10 anos de 21: nós sempre nos lembraremos de Adele

Capa do álbum 21 da Adele. Ele mostra o rosto da cantora de olhos fechados. Ela tem os cabelos soltos e penteados para trás, pele clara e a mão apoiando a cabeça. A imagem é em preto e branco com o número 21 em verde.
“Você e eu temos uma história/Ou você não lembra?” (Foto: Reprodução)

Ana Laura Ferreira

São poucos os artistas que alcançam um patamar de grandeza tão alto a ponto de se tornarem reconhecidos no mundo todo por seu talento. Mais raro ainda são aqueles que agradam a todos, tamanha sua qualidade, e quase impossível aqueles que atingem tudo isso com uma carreira de apenas dois álbuns. Mas contradizendo as possibilidades, Adele cumpriu esse feito com o marcante, esplendoroso e inconfundível 21 (2011). Chega a faltar palavras para descrever toda a magnitude do disco que consagrou a cantora há 10 anos.

A britânica, dona dos vocais mais memoráveis da atualidade, foi a responsável por dar vida à narrativa única contada pelas onze faixas. Trazendo toda a dor, angústia e raiva de um fim de relacionamento, Adele foi capaz de transformar uma história pessoal em universal, abraçando até mesmo aqueles que nunca tiveram seu coração partido. Apesar da temática tão recorrente na arte, o que mais diferencia sua trama é a capacidade que ela tem de expressar seu sofrimento e transmiti-lo através das canções, dando uma palhinha de todas aquelas sensações que transbordam a música e atingem em cheio nossa alma.

Contudo, é sua sinceridade que torna o álbum ainda mais abrangente. Se sobressaindo aos gêneros, 21 agrada a quem quer se seja, se não pelo borbulhar que causa em nossos estômagos, pela qualidade técnica que não é em momento algum deixada de lado. Essa dobradinha de talento puro e comprometimento profissional é a chave para entendermos como um disco lançado a apenas uma década já é considerado um dos mais relevantes do século.

A imagem da cantora Adele mostra ela com um vestido tubinho preto com mangas três quartos. Ela tem os cabelos loiros soltos e volumosos, tem os dois braços abertos, assim como a boca. Em sua frente há um microfone e ao fundo há luzes azuis de show.
O disco foi vencedor de 11 prêmios, entre eles o de Álbum do Ano no Grammy 2012 (Foto: Jon Furniss)

Abrindo com o hino pelo qual Adele é conhecida, Rolling In The Deep chega como uma experiência sinestésica. Forte como um soco, melodioso como o vento e poderoso como um trovão, a canção nos energiza pelos ouvidos de forma tão marcante que “poder” é a única descrição que vem à mente. Assim como a cantora, esbravejamos de raiva Pense em mim nas profundezas do seu desespero/Fazendo uma casa lá embaixo/Como a minha certeza de que não serão compartilhados”.

Entretanto, se engana quem pensa que a britânica guardou toda essa potência para si até o lançamento de 21. Já em seu antecessor, 19 (2008), Adele trouxe sua força vocal em letras autorais que transmitiam verdade da mesma forma que as faixas desse disco, mas ainda assim, o grande diferencial do álbum de 2011 é que ele eleva esses sentimentos a patamares difíceis de colocar em palavras. Mais madura, mais consciente e mais fervorosa, a cantora caminha até seu limite e se esbalda nele, vendendo a premissa simples de forma grandiosa.

Essa junção de elementos a torna uma referência a si mesma, fazendo o que a tempos ninguém fazia. Se tivéssemos que aproximá-la de alguma outra artista, para fins de exemplo, a colocaria ao lado das grandes divas que reinaram entre os anos 30 e 50 como Nina Simone, Etta James e Edith Piaf, as quais consigo imaginar perfeitamente interpretando One and Only. E o que torna ainda mais crível tal comparação é ter consciência de que o álbum, bem como o próprio estilo musical de Adele, se enquadrariam como grandiosos caso lançados setenta anos atrás ou até mesmo daqui a setenta anos, como a definição exata de atemporal.

Imagem do clipe Rolling In The Deep. Mostra Adele sentada de perfil em uma cadeira grande. Ela tem os cabelos loiros presos em um coque e usa um vestido de manga três quartos e meia calça, ambos pretos. Ao fundo há uma grande porta branca.
21 é hoje o segundo álbum mais vendido do Reino Unido na história, ficando atrás apenas de Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band do The Beatles (Foto: Reprodução)

Mas voltando a nos ater à narrativa única, dividida em atos durante a coletânea, acompanhamos de perto todas as fases do luto pelas quais a intérprete passa, da raiva à negação, até chegar a conformidade. E é em meio a essa grande história que a memória vem à tona, não é em uma ou duas, mas em cinco canções de forma explícita, além de atravessar as letras das demais. No vai e volta entre passado e presente, lembrança e realidade, nos vemos atados a narrativa quase como se fossem nossas recordações ali cantadas.

A honestidade de 21 se ampara na mistura de gêneros como soul, R&B e até mesmo rock, como em I’ll Be Waiting que poderia facilmente fazer parte da discografia de Elton John. Mas apesar de que conseguiria ficar por horas exemplificando e dissertando sobre questões técnicas e sobre como Adele consegue unir sua voz às sonoridades orgânicas e avassaladoras, o que a difere de tantos outros artistas é a soberania do álbum. Sem se esconder atrás da humildade, a cantora nos entrega o disco consciente e orgulhosa de sua excelência.

Seja pela ferida aberta de Don’t You Remember ou pela dor encarnada de Someone Like You, 21 supera qualquer expectativa ao criar uma sinfonia de sentimentos que transbordam em nosso íntimo. Trazendo as camadas de um amor maduro e uma reconstrução penosa, Adele nos presenteia com sua angústia e de forma quase terapêutica nos sentimos curados, pouco a pouco, junto a ela. Mais do que uma coletânea, o álbum é uma obra prima que se atreve a esfregar em nossa cara o poder da arte. 

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