Freaks ensina: quem vê cara, não vê coração

Cena em branco e preto do filme freaks apresenta um grupo de dez artistas de circo. Com exceção da mulher branca e loira, que usa um longo vestido branco e apresenta um olhar sério, todos os outros apresentam expressões de descontração.
Ao longo de pouco mais de uma hora de filme, Freaks provoca angústia, revolta e empatia (Foto: Metro-Goldwyn-Mayer)

Gabriel Gatti

A padronização da beleza é um fenômeno muito comum e normalizado na sociedade. Ao longo das décadas, o rótulo daquilo que é bonito ou feio vai se alterando, mas sempre continua vigente para julgar quem vai aparecer diante das telas. Se esse cenário já é tão presente nos dias de hoje, imagine ir ao cinema há 90 anos e, ao invés de ver pessoas como o rosto entupido de pó de arroz, se deparar com um grupo de artistas com deficiência. Esse é justamente o caso de Freaks, um clássico de Tod Browning, que estreou em 1932 com muita polêmica.

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Calambre sonoriza a revolução que Nathy Peluso incorpora

Capa do álbum Calambre. Nathy Peluso, uma mulher branca de cabelos castanhos e longos, está centralizada na imagem. Ela salta em posição de espacate enquanto segura, com os dois braços acima de sua cabeça, um fio branco com tomada em uma das extremidades. Nathy ainda veste bandagens em várias partes do corpo. Ao fundo, uma parede branca com a sombra da cantora.
“Sou eu quem pega o plugue e causa o choque – de paixão, alegria, o que quer que seja. Quero agitar a coragem das pessoas de tal forma que elas não consigam se conter” (Foto: JP Bonino)

Vitória Vulcano

Inúmeros são os prismas musicais de origem latina que despontam na indústria atual. A efervescência emergida de tantos ritmos vira elixir não somente rompendo com a hegemonia maçante da língua inglesa nos centros de visibilidade, como também investindo em criar, revisitar e renovar leituras artísticas. No entanto, mesmo ascendida nesse cenário difusor de novidades, Nathy Peluso surpreende no mínimo e no estrondoso desde o início de sua carreira. 

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O Batman de Matt Reeves se vinga dos filmes de super-heróis

Cena do filme Batman. O Batman (Robert Pattinson) olha através de um vidro molhado, para frente. A metade superior de seu rosto é coberta por um capacete preto que mostra apenas os olhos. Ele usa uma capa preta com um colarinho alto. Ele é um homem caucasiano, de olhos azuis. Uma luz amarela vem detrás dele, iluminando as gotas no vidro, fora de foco. Está de noite e tons escuros e amarelos aparecem atrás dele, também fora de foco.
O novo Batman pertence aos bissexuais emos que só usam couro (Foto: Warner Bros. Pictures)

Gabriel Oliveira F. Arruda

O anúncio de Robert Pattinson como o novo vigilante noturno da DC Comics provocou intensas reações entre os entusiastas mais fanáticos, desinteressados em separar o currículo extenso e impressionante do ator de seu papel como galã da saga Crepúsculo. No entanto, para aqueles de nós maduros o suficiente para não se importar com tal associação (o que é um morcego para quem já foi vampiro?), a expectativa para o novo longa só aumentou: afinal de contas, o que seria o Batman de Pattinson?

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Drive My Car: nada dói mais do que a verdade não dita

Cena do filme Drive My Car. Nela estão Yûsuke e Misaki sentados no banco da frente de um carro vermelho, em ordem. Yûsuke é um homem nipônico de meia-idade com cabelo curto preto. Misaki é uma jovem nipônica com cabelos pretos. O carro está andando sobre uma estrada. No fundo estão montanhas e postes de sinalização.
Destaque do círculo de críticos de Cinema em 2021, Drive My Car teve estreia mundial no Festival de Cannes 2021, tornando-se a primeira produção nipônica a disputar o prêmio de Melhor Filme no Oscar, além de ser o filme japonês com mais indicações na história da cerimônia (Foto: C&I Entertainment/MUBI)

Ayra Mori

Desde a vitória histórica da produção sul-coreana de Bong Joon-Ho, Parasita, na categoria de Melhor Filme no Oscar 2020, a Academia tem-se tornado, ainda que bastante acanhadamente, aberta para a quebra dos paradigmas além-Hollywood. Em 2021 vimos a segunda diretora e primeira mulher não-branca, Chloé Zhao, a levar a estatueta de Melhor Direção, e em 2022, parece ser a vez de Drive My Car (do original Doraibu mai kâ, sem título traduzido no Brasil), submissão oficial do Japão indicada a quatro categorias na premiação desse ano, incluindo Melhor Filme, Melhor Filme Internacional, Melhor Direção para Ryûsuke Hamaguchi e Melhor Roteiro Adaptado, co-escrito pelo diretor com Takamasa Oe. Mas não se engane, Drive My Car não é o novo Parasita (!).

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A revolução será escrita com fogo

Cena do documentário Escrevendo com Fogo. A cena mostra uma mulher indiana filmando algo com o celular apontado para cima.
Escrevendo com Fogo é o primeiro documentário indiano a ser indicado ao Oscar (Foto: Music Box Films)

Raquel Dutra

Em Uttar Pradesh, estado do norte da Índia que é um dos mais populosos do mundo, níveis endêmicos de violência atravessam a vida das mulheres que ali habitam. No sistema de castas que define a organização social do país e reforça suas profundas desigualdades, elas estão com os Dalits, o extremo inferior da hierarquia de classes da cultura indiana ainda vigente, estabelecido 1500 anos antes de Cristo. Da população que compõem a interseção das maiores opressões do país, surgiu, em 2002, uma forma de expressão urgente através do jornal Khabar Lahariya com uma expectativa de fracasso. Mas ao invés disso, ele resiste, 20 anos depois, Escrevendo com Fogo uma revolução social, política e cultural através das mãos mais rejeitadas da sociedade indiana.

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Sob um olhar sublime, Steven Spielberg refaz o amor perfeito

Cena do filme Amor, Sublime Amor. A cena mostra um close-up dos rostos de Mike Faist e David Alvarez, e no meio deles está o ator Ansel Elgort.
No filme de Steven Spielberg indicado a 7 Oscars, a vida tenta ser mais importante que o amor (Foto: 20th Century Studios)

Vitor Evangelista

Algo está vindo, algo bom… Para o cineasta que já realizou de tudo (dos tubarões assassinos aos soldados resgatados e os cavalos de guerra), o desafio de recriar seu musical favorito foi ideal para Steven Spielberg modelar, com as mãos e o coração, uma história clássica. A reimaginação de Romeu e Julieta, que foi batizada de West Side Story em referência ao cenário nova-iorquino e periférico da obra, surgiu em 1957 nos palcos do teatro. Quatro anos depois, Jerome Robbins e Robert Wise fizeram da peça um filme.

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O sonho da Ascensão é uma farsa

Cena do documentário Ascension. Imagem retangular e colorida. Nela, vemos uma garota asiática, sentada de frente para o seu celular, que fica preso sobre um tripé com uma iluminação de luz branca em formato de anel. Ela fala algo enquanto olha para o aparelho e levanta com a mão esquerda um tênis branco na altura de seu rosto.
Indicado a Melhor Documentário no Oscar 2022, Ascension está entre três dos cinco filmes selecionados para a categoria este ano que são dirigidos por mulheres (Foto: MTV Documentary Films)

Enrico Souto

“Trabalhe duro, e todos os seus sonhos se realizarão”. Esse é um tipo de fala muito familiar para nós, que vivemos imersos em um sociedade capitalista que preza por liberdade acima de tudo – inclusive, de nossa própria humanidade. E, afinal, se mesmo Bong Joon-Ho se surpreendeu em como pessoas do mundo inteiro se identificaram com o seu (mais localizado possível) retrato do capitalismo tardio sul-coreano, nossas vivências dentro desse sistema começam a se costurar, transcendendo territórios e aproximando-se de uma experiência universal. Entretanto, essa frase em específico é retirada de uma propaganda de rua do governo chinês. E a China não é capitalista.

A atual conjuntura econômica chinesa é complexa e um fenômeno único na história. Vivendo hoje um “socialismo de mercado”, essa alternativa ao socialismo tradicional surge quando a China, para evitar sofrer boicotes, embargos e barrar seu desenvolvimento produtivo, se viu na necessidade de fundir-se à lógica mundial de comércio capitalista, em concomitante à outras formas coletivas de propriedade. Contudo, o que parecia uma relação mutualística logo revela-se um violento parasitismo, que passa a contaminar cada aspecto de sua sociedade. E, à vista disso, os efeitos desse fenômeno são percebidos com muita sensibilidade por Jessica Kingdon em Ascension, sua estreia como diretora de longa-metragens, que consta entre os indicados a Melhor Documentário do Oscar 2022

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Quem são as mães das filhas perdidas?

Cena do filme A Filha Perdida. Nela, a atriz Jessie Buckley, que interpreta Leda, está abraçando duas meninas, em que não é possível ver seus rostos. Jessie é uma mulher branca, de cabelos castanhos claros.
Após levar o Leão de Ouro de Melhor Roteiro em Veneza, A Filha Perdida garantiu 3 indicações no Oscar 2022 (Foto: Netflix)

Vitória Silva

Dos tipos de representações que temos em relação à maternidade no Cinema e na TV, podemos citar vários. A mãe superprotetora, a mandona, a descolada, e, é claro, a clássica mãe que abdica de todas as suas vivências pessoais pelas conquistas dos filhos, ou até mesmo para encontrá-los no mundo. Pense em quantas personagens mães você conhece, e quantas delas não estão associadas diretamente ao papel materno que as nutre. E, quando o renegam, na maior parte das vezes são movidas por uma maldade sobrenatural ou pela construção de um aspecto vilanesco de sua personalidade. Afinal, que tipo de mãe não amaria seus filhos incondicionalmente?

Transpondo para a realidade, a retórica continua a mesma. Em A Filha Perdida, a misteriosa Elena Ferrante mergulha por inteiro neste que é apenas um dos papéis da feminilidade presentes em sua Literatura. E Maggie Gyllenhaal decide abraçar a mesma narrativa para construir o que seria a sua primeira obra na direção. A trama do filme homônimo segue Leda, interpretada pela magnífica Olivia Colman, que decide passar um período em uma ilha paradisíaca da Grécia, após deixar suas duas filhas, Bianca e Martha, com o ex-marido no Canadá.

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O leite derramado de Mães Paralelas

Cena do filme Mães Paralelas. Nela estão Ana e Janis de costas, em ordem. Ana é uma jovem branca de cabelo curto estilo joãozinho platinado. Ela veste uma jaqueta esportiva azul marinho com detalhes em vermelho nas laterais. Ela segura uma taça de vidro âmbar em direção à Janis, que está à esquerda. Janis é uma mulher branca de meia idade com cabelo castanho médio iluminado e ondulado. Sua roupa é coberta pelo cabelo. O fundo é uma parede verde musgo com retratos de ancestrais emoldurados por molduras vermelhas.
Após abrir o Festival de Veneza em 2021, Mães Paralelas foi indicado à duas categorias do Oscar 2022: a de Melhor Atriz e Melhor Trilha Sonora Original (Foto: El Deseo/Netflix)

Ayra Mori

Duas mães, duas Espanhas, dois paralelos. Uma mãe dá à luz a uma criança nascida do amor. Outra, à uma criança nascida da dor. Uma Espanha segue sem culpas do passado sombrio do Franquismo. Outra carrega consigo os traumas geracionais de vestígios mortais dos ossos inidentificáveis que jazem em covas ilegítimas. Firmado pelos opostos, em Mães Paralelas (no original, Madres Paralelas) Pedro Almodóvar posiciona passado e presente, ambos em confronto entre si. O longa dá sequência ao universo melodramático deslumbrante – mas cru – do cineasta espanhol, desta vez, como manifesto político. O leite já foi derramado e o resquício azedo de sua sujeira continua incrustado nos rejuntes do país. Resta, aceitá-lo.

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Eu não sei você, mas Luísa Sonza se delicia com DOCE 22

Capa do álbum DOCE 22. Luísa Sonza está apoiada no chão, de quatro, com a parte superior do corpo mais próximo ao assoalho. Ela é branca, loira platinada, possui olhos verdes claros e está maquiada. Com os cotovelos no chão, ela cruza as mãos e apoia na testa. Ela está com unhas longas, pintadas de preto. Luísa veste um conjunto de lingerie branco de faixa preta.
“Como é ser cantora no Brasil? Ah, é uma honra, né? É muito incrível o carinho de todo mundo. E é isso” (Foto: Universal Music)

Júlia Paes de Arruda

Taylor Swift pode ter cantado as delícias de se completar 22 anos lá em 2013, mas, no cenário atual, Luísa Sonza vira essa chavinha para vomitar todo o azedume que sentiu ao celebrar tal data. Vítima de um casamento inquieto e alvo de diversos ataques de ódio, a gaúcha mergulhou em suas próprias emoções para tentar digerir todos os comentários ofensivos a seu respeito. Por isso, fomos agraciados com as 14 músicas de DOCE 22, álbum lançado no dia 18 de julho de 2021, em seu aniversário de 23 anos, para louvar o novo ciclo de renovação.

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