Do interior à metrópole, Marina Sena se arrisca com Vício Inerente

Capa do álbum Vício Inerente. Nela está a cantora Marina Sena sentada ao meio em uma estrutura reflexiva metálica que aparenta ser uma caixa com fundo de uma cidade. Ela está com meias longas pretas sentada acima de suas panturrilhas. Enquanto segura uma concha brilhante em seus ouvidos, seus cabelos longos e pretos aparentam movimento esvoaçante e sua pele clara é iluminada por sua maquiagem. Em seu rosto está marcado uma sombra prateada em seus olhos fechados. Acima à esquerda o símbolo MS que nomeia a artista.
Marina Sena participou do projeto Foundry do YouTube Music em 2021, focado em impulsionar e divulgar artistas no começo da carreira (Foto: Sony Music)

Henrique Marinhos

Em seu segundo álbum, Vício Inerente, Marina Sena apresenta uma evolução em relação ao seu álbum de estreia, De Primeira, que fez tanto barulho no cenário brasileiro em 2021. Com influências de gêneros como reggaeton, drill, trap e funk, a artista experimenta novas sonoridades e se arrisca em texturas eletrônicas, resultado de uma colaboração estreita com seu produtor Iuri Rio Branco, que a acompanha desde o início. Aqui, a cantora apresenta um som mais maduro e coeso, consolidando sua posição no cenário pop nacional.

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Racionais MC’s: o legado das ruas em um documentário

Fotografia retangular com o fundo branco. No centro estão os quatro membros do grupo Racionais Mc´s. Da esquerda para a direita tem-se Edi Rock, KL Jay, Mano Brown e Ice Blue. Todos usam calças, camisetas e jaquetas brancas, exceto Kl Jay que usa calça e camiseta preta. Os quatro homens são negros de estatura mediana, olham fixamente para frente com expressões sérias.
A valorização de uma estética única entre o grupo funciona como uma forte ferramenta no incentivo da autoestima da população negra (Foto: Jef Delgado)

Julie Anne Alves

Com mais de trinta anos de estrada, premiações internacionais e canções que salvaram gerações, o grupo de rap Racionais MC’s  foi contemplado com o documentário Racionais: Das Ruas de São Paulo pro Mundo, disponibilizado pela Netflix. Dirigido por Juliana Vicente, o longa estreou na plataforma em Novembro de 2022 como um dos mais acessados mundialmente, e conta, em pouco menos de duas horas, a história do quarteto a partir do olhar dos membros e de quem os acompanha ao longo dos anos. 

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Os curtas brasileiros do 28º Festival É Tudo Verdade

Na 28ª edição do Festival Internacional de Documentários É Tudo Verdade, o Persona acompanhou os filmes da Competição Brasileira de Curtas-Metragens (Foto: Hans Gunter Flieg/Acervo Instituto Moreira Salles/É Tudo Verdade/Arte: Ana Clara Abbate/Texto de abertura: Bruno Andrade)

Entre os dias 13 e 23 de abril, o Festival Internacional de Documentários É Tudo Verdade voltou totalmente às salas presenciais dos cinemas espalhados em São Paulo e Rio de Janeiro. Com exibições gratuitas no Centro Cultural São Paulo, Cine Marquise, Cinemateca Brasileira, Sesc 24 de Maio e IMS Paulista, o festival teve também Sessões Especiais virtuais, exibindo nas plataformas de streaming Itaú Cultural Play e Sesc Digital sete dos nove filmes da Competição Brasileira de Curtas-Metragens e dois longas da Mostra Foco Latino-Americano (Beleza Silenciosa, de Jasmín Mara Lópeza, e Hot Club de Montevideo, de Maximiliano Contenti).

Com 72 títulos de 34 países, o festival – fundado em 1996 por Amir Labaki – homenageou dois grandes cineastas na sua 28ª edição: Humberto Mauro (1897–1983), “um dos inventores do Brasil cinematográfico”, que “impõe-se quando o próprio país e logo seu Cinema enfrentam nova reconstrução”, exibindo dez de seus filmes e dois documentários; e Jean-Luc Godard (1930–2022), com a apresentação dos oito episódios da sua série documental História(s) do Cinema (1987-1998), considerada a obra-prima da última parte de sua carreira, cujo conteúdo foi constantemente retrabalhado pelo autor e cuja produção durou cerca de dez anos.

O alcance do É Tudo Verdade, o maior festival de Documentários do mundo, é reconhecido pela Academia de Artes e Ciências Cinematográficas, que classifica diretamente os filmes vencedores dos prêmios dos júris nas Competições Brasileiras e Internacionais de Longas/Médias e de Curtas-Metragens para apreciação ao Oscar do próximo ano. Longe das sessões presenciais, o Persona assistiu à distância os curtas-metragens brasileiros disponíveis no streaming. Dos sete filmes da Competição Brasileira de Curtas exibidos remotamente, quatro tiveram sua estreia mundial no É Tudo Verdade, que também expôs, apenas presencialmente, Ferro’s Bar (Menção Honrosa na categoria), dirigido por Aline A. Assis, Fernanda Elias, Nayla Guerra e Rita Quadros, e O Materialismo Histórico da Flecha Contra o Relógio, de Carlos Adriano.

Mãri hi – A Árvore do Sonho, de Morzaniel Ɨramari, além de ter sua estreia mundial no É Tudo Verdade, foi o grande vencedor da Competição Brasileira de Curtas-Metragens, recebendo também o Prêmio Mistika. Produzido em parceria da ARUAC Filmes com a Hutukara Associação Yanomami, o curta do cineasta yanomami aborda o conhecimento de seu povo sobre os sonhos, com a participação e narração da liderança indígena e xamã, Davi Kopenawa. “A luta yanomami vai continuar até o fim”, disse Ɨramari.

Abaixo, você fica com a curadoria do Persona feita por Bruno Andrade, Enzo Caramori, Guilherme Veiga, Jamily Rigonatto, Nathalia Tetzner e Vitória Gomez, que deixam suas impressões sobre Os curtas brasileiros do 28º Festival É Tudo Verdade.

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Os filhos dos nossos filhos também verão Pantanal

Cena da novela Pantanal. Da esquerda para a direita na imagem, as personagens Juma e Jove se posicionam frente a frente. Juma, uma mulher branca de cabelos e olhos castanhos, está de olhos fechados enquanto Jove, um homem branco de cabelos castanhos e olhos claros, a observa. A câmera captura ambos apenas a partir dos ombros. O cenário ao fundo é uma parede branca iluminada pelos raios de sol.
Juma e Jove retornaram às televisões brasileiras 32 anos depois da primeira exibição da novela Pantanal (Foto: Globo)

Nathalia Tetzner

A história contada por Pantanal é atemporal e se confunde com uma moda sertaneja que há décadas emociona peões: “ele tinha um cavalo preto por nome de Ventania e um laço de doze braças do couro de uma novilha”. Desde a primeira exibição da novela, em 1990, até o remake em 2022, a trama pouco mudou, ainda que o Brasil, acumulador de uma quantidade exorbitante de gado, tenha sofrido grandes transformações. Ao som da mesma canção, o ‘Véio’ Joventino cavalgou país afora até um dia sumir e deixar seu filho José Leôncio para trás. Ele, bicho do mato, se meteu com uma moça da cidade e da união nasceu Jove, o primeiro herdeiro sem padrão de boiadeiro que chegou para “cutucar a onça com vara curta”. Da luta entre humano e felino, a novela reviveu o seu destino. 

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Circuito Cineclubes Sesc – Onde está Ana?

Cena do filme Ana. Sem Título. Na imagem, há seis fotografias de uma mulher negra. As fotos trabalham de forma documental, registrando as mudanças físicas da personagem em uma organização linear - três fotografias em cima e mais três fotografias em baixo. As mudanças físicas são principalmente no cabelo: na primeira imagem, ele permanece preso em um coque alto, e acompanhamos sua transformação até o penteado em estilo afro
Em Ana. Sem título, exibido na Mostra “Cinema é Direito” no Sesc Bauru, entramos em uma jornada sobre governos totalitários, o feminismo nos anos 70 e 80 e sobre a Arte como forma de denúncia (Foto: Imovision/Taiga Filmes)

Clara Sganzerla

Viajamos, todos os dias, do passado ao futuro. Seja por meio de memórias, lembranças, fatos históricos ou até mesmo dentro de nossos planejamentos; desaparecemos em uma inércia pendular difícil de desvencilhar – nunca vivemos propriamente no presente. No entanto, a atriz brasileira Stella Rabello consegue parar por alguns momentos em algumas dessas duas realidades para ir em uma jornada que ultrapassa as fronteiras de nosso país, esbarrando em uma história sangrenta que, infelizmente, também nos pertence. Em Ana. Sem Título (2020), longa que integrou a Mostra Cinema é Direito do Persona no Sesc Bauru, a cineasta Lúcia Murat nos transporta para o passado latino-americano marcado pela ditadura militar, atrás, apenas, de uma resposta: onde está Ana? 

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Circuito Cineclubes Sesc – Chuva É Cantoria na Aldeia dos Mortos ecoa sua voz na espiritualidade

Cena do filme Chuva é Cantoria na Aldeia dos Mortos. Na imagem está o protagonista, Inhac Krahô. Ele é um homem indígena de cabelos pretos lisos na altura dos ombros. Ao fundo há uma cachoeira. A imagem é azulada e se passa a noite.
Apresentado no Festival de Cannes em 2018 e vencedor do Prêmio Especial do Júri, Chuva é Cantoria na Aldeia dos Mortos dá protagonismo ao povo Krahô (Foto: Embaúba Filmes)

Jamily Rigonatto 

Por muito tempo, o Cinema retratou os povos indígenas moldados por óticas brancas, completamente envoltas de estigmas e equívocos. Essas imagens se fixaram no imaginário popular e, muitas vezes, a descrição que temos dos nativos é animalizada, preconceituosa e intolerante. Fugindo desse movimento, os diretores Renné Messora e João Salaviza trouxeram às telas Chuva é Cantoria na Aldeia dos Mortos (2018). O filme, gravado na Aldeia da Pedra Branca em Tocantins, é um registro contemplativo e profundo dos Krahô e sua grandeza espiritual, e integrou a Mostra Cinema é Direito no Sesc Bauru

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Há uma década, Maria Rita pisava no palco para Redescobrir Elis e se encontrar como filha

O carinho do público foi o motivo principal para a gravação do projeto (Foto: Marcos Hermes)

Ana Júlia Trevisan

Agosto de 2012, Citibank Hall, São Paulo. Luzes apagadas, músicos subindo ao palco, plateia extasiada. Em seguida vem ela, Maria Rita, grávida de 7 meses, usando roupa branca e carregando a missão de eternizar a memória de sua mãe. A caminhada da coxia até o palco é silenciosa. Não há holofotes ou um grande tapete vermelho para a cantora. Peça essencial do espetáculo, a artista interage de maneira íntima com o mecanismo da banda, deixando explícito que a verdadeira estrela da noite é a única e onipotente Elis Regina. A chegada ao microfone é marcada por uma respiração funda, um frio na espinha e os acordes de um potente piano. Nesse momento a sensação é uniforme, podemos sentir um caloroso abraço: mãe e filha se reencontram.

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A violência é o combustível que incendeia a Regra 34

Quinto longa-metragem da diretora Júlia Murat foi exibido na seção Mostra Brasil da Mostra de São Paulo (Foto: Imovision)

Vitória Gomez

Uma máxima da internet, a Regra 34 pressupõe que tudo existente na web tem sua versão pornográfica. Seja desenhos animados ou cenas cotidianas, qualquer elemento pode virar ponto de partida para o prazer. Em Regra 34, longa-metragem da carioca Júlia Murat presente no Festival do Rio e na 46ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo, as contradições entre a liberdade do prazer e a sua raíz na sociedade borram as linhas entre consentimento e abuso. Na obra, uma coprodução Brasil e França, a violência é o combustível que incendeia a vida de Simone, confrontada com os frágeis limites que impõe ao próprio corpo.

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A beleza de Vinco está na incerteza de si

Livro recebido através da parceria do Persona com a Companhia das Letras, Vinco é o primeiro romance da autora a ser publicado pela editora (Foto: Companhia das Letras)

Enzo Caramori

‘‘(…) para lugar algum meu filho, tu podes

ir e ainda que se mova o trem

tu não te moves de ti.’’

    – Hilda Hilst

O celebrado livro Orlando, de Virginia Woolf, que de tudo tem um pouco — biografia, romance histórico e carta de amor — afirma-se na Literatura enquanto um marco zero. Mesmo às lentes críticas do filósofo Paul B. Preciado, que, ao ler os diários de Woolf, destaca o caráter classicista da escritora, reside um deslumbramento acerca do afeto em suas palavras à transitoriedade materializada no corpo do texto. A história de personagens em estado de trânsito, seja entre diferentes espaços ou no limiar de construções como nacionalidade e gênero, são temas costurados à escritura de si. Para narrativas como as de Orlando, Muriel — alter-ego da cartunista Laerte que enquadra sua transição social — e Manu, protagonista de Vinco (2022), o terceiro romance da escritora gaúcha Manoela Sawitzki, Preciado possui um questionamento chave: ‘‘O que acontece com o relato de uma vida quando é possível modificar o sexo do personagem principal?’

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Sob um jaleco alvejado, A pediatra é tão humana quanto qualquer um

A pediatra foi um dos finalistas da categoria de Romance Literário do Eixo de Literatura do Prêmio Jabuti 2022 (Foto: Companhia das Letras)

Jamily Rigonatto

As mulheres devem ser doces, gentis o suficiente para servirem um homem de meia idade com reclamações diárias sobre um trabalho medíocre e o resultado de um jogo de futebol igualmente irrelevante. Quanto aos filhos: a gestação é a maior benção permitida aos corpos femininos, quem não iria querer isso? Caso Cecília pudesse ser resumida a uma palavra, “antônimo” seria um termo interessante. Ela não é doce e não pretende ser, afinal açúcar é combustível diabético, afeta o funcionamento pancreático e escraviza. Seu papel em A pediatra – livro publicado pela Companhia das Letras em 2021 – é performar o descontrole da autoridade dentro de si. 

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