Seremos sempre incapazes de ouvir os gritos de Listen?

Cena do filme Listen. Na imagem, há uma mulher e um homem sentados com uma cadeira separando os dois. Na esquerda, a mulher está sentada olhando para o lado com uma expressão de ligeira aflição; ela é branca de cabelos loiros e usa uma blusa lilás e segura um casaco roxo entre as mãos que estão entrelaçadas em cima das pernas. No canto direito, o homem também olha para o lado com atenção; ele é branco com cabelos castanhos e barba branca por fazer, usa uma camiseta azul com jaqueta verde muito desgastada por cima, uma calça cinza e segura um lápis e um papel para anotar em cima das pernas. A cadeira que os separa é em madeira clara e estofado bege. O fundo é uma parede com a metade de cima em papel de parede azul e folhagens claras, e a parte de baixo é de madeira listrada branca.
Uma família de imigrantes sofre silenciosamente na luta contra a Segurança Social britânica em Listen, filme exibido na seção Perspectiva Internacional da 45ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo (Foto: Bando à Parte)

Nathália Mendes

Limpe bem seus ouvidos para assistir o drama português Listen exibido na 45ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo. Nele, a surdez nada tem a ver com a falta de audição, mas com a racional ignorância daqueles que ouvem muito bem. No longa escrito e dirigido por Ana Rocha Sousa, um casal de imigrantes portugueses tenta criar três filhos, sendo a do meio uma menina surda, e sobrevivendo de subempregos em uma dura Londres, até que o Serviço Social britânico tira as crianças de casa. É por esse duro retrato familiar que o longa pauta a silenciosa adoção forçada na Inglaterra.

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O vencedor leva tudo em Bergman Island

Cena do filme Bergman Island. Na imagem estão Chris e Tony, em ordem. Chris, interpretada por Vicky Krieps, é uma mulher branca com cerca de 38 anos e cabelo cacheado castanho. Ela veste um suéter laranja queimado. Tony, interpretado por Tim Roth, é um homem branco com cerca de 60 anos e cabelo curto castanho claro. Ele veste uma blusa azul marinho. Ambos estão de perfil, olhando para uma janela. O fundo é uma parede branca de reboco simples.
Integrando a seleção da 45ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo, Bergman Island teve sua estreia oficial no Festival de Cannes 2021 (Foto: IFC Films)

Ayra Mori

Foi na Sétima Arte que Ingmar Bergman convidou seus fantasmas mais obscuros para uma batalha taciturna de xadrez. Numa série de movimentos milimetricamente calculados, xeque, o cineasta sueco ultrapassou os limites entre o homem ordinário e o gênio do Cinema Moderno. Integrando a Perspectiva Internacional da 45ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo, Mia Hansen-Løve se aventura em Bergman Island. E incubando-se da ingrata responsabilidade de homenagear tamanho legado, a diretora francesa vai para além de Bergman, refletindo acerca do amor, da desilusão e, principalmente, da recuperação artística.

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Meu Tio José lembra que nunca é tarde para dizer “Ditadura Nunca Mais”

Cena da animação Meu tio José. Na ilustração em preto e branco, vemos o personagem José entrando em uma farmácia, com prateleiras e caixas brancas em seu entorno. Ele é um homem branco, possui cabelos e bigode de cor preta, veste uma camiseta de cor cinza e uma calça e sapatos de cor preta.
Exibido na seção Mostra Brasil da 45ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo, Meu Tio José retrata a Ditadura Militar brasileira sob o olhar de uma criança (Foto: Fênix Filmes)

Bruno Andrade

“Tem dias que a gente se sente como quem partiu ou morreu”, escreve Chico Buarque na canção Roda Viva. Das diversas interpretações possíveis, a mais cruel e — infelizmente — presente diz respeito à vivência na Ditadura Militar brasileira, em especial durante o endurecimento do regime com o AI-5, período também conhecido como os Anos de Chumbo. Dentre as histórias manchadas pela repressão política, encontramos José Sebastião Rios de Moura, personagem fundamental em Meu Tio José, animação dirigida, roteirizada e ilustrada por Ducca Rios, e que integra a 45ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo.

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O primeiro sonho de Billie Eilish descobriu que o nosso pesadelo é a realidade

Capa do álbum WHEN WE ALL FALL ASLEEP, WHERE DO WE GO?, de Billie Eilish.
WHEN WE ALL FALL ASLEEP, WHERE DO WE GO? é a estreia assustadora de Billie Eilish, mas não do jeito que você está pensando (Foto: Darkroom/Interscope Records)

Raquel Dutra

“Quando todos dormimos, para onde vamos?”, questionava Billie Eilish em março de 2019. Na época, a artista californiana vislumbrava a realização de um sonho, depois da popularidade de seu single de estreia em 2016, sucedida pela recepção positiva de seu primeiro EP em 2017. Mas assim como todos nós, a jovem promissora na música pop ainda era vulnerável àqueles instantes que precedem o momento em que existimos sob a orientação dos nossos desejos mais profundos. Assim, o sonhar de Billie estava sujeito à influência da aflição que ela sentia por diversos aspectos do mundo que se encantou por aqueles olhos de oceano.

O conflito entre sonho e realidade pode ser interpretado como um dos desencadeadores da primeira narrativa de Billie Eilish, conhecida hoje como WHEN WE ALL FALL ASLEEP, WHERE DO WE GO?. Diferente do que a artista havia mostrado de sua identidade musical até então (através da branda primeira canção ocean eyes e no colorido extended play dont smile at me), o álbum de estreia de Billie traz elementos sombrios encontrados numa investigação profunda da dimensão psicológica da juventude contemporânea. E quanto às questões que a trouxeram até a concepção estética do disco, ela avisa logo no primeiro single do álbum: “eu não sonho”.

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Lua Azul: um fenômeno não acontece uma vez só

Cena do filme Lua Azul. A imagem mostra uma jovem em primeiro plano, de costas e posicionada à esquerda. Ela é branca, tem cabelos lisos castanhos presos numa trança, e olha para frente. À frente dela, existe uma mesa onde uma família faz uma refeição. O lugar é alto e tem vista para montanhas.
Carregado de uma indigesta fábula sobre relações de poder permeadas por questões de gênero, Lua Azul compõe a Competição Novos Diretores da 45ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo (Foto: Patra Spanou)

Raquel Dutra

A cineasta romena Alina Grigore é precisamente misteriosa ao nomear seu primeiro filme. No evento celeste da Lua Azul e na trama narrativa de Lua Azul, o que manda é o paradoxo que existe entre a riqueza de seus significados e a simplicidade do seu significante. E de fato, o que o drama traz para a 45ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo, depois de sair com o prêmio máximo do Festival Internacional de Cinema de San Sebastián 2021, é um fenômeno em todos os sentidos. 

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Capitães de Zaatari não acerta o gol que precisava

Imagem retangular, retirada do filme Capitães de Zaatari. O cenário é uma tarde em um acampamento de refugiados, com casebres construídos dos lados da rua de terra. No centro, em foco, vemos um grupo de seis garotos. Primeiro, à esquerda, um garoto usando um boné preto para trás, e vestindo uma camiseta laranja e branca e uma calça preta. Do seu lado esquerdo, está outro garoto, de cabelos raspados, vestindo uma camiseta preta e laranja e uma calça preta. Ele está prestes a cumprimentar um garoto mais alto, que aparenta ser mais velho. Esse é Mahmoud, ele usa um boné de aba curva azul, e veste uma calça preta e uma camiseta azul da seleção de futebol italiana. Mais atrás dele, está outro menino, menor, de cabelo raspado, que usa uma camisa azul e calça preta. Mais à esquerda, está Fawzi, um garoto da mesma altura de Mahmoud, que usa um boné vermelho, uma bermuda azul, e veste uma camiseta branca com detalhes em vermelho, e com a logo da banda Rolling Stones, uma boca mostrando a língua, estampada em seu centro. Por último, do lado esquerdo de Fawzi, está um garoto, que veste uma camisa azul e verde estampada e uma bermuda jeans, enquanto segura uma bola de futebol na mão direita. O grupo de garotos sorriem, conversando entre si.
Compondo a Competição Novos Diretores, da 45ª Mostra internacional de Cinema em São Paulo, falta audácia em Capitães de Zaatari (Foto: Dogwoof)

Enrico Souto

A conjuntura instável e precária que refugiados no mundo todo se encontram nunca foi tão grave. São um dos grupos mais vulneráveis socialmente, agrupando pais e mães que se sujeitam aos trabalhos mais ímpios para sustentar suas famílias, e uma juventude que não vê perspectiva de um crescimento saudável. Nesse contexto, qual o papel que o esporte exerce? O futebol pode adquirir uma função transformadora e emancipatória para essas pessoas? Questões importantíssimas, mas que nunca são tratadas com a devida atenção por Capitães de Zaatari, documentário egípcio que é exibido na 45ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo.

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Alan Wake Remastered é mais do que uma luz no fim do túnel

Cena do jogo Alan Wake Remastered. Alan Wake está de costas para a câmera, no meio de uma estrada, encarando um tornado de energia escura que avança e levanta carros, barris e outros objetos. Alan possui cabelos negros e usa um paletó cinza de tweed com um capuz de moletom abaixado por cima. Na mão esquerda ele segura uma lanterna apontada para o chão. À sua esquerda está um edifício baixo envolto por uma cerca de madeira baixa. Mais a frente, a silhueta de um poste elétrico aparece contra a floresta mais a frente, iluminado por uma fonte de luz vindo de algum lugar dessa floresta. À direita de Alan, uma árvore silvestre se ergue e podemos ver outra cerca circundando o outro lado da estrada. A cena toda está ocupada por uma névoa densa e sobrenatural.
“O mistério sem resposta é o que fica na cabeça, e é dele que nos lembraremos no fim” (Foto: Remedy Entertainment)

Gabriel Oliveira F. Arruda e João Paulo de Oliveira

Mais de uma década após seu lançamento original no Xbox 360, o pesadelo cult da Remedy Entertainment toma nova forma em Alan Wake Remastered, entregando a experiência definitiva da obra idealizada por Sam Lake. Inicialmente amaldiçoado por um período de desenvolvimento caótico, uma janela de lançamento inoportuna e um grande número de versões piratas, o remaster chega como uma segunda chance para que a franquia alcance o sucesso que sempre mereceu.

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Após 30 anos, A Família Dinossauros continua sendo a série jurássica mais atual já feita

Cena da série A Família Dinossauros exibe uma família de quatro dinossauros vestindo roupas em volta de um ovo.
Com répteis gigantes como protagonistas, A Família Dinossauros apresentava a cada episódio uma história nova dos Silva Sauro (Foto: Jim Henson Productions)

Gabriel Gatti 

Há milhões de anos, as formas de vida que habitavam a Terra eram outras. Os registros geológicos chamam de pré-cambriano a fase em que começaram a surgir os primeiros seres vivos. Com o passar do tempo, apareceram outros animais mais complexos, como os dinossauros, répteis gigantes que dominavam o planeta. Esse é o contexto histórico em que se passa a série A Família Dinossauros, criada por Jim Henson, uma sitcom que de arcaica não tem nada. O show jurássico ganhou notoriedade por apresentar de forma humorística a reconstrução do estilo de vida contemporâneo por meio de dinossauros. 

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Medusa, meretriz, monstro, mulher

Cena do filme Medusa. A atriz Mari Oliveira está no centro. Ela é uma mulher negra, de cabelos escuros e presos e usa uma blusa rosa. Seu rosto está com uma espécia de argila verde e ela espalha com as duas mãos. Ao fundo, vemos a cabeceira da cama e uma parede com fotos.
Medusa agraciou a seção Mostra Brasil da 45ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo, mas apenas em sessões presenciais (Foto: Bananeira Filmes)

Caroline Campos

Por Poseidon, Medusa foi violentada. Por Atena, foi castigada, seus cabelos viraram cobras e seu olhar se tornou mortal. Por Perseu, a já criatura foi decapitada e transformada em arma de guerra. Pela História e pela Arte, foi vilanizada, perseguida e satirizada. Mas, no Brasil de 2021, Medusa foi a escolhida por Anita Rocha da Silveira para intitular seu segundo longa-metragem, que, presente na 45ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo, honra, com moldes trágicos e atuais, a trajetória da bela sacerdotisa amaldiçoada.

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Pedregulhos e o poder silencioso dos oprimidos

Cena do filme Pedregulhos. A imagem mostra um homem e um menino, ambos indianos, em pé sobre um chão de areia, a uma certa distância um do outro. No fundo há uma pequena cabana com diversos produtos pendurados. O cenário é seco, mas com verde nas copas de algumas árvores.
Pedregulhos integra a Competição Novos Diretores da 45ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo (Foto: Rowdy Pictures)

João Batista Signorelli

Um pai, um filho, e uma árida paisagem. Estes são os três protagonistas de Pedregulhos, longa indiano selecionado para representar o país na corrida pelo Oscar de Melhor Filme Internacional em 2022, e que está em exibição na programação da 45ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo. O filme parte de um pai alcoólatra que retira o filho da escola, forçando-o a acompanhá-lo na procura da mãe, que fugiu de casa devido à violência doméstica sofrida pelas mãos do marido. 

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