35 anos de Disintegration: The Cure e a cura para todos os momentos

Aviso: o seguinte texto discursa sobre temas que podem se tornar gatilhos para algumas pessoas que sofrem/sofreram com dependência por uso de álcool e depressão.

Texto Alternativo: Capa do álbum Disintegration da banda The Cure. A imagem possui um fundo preto onde no centro podemos ver um homem branco, com o rosto pálido olhando para cima. Ele possui cabelos pretos, seus olhos estão com lápis de olho na cor preta e usa batom vermelho nos lábios. Apenas seus ombros estão à mostra, com uma camisa também branca. Ao redor do homem temos sombras de diversos tipos de flores, mas algumas se encontram visíveis. No topo da imagem, acima do homem, podemos ler “The Cure - Disintegration” em letras de forma e caixa alta na cor vermelha.
“Às vezes você me faz sentir/Como se eu vivesse na beira do mundo” (Foto: Fiction Records)

Marina Iwashita Canelas

Se por um lado, as cidades industriais inglesas do final da década de 1970 à metade de 1980 já tivessem tido dias mais coloridos, por outro, a sua cena musical era visualmente escura, com neblina e lápis preto nos olhos. Foi em uma apresentação pouco concorrida dos Sex Pistols no Lesser Free Trade Hall, em Manchester, que os fãs ali presentes posteriormente formariam bandas do movimento post punk, como o Joy Division e The Cure

Oriundos de Crawley, no West Sussex, a banda The Easy Cure foi formada pela personificação gótica da época, Robert Smith, em 1976. Foi durante esse período que grandes outros grupos surgiram, como Siouxsie and the Banshees e Echo & The Bunnymen, porém a banda liderada por Smith é a única que se mantém ativa até hoje, ainda que tenha sofrido inúmeras mudanças na sua formação.

A foto retrata a banda The Cure unida. O cenário mostra a parede de uma casa, com duas janelas e uma porta azul, além de conter muitas caixas de equipamentos. Na foto temos cinco homens, o primeiro da esquerda é branco, está sorrindo, usa maquiagem preta nos olhos e se encontra agachado todo em roupas pretas, um chapéu preto e um lenço vermelho por baixo. Ao lado direito dele temos um homem branco em pé, sorrindo e com cabelos espetados. Suas roupas são todas na cor preta e ele usa um paletó, uma camisa e uma calça. Logo após, temos um homem branco loiro, sentado em um dos equipamentos, abraçando sua perna direita, vestindo uma camiseta e calça pretas e um tênis preto também. O quarto homem é branco possui olhos com maquiagem preta nos olhos, batom vermelho nas bocas que está sorridente e tem seu cabelo bagunçado e espetado para cima. Ele está em pé, apoiando os braços nas caixas de equipamento atrás dele, usando uma camisa de mangas compridas pretas e uma calça na escura. Por fim, o último homem é branco possui a mesma maquiagem no rosto que o anterior e tem cabelos enrolados castanhos na altura dos ombros. Ele veste terno, camisa e calças pretas e se encontra ajoelhado em cima da caixa de equipamento mais à direita da foto.
The Cure foi o show de abertura de Siouxsie And The Banshees em 1979, divulgando o seu primeiro álbum Three Imaginary Boys (Foto: Bravo Magazine)

O final dos anos 1980 para a banda não foi dos mais tranquilos. Apesar de em 1987 a banda ter aterrissado nos EUA com o sucesso pop de Kiss Me, Kiss Me, Kiss Me, The Cure queria voltar a sua origem gótica, do disco Pornography (1982). Enquanto Smith passava por uma combinação de depressão causada pela popularidade repentina da banda e a crise dos 30 – além do uso pesado de LSD –, o tecladista Lol Tolhurst passava por conturbações com o álcool e era demitido. 

O disco Disintegration veio a público há 35 anos, em maio de 1989, para infelicidade do selo Elektra, que acusou o grupo de cometer um suicídio comercial por voltarem a sonoridade gótica. Como fator surpresa, temos o disco de maior sucesso da banda, fazendo parte da lista dos 500 melhores álbuns de todos os tempos pela revista Rolling Stone, na 116ª posição.

O grupo britânico aborda seu momento de desintegração enquanto banda e vocalista, mas, por mais que tenha uma aura depressiva e melancólica, Disintegration fala de todos os momentos da vida. Seja para você se afogar em mágoas e depressão, para se sentir abraçado ou até se imaginar chegando no outro plano da vida com essa trilha sonora. 

A imagem mostra a capa de DVD de um show realizado pela banda The Cure em Paris com o seu novo álbum Disintegration. É uma capa com fundo branco onde ao lado esquerdo temos a contracapa, onde podemos ver o setlist da noite, ao centro temos a lombada do objeto, escrito o nome da banda e o local do show. No lado direito do encarte, temos a capa com escritos grandes com o nome da banda em caixa alta, uma imagem preto e branca do líder da banda, com fundo preto; olhos bem marcados pretos pela maquiagem e a cabeça inclinada para direita apoiada nas mãos cruzadas no queixo. Abaixo, temos o convidado de abertura e as datas da turnê na França.
“A única maneira de passar um dia de entrevistas era tomando dois drinques em cada entrevista” – Robert Smith sobre a depressão e uso de drogas em Disintegration (Foto: NRJ)

Ouvir Disintegration é se sentir conectado com a sua alma, até nos momentos em que nada faz sentido. O disco te leva para um espaço onde só existe você, rodeado pela voz apaixonante de Robert Smith, o baixo carregado de Simon Gallup e os sintetizadores que Paul Thompson usa. É nesse cenário que temos um registro super emocional, onde tudo é muito cheio, carregado e superlativo. A produção transforma o momento de ouvir música em algo tão íntimo, que alcançamos uma paz anestesiante.

Por ter tanto sentimento dentro de si, o disco quase nos faz não saber como reagir em alguns momentos. Entre eles, a maior faixa de abertura para álbuns, a aclamada Plainsong, que transmite tristeza e dor, mas ainda é calmaria e amor, com seus mais de dois minutos introdutórios explorando sons de sinos e da linha do baixo. Quando passamos a ouvir os vocais de Smith, temos a sensação de que um anjo fala conosco. Suas falas possuem eco e apesar de cantar de um jeito simples, sem muitos esforços, o vocalista passa para a obra toda a sua angústia, paixão e verdade, tornando tudo muito mais real – em um determinado momento você passa a se questionar, na verdade, o que é real.

Sendo Disintegration um disco sobre ter sentimentos em excesso, Lovesong surge como a faixa mais romântica, que Robert Smith escreveu como presente de casamento para sua esposa, Mary Poole, com quem é casado desde 1988, um ano antes do registro. “Não importa a distância/Eu sempre te amarei” diz o vocalista, fazendo promessas de compromissos para sua amada. Trazendo um comparativo das diversas facetas do álbum, o grupo britânico fez uma serenata profunda pela sua letra, mas com uma melodia alegre e que transmite esperança. Quando comparado com o cover que Adele gravou para a penúltima faixa de 21, a cantora londrina traz solidão e mistério na sua versão, tanto pelo arranjo musical quanto pela forma de cantar da artista.

Outro grande hit foi a assustadora Lullaby, que traz Smith sussurrando “E não há nada que eu possa fazer quando percebo com pavor/Que o Homem-Aranha vai fazer de mim o seu jantar desta noite”. O diretor Tim Pope foi o responsável pelos clipes de Disintegration que passaram na MTV, dando mais força e visibilidade a banda na época, ajudando a consolidar o visual gótico de Smith e tornando-o um dos vocalistas mais conhecidos de todos os tempos. Para o clipe do ano do British Awards 1990, Pope disse a NME que na faixa havia “humor, mas por baixo disso há todas as obsessões psicológicas e claustrofobia de Smiffy (apelido para Smith)”.

Em 2023, The Cure foi headliner do festival Primavera Sound e trouxe a turnê Shows of a Lost World para a América Latina. Com pelo menos três horas de duração por show, dos mais de 45 anos de banda cheio de hits, o grupo cantou metade de Disintegration no setlist paulistano, que além dos citados acima também contou com a title song e Fascination Street.

Não é à toa que a Pitchfork deu nota 10 para Disintegration, um álbum fascinante e cheio de sentimentos que abraça e conforta, mas que também pode doer e atiçar uma parte profunda que não queremos visitar. Robert Smith, com toda sua graciosidade e grandes sentimentos, transborda emoções para nós, que podemos ouvir sua obra mais desintegrada sendo a mais completa justamente por isso.

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