Se se sentir sozinho, Fale Comigo

Fale Comigo estreou no Festival de Sundance de 2023, onde foi adquirido pela A24 para ser distribuído nos Estados Unidos, e passou pelo Festival de Berlim (Foto: Diamond Films)

Vitória Gomez

Vivendo na linha tênue entre mainstream e marginal, o Cinema de Horror encontrou terreno fértil no público nos últimos anos. A A24 é um dos exemplos de produtora e distribuidora independente que, dando liberdade criativa para seus realizadores, lançou sucessos instigantes à audiência e à crítica, e pareceu reacender uma chama que sempre existiu no gênero, geralmente renegada ao lado B. Assim, a produtora assumiu um papel relevante em catapultar ao estrelato obras discretas sob o seu merecido selo de qualidade. Foi o caso de Fale Comigo: chegando aos cinemas mundiais já sob o título de “melhor terror de 2023”, o longa de estreia dos irmãos RackaRacka saiu da Austrália para ganhar o mundo mostrando tudo que o Horror sempre teve a oferecer.

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Treta revela que a paz interior é mais uma jornada do que um destino

Cena da série Treta. Nela estão os dois personagens principais interpretados pelos atores asiáticos americanos Steven Yeun e Ali Wong. Um está à frente do outro enquanto se olham em desafio. Ao fundo uma casa bem ornamentada com uma obra de arte pendurada ao centro. Steven, que interpreta Danny Cho, está segurando uma taça de champanhe enquanto veste uma camisa preta. Ali Wong está com um macacão branco e cabelos na altura do queixo olhando para cima.
Steven Yeun tranquilizou Ali Wong antes das filmagens de Treta, dizendo que sabia tanto quanto ela; a atriz supôs que, sem isso, talvez não tivesse sido capaz de se apresentar como fez (Foto: A24)

Henrique Marinhos

Treta, como comédia dramática, beira ou até ultrapassa o humor ácido ao acompanhar um surto de raiva no trânsito entre duas pessoas, que acabam deixando isso tomar conta de suas vidas. Criada pelo hilário Lee Sung Jin (Thunderbolts) e produzida pela A24, uma das produtoras mais aclamadas do Cinema independente norte-americano, a obra reúne os talentosos Steven Yeun (Minari – Em Busca da Felicidade) e Ali Wong (Aves de Rapina: Arlequina e sua Emancipação Fantabulosa), protagonistas e produtores executivos que, durante as filmagens, elogiaram um ao outro por seu senso de humor e atuação.

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Todos somos Criaturas do Senhor

Criaturas do Senhor estreou no Festival de Cannes em 2022 e chegou nos cinemas brasileiros em abril, seis meses após o lançamento global (Foto: A24)

Vitória Gomez

A Irlanda tem sido palco de produções interessantes e diversas. Longe dos conflitos amistosos e de uma bela ambientação folclórica, ou até da sensibilidade tocante de uma tal menina silenciosa, a ilha também abriga as Criaturas do Senhor e seus lados sombrios e humanos. Na obra, produzida pela oscarizada A24, a decisão de uma mãe entre proteger seu filho ou deixá-lo aceitar as consequências de suas próprias ações norteiam um dilema sem volta, capaz de alterar a trajetória da cidade inteira e de um patriarcado atemporal.

Estrelado pelos indicados ao Oscar Emily Watson e Paul Mescal, o filme demora a mostrar a que veio. Brian (Mescal) retorna ao lar, uma ilha não nomeada da Irlanda, depois de anos morando na Austrália. Sua partida é um mistério e seu retorno, mais ainda. Mesmo assim, o homem, na casa dos seus vinte e tantos anos, é bem recebido pela irmã Erin (Toni O’Rourke) e principalmente pela mãe, Aileen (Watson). O menino de ouro da mulher, porém, não é bem como ela o vê e, ao longo dos 100 minutos, se revela.

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Pearl sangra até o próprio estrelato

Cena do filme Pearl. Na imagem, uma mulher branca de cabelos castanhos presos para trás. Ela possui rímel escorrendo em direção à parte de baixo do rosto e uma expressão de raiva, além de usar um vestido vermelho em renda, com mangas bufantes. Suas mãos seguram um machado de tons terrosos ao topo de sua cabeça. Ao fundo, um céu azul e uma árvore de galhos verdes desfocada.
Gravada em sigilo midiático, a segunda parceria entre Ti West e Mia Goth estreou em Setembro de 2022, no 79º Festival Internacional de Cinema de Veneza (Foto: A24)

Henrique Marinhos e Vitória Vulcano

Favorecido pela liberdade do anonimato, o território dos pensamentos não vive para impor limites no dilema “ser ou não ser”; ele simplesmente é. A introspecção, nessa toada, pode ser a principal contextualização da oficina do diabo, especialmente no fantasioso universo do Terror. Direcionando seu tato experiente no gênero cinematográfico à agente dos assassinatos de X: A Marca da Morte, o diretor e produtor Ti West se une novamente à atriz Mia Goth em Pearl, filme-sequência concentrado em estudar a mente de uma mulher que cansou de existir plenamente apenas no mundo das ideias. 

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A Baleia é um retrato sobre tudo o que nos faz humanos

Cena do filme The Whale. Na imagem, o personagem do ator Brendan Fraser está dentro de uma casa. Ele está sentado em um sofá, usa uma camiseta cinza e sorri. Ao seu lado direito, há um abajur de luz amarela. A iluminação é baixa e os tons são frios.
Além de indicações no Oscar, The Whale recebeu indicações em premiações como Critics Choice Award, Cannes, Globo de Ouro e SAG Awards (Foto: A24)

Clara Sganzerla 

Moby-Dick, ou The Whale, é um famoso romance publicado em 1851 pelo escritor estadunidense Herman Melville, que conta a famosa saga do capitão Ahab atrás da baleia que arrancou sua perna. A semelhança com A Baleia, um dos filmes mais comentados do Oscar 2023, não é apenas no nome. A nova obra do diretor Darren Aronofsky nos leva em uma triste trajetória de um outro protagonista atrás de algo que vai além da forma física: uma redenção para si mesmo.

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Envolta por traumas, a cura pede Passagem

Cena do filme Causeway, da A24. Imagem retangular e colorida. Nela, a personagem Lynsey, interpretada por Jennifer Lawrence, está sentada no banco de um ônibus e olha contemplativa pela janela, com a luz do sol batendo contra seu rosto. Ela é uma mulher branca de cabelos loiros e olhos claros, que veste uma camiseta azul-escura.
A principal aposta da Apple TV+ no Oscar de 2023, Causeway teve uma passagem tímida na premiação e garantiu somente uma indicação (Foto: A24)

Enrico Souto

Causeway, longa da A24 indicada ao Oscar de 2023, traduz-se como ‘ponte’ para o português. Essa ponte, tanto em significado material quanto metafórico, representa uma contradição que assombra perpetuamente seus personagens: símbolo do elo entre pessoas, fonte de experiências ternas carregadas por toda a vida, ao passo que subordinado ao inevitável erro, catalisador de traumas inomináveis e fardos que, da mesma forma, serão lembrados para sempre. Ao mergulhar sob a relação desengonçada de dois indivíduos que, embora quebrados, acham conforto na companhia um do outro, Passagem, como foi nomeado no Brasil, imerge no micro para resgatar a raíz e o valor inerente ao afeto humano.

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Close nos aproxima da dor das rupturas

Cena do filme Close. Rémi e Léo estão olhando um para o outro. Léo é um garoto branco loiro de olhos azuis, ele está vestindo uma camiseta branca e tem uma mochila azul marinho nas costas. Rémi é um menino branco de cabelos e olhos castanhos, ele veste uma camiseta bordô e usa uma mochila verde musgo. Ambos têm feições sérias
Close é uma coprodução belga, holandesa e francesa, e concorre na categoria de Melhor Filme Internacional no Oscar de 2023 (Foto: A24)

Jamily Rigonatto 

Ceder a pressão social é fácil, quase um instinto do ser humano em busca de aceitação e, por vezes, sobrevivência. O ponto é que tudo pode ser desfigurado para que possamos caber nas caixas ditas como certas: roupas, cabelos e até mesmo os amores. Em Close, filme lançado em 2022 sob a direção de Lukas Dhont, os protagonistas figuram o ato de cortar os laços mais profundos como se fossem uma linha fina – rompem-se com facilidade, mas ficam as pontas esfarrapadas. 

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Marcel the Shell with Shoes On: Nos menores frascos, estão os maiores corações

Cena do filme Marcel the Shell With Shoes On. Nela, vemos um personagem Marcel, uma concha do tamanho de uma polegada em cor nude com um olho onde era para ser sua abertura, uma boca e sapatos com a ponta vermelha. Ele está sobre um computador, olhando para a tela e boquiaberto.
Marcel the Shell with Shoes On é o resultado de mais de 10 anos de amor pelo personagem mais amoroso do audiovisual recente (Foto: A24)

Guilherme Veiga

Desde que o gênero mockumentary caiu nas graças do público, a vertente buscou explorar os contextos mais improváveis, indo de uma empresa de papel da Filadélfia, passando por um grupo de vampiros em Staten Island e chegando na vida de um excêntrico repórter cazaque aterrissando nos Estados Unidos. Naturalmente vinculado à comédia, é de praxe que falsos-documentários abracem o nonsense e joguem fora toda a busca por credibilidade. Porém, é da premissa mais absurda que o produto é tratado de forma mais séria.

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Animação não é coisa de criança, mas para a Academia…

Homenagem tendenciosa? Woody e Buzz apresentam o Oscar de Melhor Animação em 2016 para Divertida Mente, do mesmo estúdio que lhes deu vida (Capa: Ana Clara Abatte)

Nathan Nunes

Na manhã do dia 15 de Janeiro de 2015, Hollywood ficou em polvorosa com a falta do então favorito Uma Aventura Lego entre os indicados ao Oscar de Melhor Animação. Lembrado, ainda assim, na disputa de Canção Original com Everything is Awesome, o longa de Phil Lord e Christopher Miller (que seriam premiados anos depois por Homem-Aranha no Aranhaverso) foi preterido em razão de dois candidatos menos conhecidos: O Conto da Princesa Kaguya, do cultuado Studio Ghibli, e A Canção do Oceano, da pequena produtora irlandesa Cartoon Saloon. Completavam a lista Como Treinar o Seu Dragão 2, da DreamWorks, Os Boxtrolls, da LAIKA Studios, e o eventual vencedor Operação Big Hero da Disney. Apesar do esnobe, é notável que havia um equilíbrio na disposição dos estúdios por trás dos concorrentes naquele ano, abraçando tanto os gigantes quanto os independentes e estrangeiros

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Tudo em Todo o Lugar ao Mesmo Tempo realmente é o que diz ser

Cena de Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo. Nela, vemos Evelyn, interpretada por Michelle Yeoh. Ela é uma mulher asiática de meia idade e de cabelos pretos. Evelyn veste uma camisa florida e um colete vermelho. A câmera dá um close em seu rosto, onde há um sangramento no nariz e um corte do lado esquerdo de seu rosto, que também sangra. Há um googly eye, um olho típico de bonecos de pelúcia colado em sua testa. Ao fundo e desfocado, há uma repartição pública
Sendo a maior bilheteria do estúdio, Tudo em Todo o Lugar ao Mesmo Tempo foi o responsável por fazer a produtora furar a bolha de vez (Foto: A24)

Guilherme Veiga

Quanto vale entrar para a História? Quanto vale não ser esquecido jamais? Indo além, na questão cinematográfica, quanto vale fazer parte da História, seja como idealizador ou como mero telespectador? Não faltam exemplos em que essa visão não foi estimulada, como em Blade Runner (1982), The Rocky Horror Picture Show (1975) ou, até mesmo, The Room (2003) – obras injustiçadas ou que deram a volta em sua própria ruindade, mas, a princípio, foram incompreendidas. Essa poderia ser a sina de Tudo em Todo o Lugar ao Mesmo Tempo, longa lançado em Março mas que só chegou ao Brasil em Junho. Porém, tivemos a sorte de ver a História sendo (re)escrita no Cinema.

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