O amor não é óbvio é o retrato de um primeiro amor entre garotas

capa do livro O amor não é óbvio. No meio, em frente a um fundo rosa escuro, está a capa. A ilustração do livro, está em preto e branco, de duas garotas, no estilo colagem. A da direita tem o cabelo longo, liso e repicado, ela usa óculos redondos e está segurando um binóculo com as mãos. Ao lado dela está uma garota de cabelos curtos e lisos, vestida com uma jaqueta jeans cheia de bottons. Ainda, na parte superior, está o nome da autora e o do livro.
A capa de O amor não é óbvio, um dos principais romances lésbicos do país, também foi ilustrado pela talentosa autora Elayne Baeta (Foto: Editora Record)

Monique Marquesini

Da busca por registrar e contar histórias felizes de amor entre garotas, origina-se O amor não é óbvio. Publicada em 2019, a obra é a estreia da admirável autora baiana Elayne Baeta e marca o primeiro best-seller lésbico nacional a atingir a lista de mais vendidos do país. Anteriormente lançado em formato digital de forma independente, o romance  ganhou espaço na Literatura brasileira e foi lançado pela Editora Record, sob o selo Galera. A escritora, ilustradora e poeta só escreve sobre o que já sentiu no peito, e talvez por isso, suas narrativas sejam nada óbvias.

O livro de Elay (o apelido da autora) narra uma fase da adolescência de Íris e Édra, duas meninas no último ano do Ensino Médio que nunca conversaram. A doce Íris Pêssego é viciada em novelas e não perde um capítulo da sua favorita, Amor em atos, junto de sua improvável amiga, a vizinha dona Símia, de 68 anos. Ainda, ela é apaixonada por Cadu Sena, o garoto de quem gosta desde a oitava série – e que finalmente está solteiro. Só que a narrativa de O amor não é óbvio não é tão intuitiva quanto parece. 

Fotografia quadrada da autora Elayne Baeta. Na imagem está o rosto de Elayne Baeta, ela é branca, tem cabelos castanhos e curtos, usa um piercing no septo e na sobrancelha. Ela está com uma camiseta preta e um cachecol vinho, está em uma pose lateral, cobrindo metade do rosto com seus livros O amor não é óbvio e Oxe Baby.
Elayne Baeta participou da Bienal do Livro 2022, em São Paulo, autografando livros, e também esteve na mesa do painel sobre personagens LGBTQIA+ em diferentes gêneros literários (Foto: Elayne Baeta)

A próxima personagem – a quem somos apresentados de forma excêntrica – é Édra Norr. Isso não porque a garota se envolveu em um escândalo na escola ou por ter mudado de cidade – mas por ser a nova namorada de Camila Dourado, que deixou Cadu Sena. A partir daí, entre os cochichos e conversas, Íris começa um experimento para entender o motivo do relacionamento ter acabado e para descobrir mais sobre Édra. E ela não demora para desvendar o charme da garota

Talvez um dos únicos pontos baixos da narrativa de O amor não é óbvio esteja nessa investigação: no começo, a protagonista pode soar um pouco obcecada com a vida da menina, mas, ao longo da história, o leitor consegue entender o motivo para tudo isso. Nesse momento, Íris pega sua bicicleta amarela e seu binóculo para observar sua colega de turma por toda cidade de São Patrique. Por mais estranho que pareça em um primeiro momento, a menina de 17 anos não entende o porquê de querer tanto saber da garota. Tudo só fica claro quando ela desvenda seu desejo. 

“Tudo com Édra era dez vezes mais bonito. E eu queria saber o porquê. E não queria também. Nem tudo precisa ser compreendido.”

Fotografia quadrada da ilustração do poster da pré venda do livro. Na imagem está a mão de Elayne, ela é branca e tem uma tatuagem de lua no dedo do meio. Além da tatuagem de flores no braço,há uma mesa branca com alguns materiais escolares. A folha sulfite branca tem o desenho das personagens Íris e Édra se beijando, uma com uma camisa jeans e a outra com uma bandeira LGBTQIA+ nas costas.
A história de amor é uma colisão de asteroides, forte e intensa, e mostra que encontrar-se é extraordinário (Foto: Elayne Baeta)

É nesse cenário de uma cidade pequena, tardes assistindo novela, passeios de bicicleta, descobertas sobre sua sexualidade, medos, primeiras vezes e adolescência que a história das garotas se desenrola. Uma das partes mais curiosas de O amor não é óbvio se esconde justamente na heteronormatividade vivida pela  grande maioria dos jovens, já que Íris nunca tinha sequer pensado em enxergar outra menina com olhares românticos.

A construção da amizade e da relação de Édra e Íris é muito aconchegante ao leitor, uma vez que, ao decorrer do experimento, elas acabam ficando mais próximas – e descobrem como são extremamente compatíveis. As personagens criadas por Elayne Baeta são um complemento perfeito: Íris, cheia de medos e inseguranças, se junta a uma garota autoconfiante como Édra. 

O amor não é óbvio foi escrito quando Elay tinha apenas 19 anos – talvez seja essa a chave para tanta sensibilidade por parte da autora. A primeira publicação da obra foi feita pelo Wattpad, em partes, e aconteceu de forma independente, ou seja, sem o apoio de um grupo editorial: foi assim que ela alcançou um enorme e fiel público. Antes mesmo de conseguir reconhecimento nacional, o livro é fundamental por ser de autoria de uma mulher lésbica – que muitas vezes tem suas vivências esquecidas dos romances literários.

Fotografia quadrada do segundo livro publicado por Elayne. A capa do livro é rosa, tem uma Polaroid no meio com uma foto da autora, ao lado tem alguns fósforos e detalhes em preto. O fundo é de um tapete preto e branco, além de outras Polaroids no chão perto do livro.
A arte de contar e escrever histórias é antiga na vida da autora: sentindo falta de se enxergar nas histórias, ela deu vida a suas narrativas (Foto: Elayne Baeta)

Além de O amor não é óbvio, Elayne Baeta é responsável por diversos outros projetos, que têm a visibilidade e a representatividade lésbica como ponto central. A autora produziu alguns episódios de seu podcast Lésbica & Ansiosa, com histórias sobre seus sentimentos. Outro projeto de grande relevância foi Sozinhas, uma mistura de podcast com livro, que teve grande significância na vida de Elayne: o lucro das vendas foi utilizado para realizar o sonho da mudança da escritora para a capital paulista. Seu mais recente lançamento é o livro de poesias Oxe, Baby, um relato muito mais pessoal sobre a sua vida, ou como ela mesmo diz, uma autobiografia poética. 

As produções da autora são um retrato aconchegante e confortável para meninas que nunca se viram representadas nas páginas dos romances adolescentes. Elayne é gigante, uma mulher lésbica nordestina, conquistando espaços jamais alcançados. Nós, garotas que gostamos de garotas, não podemos deixar de vê-la com olhar acolhedor. É lindo acompanhar O amor não é óbvio, com um primeiro amor cheio de erros, defeitos e acertos. A relação de Íris e Édra é humana e (em uma referência ao livro) é uma história “laranja forte e cheia de aliens”. 

“Essa coragem pulsante. Essa conquista… Em usar um vestido que ninguém rasga. Laranja forte. Laranja (extraordinariamente) forte.”

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