“Se ele apenas se repete, como pode ser sincero?”. Entre galinhas, conversas, álcool, carne, maçãs, gatos, câmeras de vigilância, montanhas, salas de cinema e até o oceano, Hong Sang-soo inaugura mais um capítulo de sua contínua série cinematográfica com A Mulher que Fugiu, presente na Perspectiva Internacional da 45ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo. Acompanhando a crônica contemporânea de Gam-hee, uma mulher que decide visitar três amigas nos arredores de Seul, são nas variações, simples ou não, que o cineasta sul-coreano encontra recurso para remodelar sutilmente cada nova história, ao mesmo tempo que caminha por repetições.
Limpe bem seus ouvidos para assistir o drama português Listen exibido na 45ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo. Nele, a surdez nada tem a ver com a falta de audição, mas com a racional ignorância daqueles que ouvem muito bem. No longa escrito e dirigido por Ana Rocha Sousa, um casal de imigrantes portugueses tenta criar três filhos, sendo a do meio uma menina surda, e sobrevivendo de subempregos em uma dura Londres, até que o Serviço Social britânico tira as crianças de casa. É por esse duro retrato familiar que o longa pauta a silenciosa adoção forçada na Inglaterra.
Foi na Sétima Arte que Ingmar Bergman convidou seus fantasmas mais obscuros para uma batalha taciturna de xadrez. Numa série de movimentos milimetricamente calculados, xeque, o cineasta sueco ultrapassou os limites entre o homem ordinário e o gênio do Cinema Moderno. Integrando a Perspectiva Internacional da 45ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo, Mia Hansen-Løve se aventura em Bergman Island. E incubando-se da ingrata responsabilidade de homenagear tamanho legado, a diretora francesa vai para além de Bergman, refletindo acerca do amor, da desilusão e, principalmente, da recuperação artística.
Ao sentar para assistir O Homem Invisível de Leigh Whannell, você pode até imaginar que será mais um filme de Terror com perseguição, mortes e muito sangue. Porém, a produção, lançada em 2020, tem camadas muito mais profundas do que as que passam no imaginário do público enquanto estão entretidos durante as mais de duas horas de sequências de ação. Baseado no livro de mesmo nome de Herbert George Wells, lançado em 1897, e na primeira versão do filme de 1933, dirigido por James Whale, a trama se prende na visão da personagem principal, Cecília (Elisabeth Moss), que logo no início do filme mostra qual é seu principal objetivo e seu maior inimigo: fugir daquele que se deita ao seu lado.
“A vida é uma aventura maravilhosa e deve-se explorar todos as suas reviravoltas”. Mente e a mão por trás de um dos cartuns mais famosos do mundo, Tove Jansson se considerava uma “artista falida”. Na cinebiografia Tove, produção finlandesa exibida na 45ªMostra Internacional de Cinema em São Paulo, a diretora Zaida Bergroth ilumina os caminhos da escritora, pintora e ilustradora sueco-finlandesa até a criação de seus mundialmente conhecidos Moomins, que a tornaram referência mundial e um tesouro cultural do país.
A morte deve ser o aspecto mais globalizado da experiência humana no planeta Terra. Universalmente particular, a única certeza da vida é sujeita à forma como nos estabelecemos no mundo antes dela, originando questões culturais, familiares, sociais, e também econômicas. O paradoxo se intensifica quando ela chega: seja no Oriente ou no Ocidente, no hemisfério norte ou no sul, todos vivenciam uma mesma situação à sua própria maneira. E essa é a única conclusão de Lidando com a Morte, um dos primeiros documentários exibidos nas cabines de imprensa da 45ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo.
O segundo Emmy em tempos pandêmicos chegou e já foi embora. Com a retomada das atividades presenciais, sem máscaras à vista e com muitas vacinas no braço, o prêmio da Academia de TV adotou um formato mais intimista em 2021, coroando os melhores do ano sob a apresentação do rapper Cedric the Entertainer. A festa começou com um karaokê bem animado, na paródia de Just a Friend, em tributo a Biz Markie, falecido alguns meses atrás. O anfitrião puxou a canção, que foi entoada por uma porção dos nomeados da noite, incluindo os sempre estonteantes Anthony Anderson e Billy Porter.
Longe das reuniões em salas do Zoom e dos troféus entregues por funcionários vestidos como sobreviventes de um apocalipse nuclear, a edição de 2021 recebeu seus nomeados em dois lugares. Nos Estados Unidos estava a concentração de estrelas, enquanto o Reino Unido abrigava as joias da Coroa: boa parte do elenco de The Crown que, alerta de spoiler, quebrou uma porrada de recordes.
No ano em que uma maoria de artistas negros apareceu nas categorias de atuação, a Academia de Artes e Ciências da Televisão premiou 12 pessoas brancas, entre atores principais e coadjuvantes, nos campos de Drama, Comédia e Série Limitada. O retrocesso de diversidade acontece uma edição após a performance gloriosa de Watchmen, e no mesmo ano em que produções como Lovecraft Country, I May Destroy You, black-ish e The Underground Railroad se destacaram pela excelência técnica e artística.
Em Drama, The Crown se junta ao grupo de Angels in America e Schitt’s Creek, que agora são as três únicas séries a vencerem todas as categorias em uma noite. O episódio War, o final da quarta temporada, rendeu um prêmio de Roteiro (para o criador Peter Morgan) e outro de Direção (para Jessica Hobbs, em uma vitória histórica para as mulheres). Gillian Anderson (que foi perguntada, depois de vencer, se havia conversado com Margaret Thatcher sobre o papel na série) saiu como a Melhor Atriz Coadjuvante, enquanto a avalanche da Rainha premiou também o Ator Coadjuvante Tobias Menzies.
O grande favorito na disputa, entretanto, era Michael K. Williams, que morreu no começo do mês e entregou em Lovecraft Country uma das interpretações mais fortes do ano passado. Antes de anunciar o destino, Kerry Washington honrou o amigo, lembrando de sua luz e presença com amor e saudade. Sua derrota evidencia uma frequente nada positiva: depois do Oscar fazer uso da imagem de Chadwick Boseman para atrair audiência e, na sequência, premiar um ator branco em seu lugar, o Emmy faz igual.
O segmento In Memoriam, apresentado pela ternura de Uzo Aduba e guiado pelas cordas sensíveis de Jon Baptiste e Leon Bridges, finalizava-se com um depoimento em vídeo de Williams, discursando sobre a sustentação que atores negros criam um para o outro. No fim das contas, a diversidade da lista de 2021 foi propaganda enganosa. Tobias Menzies venceu um Emmy pelo papel quase imperceptível do Duque de Edimburgo na 4ª temporada de The Crown. Michael K. Williams viveu Montrose Freeman com a garra de um campeão, e morreu sem prêmio algum da Academia.
A categoria de Ator, que deveria reconhecer Billy Porter pelo ano final de Pose (que só venceu na cerimônia técnica), acabou chamando o nome de Josh O’Connor, que deu vida ao monstruoso Príncipe Charles. Seu par, a Lady Di de Emma Corrin, foi surpreendida pela zebra Olivia Colman, a Toda-Poderosa-Rainha. Assustada, surpresa, emocionada e galante, Colman discursou com o magnetismo que virou sua marca registrada, mas a amargura de não poder assistir Mj Rodriguez fazer história no palco da Academia é grande demais para sorrir do “Michaela Coel, fuck yeah!”, que Colman soltou logo após homenagear o pai, vítima da pandemia.
Na semana anterior, The Crown havia vencido um importante indicativo do apoio da Academia: o Emmy de Atriz Convidada, para Claire Foy, que retornou em um flashback como a jovem Rainha (o episódio em questão, 48:1, também rendeu o prêmio de Olivia Colman). Contrariando especialistas, Charles Dance perdeu a categoria de Ator, que premiou Courtney B. Vance, na única lembrança “grande” de Lovecraft Country.
Melhor Série de Drama, que ano após ano fecha a cerimônia, foi a penúltima das categorias anunciadas em 2021. Na acertada decisão de reconhecer o prestígio das Séries Limitadas, o Emmy finalmente se curvou à Netflix e chamou a equipe de The Crown ao palco britânico, rendendo à pioneira do streaming seu primeiro prêmio de Série. Viu? Só precisou de uma pandemia, de atrasos gigantescos de produção e da HBO quase que de folga, para a Netflix ganhar os prêmios grandes. De fato, a emissora do ‘Tudum’ conseguiu 44 estatuetas e se igualou a um recorde da CBS, que venceu o mesmo número em 1974.
A categoria de Série Limitada dividiu mais suas honras que a de Drama, mas ainda assim houve uma aglomeração na cidadezinha de Easttown. Kate Winslet, Julianne Nicholson e Evan Peters subiram ao palco, agradeceram à HBO e ao elenco formidável de Mare of Easttown, sensação de 2021. Winslet venceu uma década depois de triunfar por Mildred Pierce, outra original da HBO com quem ela faz par romântico com Guy Pearce. Nicholson e Peters, nas categorias de Coadjuvante, venceram os primeiros Emmys da carreira.
A zebra veio em Ator, com o Visão levando rasteira do estilista mais sexy da Netflix: o próprio Halston. Em mês de Met Gala, Ewan McGregor foi recompensado por sua atuação extravagante e deliciosa na minissérie de Ryan Murphy. Com apenas essa nomeação na noite principal, McGregor exibiu seu charme inebriante, e na quarta nomeação, adicionou um Emmy à estante.
O prêmio de Roteiro em Série Limitada nos mostrou que ainda há bem no mundo. Michaela Coel, que sangrou suas dores em toda a concepção de I May Destroy You, confirmou um dos favoritismos mais merecidos do ano, e discursou sua poesia bruta e sincera. A festa parecia estar indo muito bem, até que Scott Frank foi chamado para receber o troféu de Direção, por seu trabalho milimetricamente calculado na desgastada O Gambito da Rainha.
O discurso do diretor, que também criou e escreveu a série, se estendeu por três minutos e meio, e sua falta de carisma tornou a leitura do papel uma das experiências mais desgastantes de acompanhar na noite. Na mesma semana em que a Netflix é processada por uma enxadrista por difamação, Frank achou de bom tom evidenciar a força feminina da produção.
Quando um produtor subiu ao palco, no fim da noite, para receber o Emmy de Melhor Série Limitada ou Antologia, ninguém aguentava o homem branco falando de diversidade, além de reduzir a atriz principal, dizendo que “Anya Taylor-Joy trouxe o sexy de volta ao xadrez”. Que sonho seria se Beth Harmon estivesse ali presente, para de uma vez por todas, dar, a mais um de seus adversários machistas, um xeque-mate.
Nos prêmios fora dos gêneros grandes, Last Week Tonight with John Oliver venceu Programa de Entrevistas e Variedades e Roteiro no segmento. O Saturday Night Live ficou, para surpresa de ninguém, com a categoria de Série de Esquetes, enquanto o programa eleitoral de Stephen Colbert triunfou na categoria de Especial de Variedades (Ao Vivo). Na parte de Variedades (Pré-Gravado), não deu outra: Alexander Hamilton!O musical filmado do Disney+ adicionou o Emmy à prateleira que já conta com 11 Tonys, 1 Grammy e 1 Pulitzer.
Em Programa de Competição, RuPaul’s Drag Race venceu. RuPaul, premiado com seu 11º Emmy, se tornou a pessoa negra com mais estatuetas, e agradeceu à juventude, ao lado de Gottmik e Symone, os grandes destaques da décima terceira temporada do reality. A grandiosa Debbie Allen, atriz, diretora, coreógrafa e lenda da Televisão, foi homenageada com o Governors Award, prêmio que honra a excelência em carreiras. Allen se tornou a segunda pessoa negra a receber tal honraria, depois de Tyler Perry no ano passado, e a primeira mulher negra. No discurso, ela foi enfática: o futuro está na juventude.
Chegando, enfim, na parte de Comédia, o Emmy 2021 dividiu seus prêmios principais entre duas fortes produções. Hacks, original do HBO Max, ficou com Roteiro e Direção (marcando a primeira vez em 73 anos que diretoras vencem juntas em Comédia e Drama), além da vitória de Jean Smart como Melhor Atriz. Ovacionada, aplaudida de pé e feliz da vida com o reconhecimento de sua outra “família” (Mare of Easttown), Smart dedicou o Emmy ao marido, falecido meses atrás, no processo de filmagens da produção.
O resto dos troféus do gênero foi para Ted Lasso. Abrindo a noite, Hannah Waddingham e Brett Goldstein não esconderam o sorrisão ao ouvirem seus nomes chamados como os Melhores Coadjuvantes de 2021. O senso de companheirismo reinou na equipe esportiva da Apple TV+, que ainda foi celebrada em Melhor Ator (para o majestoso Jason Sudeikis) e em Melhor Série de Comédia, com direito a abraços e lágrimas, e claro, muito amor pelo AFC Richmond.
Com a promessa da diversidade, que ia da maioria negra em atuação principal de Drama à ascensão dos heróis, o Emmy 2021 jogou seguro. O conservadorismo dos votantes resultou na ausência de vitórias significativas para The Boys, The Mandalorian e WandaVision, expoentes da fantasia que lotaram a lista de indicados, para saírem com quase nada embaixo do braço.
A oportunidade de fazer história com vitórias de Billy Porter, Mj Rodriguez, Michael K. Williams e I May Destroy You não foi páreo para a familiaridade da Coroa britânica ou do olhar masculino que hipnotiza uma partida de xadrez. Que o Emmy melhore, que o Emmy evolua e que o Emmy mostre, na prática, que as minorias que eles insistem em chamar para perder, enfim merecem a vitória. Abaixo, você lê tudo que aconteceu na 73ª edição do Oscar da TV pelas palavras da Editoria do Persona, que mergulha no passado, presente e futuro da televisão, comemorando recordes e lamentando injustiças. Até logo, Emmy 2021.
“Não vamos mais contar o que rolou semana passada” “Acabou”, “Não vai rolar”, “É um insulto”: dessa maneira se encerra o ciclo de onze anos da série que recepcionava com um atrativo recap e finalizava seus episódios com uma cena pós-créditos nível Marvel. Shameless é uma comédia com todos os modos de um bom drama. A produção gira em torno dos Gallagher: uma família disfuncional de seis irmãos, onde a mãe tem bipolaridade e abandonou o lar e o pai é um bêbado, drogado e negligente. Assim como grandes séries vide The Office e Skins, Shameless é um remake americano da série britânica de mesmo nome.
Antes mesmo da internet implicar com os ‘cringes’, Pen15 já abusava da vergonha alheia. Na série escrita e estrelada pelas atrizes Maya Erskine e Anna Konkle, as duas mulheres voltam à pior fase da vida, a pré-adolescência, para reviverem todos os terrores, estranhezas e também os prazeres de se ter 13 anos. Só tem um pequeno detalhe: as intérpretes das adolescentes, na verdade, já estão na casa dos 30.
Ao escolher contar a história de origem do famoso advogado da literatura e televisão americana, de investigador deprimido até advogado de defesa altruísta, a versão da HBO de Perry Mason acabou com a difícil missão de construir um mistério noir clássico e transformá-lo num drama jurídico. Infelizmente, na mudança de um gênero para outro, a primeira temporada da produção nunca acha um ritmo certeiro para o desenvolvimento do caso e de seus personagens, apesar de ter garantido quatro indicações no Emmy 2021.