filmando algo com o celular apontado para cima.
Escrevendo com Fogo é o primeiro documentário indiano a ser indicado ao Oscar (Foto: Music Box Films)

Raquel Dutra

Em Uttar Pradesh, estado do norte da Índia que é um dos mais populosos do mundo, níveis endêmicos de violência atravessam a vida das mulheres que ali habitam. No sistema de castas que define a organização social do país e reforça suas profundas desigualdades, elas estão com os Dalits, o extremo inferior da hierarquia de classes da cultura indiana ainda vigente, estabelecido 1500 anos antes de Cristo. Da população que compõem a interseção das maiores opressões do país, surgiu, em 2002, uma forma de expressão urgente através do jornal Khabar Lahariya com uma expectativa de fracasso. Mas ao invés disso, ele resiste, 20 anos depois, Escrevendo com Fogo uma revolução social, política e cultural através das mãos mais rejeitadas da sociedade indiana.

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Sob um olhar sublime, Steven Spielberg refaz o amor perfeito

Cena do filme Amor, Sublime Amor. A cena mostra um close-up dos rostos de Mike Faist e David Alvarez, e no meio deles está o ator Ansel Elgort.
No filme de Steven Spielberg indicado a 7 Oscars, a vida tenta ser mais importante que o amor (Foto: 20th Century Studios)

Vitor Evangelista

Algo está vindo, algo bom… Para o cineasta que já realizou de tudo (dos tubarões assassinos aos soldados resgatados e os cavalos de guerra), o desafio de recriar seu musical favorito foi ideal para Steven Spielberg modelar, com as mãos e o coração, uma história clássica. A reimaginação de Romeu e Julieta, que foi batizada de West Side Story em referência ao cenário nova-iorquino e periférico da obra, surgiu em 1957 nos palcos do teatro. Quatro anos depois, Jerome Robbins e Robert Wise fizeram da peça um filme.

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Os Curtas do Oscar 2022

Arte retangular com fundo preto fosco. No topo da imagem, lê-se “OS CURTAS DO OSCAR 2022” em letras douradas em caixa alta. Abaixo, à esquerda, há uma foto em preto e branco com borda de cor dourada do personagem Riz, do curta-metragem The Long Goodbye, um homem de cabelo escuro curto e barba. Abaixo, ao centro da imagem, há uma foto em preto e branco com borda de cor dourada da personagem sem nome do curta-metragem Bestia, uma boneca pequena de porcelana com cabelo curto e expressões faciais pequenas e sérias. Abaixo, à direita da imagem, há uma foto em preto e branco com borda de cor dourada da personagem Lucy, do curta-metragem The Queen of Basketball, uma mulher negra de cabelo ondulado e curto que sorri. Na extremidade inferior esquerda há uma silhueta dourada da estatueta do Oscar. Na extremidade inferior direita está o logo do Persona, um olho com íris dourada.
Entre manifestos sociais, denúncias políticas e a celebração de uma figura histórica, os Curtas do Oscar 2022 exploram a vastidão da linguagem cinematográfica (Foto: Reprodução/Arte: Jho Brunhara)

Como forma de condensar a longa e complexa cobertura do Oscar 2022, o Persona decidiu reunir os 15 curtas em um único post, enxugando as informações e entregando a seus leitores uma experiência de imersão dentre a vasta gama de alcance dos títulos reconhecidos pela 94ª edição da cerimônia. Abaixo, você confere comentários, curiosidades, opiniões e contextualização a respeito das 5 animações, 5 live actions e 5 documentários que a Academia prestigiou.

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O sonho da Ascensão é uma farsa

Cena do documentário Ascension. Imagem retangular e colorida. Nela, vemos uma garota asiática, sentada de frente para o seu celular, que fica preso sobre um tripé com uma iluminação de luz branca em formato de anel. Ela fala algo enquanto olha para o aparelho e levanta com a mão esquerda um tênis branco na altura de seu rosto.
Indicado a Melhor Documentário no Oscar 2022, Ascension está entre três dos cinco filmes selecionados para a categoria este ano que são dirigidos por mulheres (Foto: MTV Documentary Films)

Enrico Souto

“Trabalhe duro, e todos os seus sonhos se realizarão”. Esse é um tipo de fala muito familiar para nós, que vivemos imersos em um sociedade capitalista que preza por liberdade acima de tudo – inclusive, de nossa própria humanidade. E, afinal, se mesmo Bong Joon-Ho se surpreendeu em como pessoas do mundo inteiro se identificaram com o seu (mais localizado possível) retrato do capitalismo tardio sul-coreano, nossas vivências dentro desse sistema começam a se costurar, transcendendo territórios e aproximando-se de uma experiência universal. Entretanto, essa frase em específico é retirada de uma propaganda de rua do governo chinês. E a China não é capitalista.

A atual conjuntura econômica chinesa é complexa e um fenômeno único na história. Vivendo hoje um “socialismo de mercado”, essa alternativa ao socialismo tradicional surge quando a China, para evitar sofrer boicotes, embargos e barrar seu desenvolvimento produtivo, se viu na necessidade de fundir-se à lógica mundial de comércio capitalista, em concomitante à outras formas coletivas de propriedade. Contudo, o que parecia uma relação mutualística logo revela-se um violento parasitismo, que passa a contaminar cada aspecto de sua sociedade. E, à vista disso, os efeitos desse fenômeno são percebidos com muita sensibilidade por Jessica Kingdon em Ascension, sua estreia como diretora de longa-metragens, que consta entre os indicados a Melhor Documentário do Oscar 2022

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Quem são as mães das filhas perdidas?

Cena do filme A Filha Perdida. Nela, a atriz Jessie Buckley, que interpreta Leda, está abraçando duas meninas, em que não é possível ver seus rostos. Jessie é uma mulher branca, de cabelos castanhos claros.
Após levar o Leão de Ouro de Melhor Roteiro em Veneza, A Filha Perdida garantiu 3 indicações no Oscar 2022 (Foto: Netflix)

Vitória Silva

Dos tipos de representações que temos em relação à maternidade no Cinema e na TV, podemos citar vários. A mãe superprotetora, a mandona, a descolada, e, é claro, a clássica mãe que abdica de todas as suas vivências pessoais pelas conquistas dos filhos, ou até mesmo para encontrá-los no mundo. Pense em quantas personagens mães você conhece, e quantas delas não estão associadas diretamente ao papel materno que as nutre. E, quando o renegam, na maior parte das vezes são movidas por uma maldade sobrenatural ou pela construção de um aspecto vilanesco de sua personalidade. Afinal, que tipo de mãe não amaria seus filhos incondicionalmente?

Transpondo para a realidade, a retórica continua a mesma. Em A Filha Perdida, a misteriosa Elena Ferrante mergulha por inteiro neste que é apenas um dos papéis da feminilidade presentes em sua Literatura. E Maggie Gyllenhaal decide abraçar a mesma narrativa para construir o que seria a sua primeira obra na direção. A trama do filme homônimo segue Leda, interpretada pela magnífica Olivia Colman, que decide passar um período em uma ilha paradisíaca da Grécia, após deixar suas duas filhas, Bianca e Martha, com o ex-marido no Canadá.

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2 de 20 não é o bastante

O Oscar 2022 marca a primeira edição em que duas pessoas queer concorrem nas categorias de atuação

Montagem retangular de fundo preto. À esquerda está kristen stewart, uma mulher branca, de cabelos ondulados, loiros e na altura dos ombros. Ela veste um cropped e uma saia, ambos pretos e de látex. Atrás foi feita a silhueta da imagem com uma textura dourada. Ao centro está a imagem da animação de uma jovem. Ela é branca, tem cabelos curtos e castanhos, usa óculos, blusa branca e moletom laranja. Atrás foi feita a silhueta da imagem com uma textura dourada. À direita está uma mulher negra. Seus cabelos são curtos e pretos. Ela está sorrindo e suas mãos estão na altura da cintura. Ela veste um vestido brilhante e cinza. Atrás foi feita a silhueta da imagem com uma textura dourada.
Além das duas atrizes queer indicadas esse ano, filmes como Ataque dos Cães, A Família Mitchell e a Revolta das Máquinas e Spencer trazem subtextos ao tema (Arte: Nathália Mendes)

Vitória Lopes Gomez

Pela primeira vez em 94 edições de Oscar, duas pessoas pertencentes à comunidade LGBTQIA+ disputam em categorias de atuação no mesmo ano. Kristen Stewart, indicada a Melhor Atriz por Spencer, e Ariana DeBose, em Atriz Coadjuvante por Amor, Sublime Amor, ambas assumidamente queer, fazem da nonagésima quarta temporada do evento histórica. Somando ao avanço, o maior mencionado da premiação, Ataque dos Cães, e o documentário Flee, que também fez história esse ano, tratam de temas ligados à homoafetividade. Tudo isso em 2022, antes tarde do que ainda mais tarde para uma Academia de Artes e Ciências Cinematográficas atrasada em reconhecer a diversidade.

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O leite derramado de Mães Paralelas

Cena do filme Mães Paralelas. Nela estão Ana e Janis de costas, em ordem. Ana é uma jovem branca de cabelo curto estilo joãozinho platinado. Ela veste uma jaqueta esportiva azul marinho com detalhes em vermelho nas laterais. Ela segura uma taça de vidro âmbar em direção à Janis, que está à esquerda. Janis é uma mulher branca de meia idade com cabelo castanho médio iluminado e ondulado. Sua roupa é coberta pelo cabelo. O fundo é uma parede verde musgo com retratos de ancestrais emoldurados por molduras vermelhas.
Após abrir o Festival de Veneza em 2021, Mães Paralelas foi indicado à duas categorias do Oscar 2022: a de Melhor Atriz e Melhor Trilha Sonora Original (Foto: El Deseo/Netflix)

Ayra Mori

Duas mães, duas Espanhas, dois paralelos. Uma mãe dá à luz a uma criança nascida do amor. Outra, à uma criança nascida da dor. Uma Espanha segue sem culpas do passado sombrio do Franquismo. Outra carrega consigo os traumas geracionais de vestígios mortais dos ossos inidentificáveis que jazem em covas ilegítimas. Firmado pelos opostos, em Mães Paralelas (no original, Madres Paralelas) Pedro Almodóvar posiciona passado e presente, ambos em confronto entre si. O longa dá sequência ao universo melodramático deslumbrante – mas cru – do cineasta espanhol, desta vez, como manifesto político. O leite já foi derramado e o resquício azedo de sua sujeira continua incrustado nos rejuntes do país. Resta, aceitá-lo.

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