Rotulada como uma comédia que“nos faz sentir bem”, é uma reviravolta e tanto que o ano dois de Ted Lasso decida concluir sua trama futebolística em notas tão amargas. “É ‘O Império Contra-Ataca’”, definiu boa parte do elenco sobre a segunda temporada. Com isso, o público pôde pescar que questões sobre paternidade, rancor e traição fossem tomar parte na tela, visto que tudo isso ocorreu no longínquo episódio cinco de Guerra nas Estrelas. Mas o baque foi mais forte que o prometido.
O segundo Emmy em tempos pandêmicos chegou e já foi embora. Com a retomada das atividades presenciais, sem máscaras à vista e com muitas vacinas no braço, o prêmio da Academia de TV adotou um formato mais intimista em 2021, coroando os melhores do ano sob a apresentação do rapper Cedric the Entertainer. A festa começou com um karaokê bem animado, na paródia de Just a Friend, em tributo a Biz Markie, falecido alguns meses atrás. O anfitrião puxou a canção, que foi entoada por uma porção dos nomeados da noite, incluindo os sempre estonteantes Anthony Anderson e Billy Porter.
Longe das reuniões em salas do Zoom e dos troféus entregues por funcionários vestidos como sobreviventes de um apocalipse nuclear, a edição de 2021 recebeu seus nomeados em dois lugares. Nos Estados Unidos estava a concentração de estrelas, enquanto o Reino Unido abrigava as joias da Coroa: boa parte do elenco de The Crown que, alerta de spoiler, quebrou uma porrada de recordes.
No ano em que uma maoria de artistas negros apareceu nas categorias de atuação, a Academia de Artes e Ciências da Televisão premiou 12 pessoas brancas, entre atores principais e coadjuvantes, nos campos de Drama, Comédia e Série Limitada. O retrocesso de diversidade acontece uma edição após a performance gloriosa de Watchmen, e no mesmo ano em que produções como Lovecraft Country, I May Destroy You, black-ish e The Underground Railroad se destacaram pela excelência técnica e artística.
Em Drama, The Crown se junta ao grupo de Angels in America e Schitt’s Creek, que agora são as três únicas séries a vencerem todas as categorias em uma noite. O episódio War, o final da quarta temporada, rendeu um prêmio de Roteiro (para o criador Peter Morgan) e outro de Direção (para Jessica Hobbs, em uma vitória histórica para as mulheres). Gillian Anderson (que foi perguntada, depois de vencer, se havia conversado com Margaret Thatcher sobre o papel na série) saiu como a Melhor Atriz Coadjuvante, enquanto a avalanche da Rainha premiou também o Ator Coadjuvante Tobias Menzies.
O grande favorito na disputa, entretanto, era Michael K. Williams, que morreu no começo do mês e entregou em Lovecraft Country uma das interpretações mais fortes do ano passado. Antes de anunciar o destino, Kerry Washington honrou o amigo, lembrando de sua luz e presença com amor e saudade. Sua derrota evidencia uma frequente nada positiva: depois do Oscar fazer uso da imagem de Chadwick Boseman para atrair audiência e, na sequência, premiar um ator branco em seu lugar, o Emmy faz igual.
O segmento In Memoriam, apresentado pela ternura de Uzo Aduba e guiado pelas cordas sensíveis de Jon Baptiste e Leon Bridges, finalizava-se com um depoimento em vídeo de Williams, discursando sobre a sustentação que atores negros criam um para o outro. No fim das contas, a diversidade da lista de 2021 foi propaganda enganosa. Tobias Menzies venceu um Emmy pelo papel quase imperceptível do Duque de Edimburgo na 4ª temporada de The Crown. Michael K. Williams viveu Montrose Freeman com a garra de um campeão, e morreu sem prêmio algum da Academia.
A categoria de Ator, que deveria reconhecer Billy Porter pelo ano final de Pose (que só venceu na cerimônia técnica), acabou chamando o nome de Josh O’Connor, que deu vida ao monstruoso Príncipe Charles. Seu par, a Lady Di de Emma Corrin, foi surpreendida pela zebra Olivia Colman, a Toda-Poderosa-Rainha. Assustada, surpresa, emocionada e galante, Colman discursou com o magnetismo que virou sua marca registrada, mas a amargura de não poder assistir Mj Rodriguez fazer história no palco da Academia é grande demais para sorrir do “Michaela Coel, fuck yeah!”, que Colman soltou logo após homenagear o pai, vítima da pandemia.
Na semana anterior, The Crown havia vencido um importante indicativo do apoio da Academia: o Emmy de Atriz Convidada, para Claire Foy, que retornou em um flashback como a jovem Rainha (o episódio em questão, 48:1, também rendeu o prêmio de Olivia Colman). Contrariando especialistas, Charles Dance perdeu a categoria de Ator, que premiou Courtney B. Vance, na única lembrança “grande” de Lovecraft Country.
Melhor Série de Drama, que ano após ano fecha a cerimônia, foi a penúltima das categorias anunciadas em 2021. Na acertada decisão de reconhecer o prestígio das Séries Limitadas, o Emmy finalmente se curvou à Netflix e chamou a equipe de The Crown ao palco britânico, rendendo à pioneira do streaming seu primeiro prêmio de Série. Viu? Só precisou de uma pandemia, de atrasos gigantescos de produção e da HBO quase que de folga, para a Netflix ganhar os prêmios grandes. De fato, a emissora do ‘Tudum’ conseguiu 44 estatuetas e se igualou a um recorde da CBS, que venceu o mesmo número em 1974.
A categoria de Série Limitada dividiu mais suas honras que a de Drama, mas ainda assim houve uma aglomeração na cidadezinha de Easttown. Kate Winslet, Julianne Nicholson e Evan Peters subiram ao palco, agradeceram à HBO e ao elenco formidável de Mare of Easttown, sensação de 2021. Winslet venceu uma década depois de triunfar por Mildred Pierce, outra original da HBO com quem ela faz par romântico com Guy Pearce. Nicholson e Peters, nas categorias de Coadjuvante, venceram os primeiros Emmys da carreira.
A zebra veio em Ator, com o Visão levando rasteira do estilista mais sexy da Netflix: o próprio Halston. Em mês de Met Gala, Ewan McGregor foi recompensado por sua atuação extravagante e deliciosa na minissérie de Ryan Murphy. Com apenas essa nomeação na noite principal, McGregor exibiu seu charme inebriante, e na quarta nomeação, adicionou um Emmy à estante.
O prêmio de Roteiro em Série Limitada nos mostrou que ainda há bem no mundo. Michaela Coel, que sangrou suas dores em toda a concepção de I May Destroy You, confirmou um dos favoritismos mais merecidos do ano, e discursou sua poesia bruta e sincera. A festa parecia estar indo muito bem, até que Scott Frank foi chamado para receber o troféu de Direção, por seu trabalho milimetricamente calculado na desgastada O Gambito da Rainha.
O discurso do diretor, que também criou e escreveu a série, se estendeu por três minutos e meio, e sua falta de carisma tornou a leitura do papel uma das experiências mais desgastantes de acompanhar na noite. Na mesma semana em que a Netflix é processada por uma enxadrista por difamação, Frank achou de bom tom evidenciar a força feminina da produção.
Quando um produtor subiu ao palco, no fim da noite, para receber o Emmy de Melhor Série Limitada ou Antologia, ninguém aguentava o homem branco falando de diversidade, além de reduzir a atriz principal, dizendo que “Anya Taylor-Joy trouxe o sexy de volta ao xadrez”. Que sonho seria se Beth Harmon estivesse ali presente, para de uma vez por todas, dar, a mais um de seus adversários machistas, um xeque-mate.
Nos prêmios fora dos gêneros grandes, Last Week Tonight with John Oliver venceu Programa de Entrevistas e Variedades e Roteiro no segmento. O Saturday Night Live ficou, para surpresa de ninguém, com a categoria de Série de Esquetes, enquanto o programa eleitoral de Stephen Colbert triunfou na categoria de Especial de Variedades (Ao Vivo). Na parte de Variedades (Pré-Gravado), não deu outra: Alexander Hamilton!O musical filmado do Disney+ adicionou o Emmy à prateleira que já conta com 11 Tonys, 1 Grammy e 1 Pulitzer.
Em Programa de Competição, RuPaul’s Drag Race venceu. RuPaul, premiado com seu 11º Emmy, se tornou a pessoa negra com mais estatuetas, e agradeceu à juventude, ao lado de Gottmik e Symone, os grandes destaques da décima terceira temporada do reality. A grandiosa Debbie Allen, atriz, diretora, coreógrafa e lenda da Televisão, foi homenageada com o Governors Award, prêmio que honra a excelência em carreiras. Allen se tornou a segunda pessoa negra a receber tal honraria, depois de Tyler Perry no ano passado, e a primeira mulher negra. No discurso, ela foi enfática: o futuro está na juventude.
Chegando, enfim, na parte de Comédia, o Emmy 2021 dividiu seus prêmios principais entre duas fortes produções. Hacks, original do HBO Max, ficou com Roteiro e Direção (marcando a primeira vez em 73 anos que diretoras vencem juntas em Comédia e Drama), além da vitória de Jean Smart como Melhor Atriz. Ovacionada, aplaudida de pé e feliz da vida com o reconhecimento de sua outra “família” (Mare of Easttown), Smart dedicou o Emmy ao marido, falecido meses atrás, no processo de filmagens da produção.
O resto dos troféus do gênero foi para Ted Lasso. Abrindo a noite, Hannah Waddingham e Brett Goldstein não esconderam o sorrisão ao ouvirem seus nomes chamados como os Melhores Coadjuvantes de 2021. O senso de companheirismo reinou na equipe esportiva da Apple TV+, que ainda foi celebrada em Melhor Ator (para o majestoso Jason Sudeikis) e em Melhor Série de Comédia, com direito a abraços e lágrimas, e claro, muito amor pelo AFC Richmond.
Com a promessa da diversidade, que ia da maioria negra em atuação principal de Drama à ascensão dos heróis, o Emmy 2021 jogou seguro. O conservadorismo dos votantes resultou na ausência de vitórias significativas para The Boys, The Mandalorian e WandaVision, expoentes da fantasia que lotaram a lista de indicados, para saírem com quase nada embaixo do braço.
A oportunidade de fazer história com vitórias de Billy Porter, Mj Rodriguez, Michael K. Williams e I May Destroy You não foi páreo para a familiaridade da Coroa britânica ou do olhar masculino que hipnotiza uma partida de xadrez. Que o Emmy melhore, que o Emmy evolua e que o Emmy mostre, na prática, que as minorias que eles insistem em chamar para perder, enfim merecem a vitória. Abaixo, você lê tudo que aconteceu na 73ª edição do Oscar da TV pelas palavras da Editoria do Persona, que mergulha no passado, presente e futuro da televisão, comemorando recordes e lamentando injustiças. Até logo, Emmy 2021.
O prêmio dos Sindicato dos Atores de Hollywood foi um bocado diferente em 2021. Começando pelos atrasos, consequência da pandemia, a premiação teve sua data inicial roubada pelo Grammy. A Academia de Música clamou para si aquele 14 de março, jogando o SAG para a primeira semana de abril.
Depois da exibição virtual do Globo de Ouro, o Sindicato decidiu que não faria sua entrega de troféus ao vivo, e sim gravaria com alguns dias de antecedência. No Dia da Mentira, começaram a rolar listas de supostos vencedores do ‘Actor’, como é apelidada a honraria. A singela cerimônia tomou parte na noite de domingo, 4 de abril, e rendeu 7 troféus à Netflix, destaque máximo de 2021. Com apenas uma hora de duração, a 27ª edição do SAG foi corrida, carente do charme característico do evento ao vivo e, no fim das contas, sem nenhum momento realmente marcante.
Esse ano, o Elenco majoritariamente branco e exclusivamente masculino de Os 7 de Chicago venceu o maior prêmio da noite. Batendo as equipes etnicamente diversas de Minari, A Voz Suprema do Blues, Destacamento Blood e Uma Noite em Miami…, o filme de Aaron Sorkin finalmente venceu algo grande, depois de ver o Sindicato dos Roteiristas premiar Bela Vingança, o dos Produtores chamar ao palco (virtual) Nomadlande o nome do diretor não aparecer na lista final do Oscar.
Se os pálidos de Chicago vigoraram na categoria principal, pela primeira vez na história os ganhadores de atuação foram apenas atores não-brancos. A dupla dinâmica de A Voz Suprema do Blues venceu Ator e Atriz. Chadwick continuou sua varredura até a noite do Oscar, mas o prêmio de Viola Davis foi uma baita surpresa. A veterana, que encarna Ma Rainey com uma eficácia divina, não havia ganhado nenhum precursor até agora, e bota lenha na categoria. O próximo passo até o Oscar é o BAFTA, onde apenas Frances McDormand e Vanessa Kirby (das nomeadas à Academia) podem vencer.
Outro que continuou na onda dos prêmios vencidos foi Daniel Kaluuya. O Melhor Ator Coadjuvante do ano foi agraciado por sua atuação no visceral Judas e o Messias Negro, onde interpreta Fred Hampton, um das figuras mais importantes do movimento dos Panteras Negras. Em Atriz Coadjuvante, foi a vez de Yuh-Jung Youn se colocar com força na corrida para o Oscar. A vovó de Minari bateu sua principal concorrente, Maria Bakalova por Borat 2, e agora tem a vantagem para 25 de abril. Continuando a onda dos filmes de heróis perseverando na categoria de Dublês, Mulher Maravilha 1984 ganhou em 2021.
Na parte da TV, a Netflix confirmou uma porção de favoritismos. The Crown venceu Melhor Elenco em Drama pelo segundo ano consecutivo, se colocando na ponta da lista de apostas para o Emmy de setembro. Em Atriz, as 5 nomeadas representavam apenas 2 séries, é claro, da Netflix. Gillian Anderson colocou a competição no bolso, botando a Rainha, Lady Di e a dupla de Ozarkpara comer poeira. E falando em Ozark, Jason Bateman também comemorou um bicampeonato, vencendo o SAG de Ator em Drama.
As categorias de Comédia continuaram o jogo de batata-quente que Schitt’s Creeke Ted Lasso vem fazendo por todo o ano. A série canadense venceu Elenco e Atriz para Catherine O’Hara, enquanto a original da Apple TV+ coroou Jason Sudeikis como o Melhor Ator em Série de Comédia. O Screen Actor Guild Awards foi o último dos prêmios de Schitt’s Creek, que se despede da temporada vencendo tudo que teve chance.
Anya Taylor-Joy, por O Gambito da Rainha, continua sua caminhada até o Emmy de Atriz em Minissérie, enquanto Mark Ruffalo finaliza sua longa jornada. O Hulk já havia vencido o Emmy e o Globo de Ouro por sua performance em dose dupla em I Know This Much Is True. Ruffalo agora abre alas para outro ator dominar a categoria em setembro, na maior premiação da TV. Na parte de Dublês em Série, campo dominado por Game of Thrones na última década, The Mandalorian foi coroado.
Premiando apenas categorias de atuação individual, elencos e equipes de coreografias, o SAG tenta abrir espaço para o reconhecimento dos Dublês no Oscar, mas a burocracia impossibilita a agilidade do processo. A edição de 2021 reuniu seus indicados por formato (comédia, minissérie, drama), misturando homens e mulheres na mesma conferência online. Os discursos não passavam de 90 segundos, e os próprios atores apresentavam uns aos outros, reacendendo a chama de proximidade do Sindicato dos Atores.
O SAG 2021 foi pouco memorável, mas rendeu a distribuição mais justa dos prêmios até agora. Acendendo o fogo para o Oscar no fim do mês e pavimentando favoritos até o longínquo Emmy, o Sindicato dos Atores rendeu um Cineclube Especial, assinado pela Editoria do Persona, discutindo os indicados, os vencedores, as tendências e os novos recordes. Vida longa ao SAG, o prêmio com a estatueta mais bonita dos Estados Unidos da América.
Não é sempre que uma comédia esportiva consegue sair dos dramas de seu nicho e conquistar a grande audiência. O costumeiro é que as histórias se restrinjam aos jargões do gênero, repetindo estereótipos sexistas. Ted Lasso, original da Apple TV+, dribla todos esses problemas e marca um golaço. Jason Sudeikis protagoniza as aventuras de um treinador de futebol americano que se muda para o Reino Unido a fim de comandar uma equipe da Premier League. O problema? Ele não manja nada do futebol convencional.
Nós damos valor demais ao Globo de Ouro. Esse ano, o grupo votante lamenta a morte de seu antigo presidente, Lorenzo Soria, ao mesmo tempo que enfrenta acusações de fraude e uma investigação que revelou o óbvio: a Associação da Imprensa Estrangeira de Hollywood (HFPA) não tem diversidade alguma. Reportagens no Los Angeles Times e no The New York Times estouraram poucos dias antes da 78ª edição do prêmio. Além de descobrirem que a HFPA não tem membros negros, foi escancarado um lobby poderosíssimo ao redor de Emily em Paris, uma das questionáveis indicadas ao Globo de Série de Comédia ou Musical.
É de suma importância relembrar que o GG não é prévia do Oscar de maneira nenhuma. Em questões de marketing e campanha, uma vitória no Globo alavanca sua visibilidade, mas o corpo votante da Academia é composto por mais de 7 mil membros, todos trabalhadores da indústria. A HFPA, por outro lado, é formada por 87 jornalistas, residentes de Los Angeles e que não têm ligação com o Oscar.
Todavia, o que acontece é o Globo de Ouro tentando ditar tendências na temporada. Às vezes, as coisas dão ‘certo’: Green Book e Bohemian Rhapsody começaram ganhando aqui e percorreram solenes seu caminho até as estatuetas douradas e carecas. Ano passado, o amor por 1917 e por Sam Mendes caiu por terra quando Parasita e Bong Joon-ho saíram com os louros.