O Massacre da Serra Elétrica ainda cheira à carniça

A imagem retangular é uma cena do filme. Ligeiramente à esquerda da foto, vemos em contraluz um homem de costas, com um paletó e calça e cabelos longos e embaraçados. Ele segura uma motosserra com mãos e braços para cima, aparentemente correndo em direção ao horizonte na foto. Ao fundo vemos um pôr do sol alaranjada na parte de cima da foto e na parte de baixo vemos um campo de mato e pequenas árvores.
Apesar do nome marcante, a serra de Leatherface não era elétrica – iria ser difícil matar pessoas preso a uma tomada (Foto: Bryanston Pictures)

Caroline Campos

O gênero slasher tem uma árvore genealógica complicada. Há quem diga que a Psicose de Norman Bates foi responsável por lançar às telas o movimento, enquanto outros apontam aquela noite de Halloween de Michael Myers como o verdadeiro merecedor dos créditos. Mas entre os esqueletos de Hitchcock e os gritos de Jamie Lee Curtis, há um nome que, quando pronunciado em toda a sua perversidade, remete automaticamente a gênese dos filmes de assassinos em série e, se você ainda não assistiu a O Massacre da Serra Elétrica, talvez o mês de outubro não seja para você.

Se a premissa de jovens levemente tapados e cheios de hormônios viajando em grupo e pedindo informações em postos de gasolina duvidosos soa familiar, agradeça a mente perturbada de Tobe Hooper que, em 1974, deu o pontapé inicial no terror adolescente. Subvertendo a cultura hippie e trazendo a mesa uma família canibal livremente inspirada nos horrores de Ed Gein, Hooper moldou o que hoje são elementos indissociáveis ao slasher, gênero que só viria se firmar, de fato, sob as mãos de John Carpenter quatro anos depois.

A imagem retangular é uma cena do filme. Na imagem vemos cinco pessoas nos bancos traseiros de uma van verde, sob um ângulo abaixo de todos e na região do porta-malas. À direita e à frente há um homem jovem, branco, loiro e com barba rala e camiseta azul desabotoada na região do peito, visto da cintura para cima e sentado. Atrás dele há um banco e podemos ver do pescoço para cima de uma mulher branca, jovem, loira e de cabelos lisos. Centralizada e abaixo vemos outra mulher loira, jovem, branca, de cabelos encaracolados, sentada no chão e de vestido azul, podendo vê-lá da cintura para cima. À sua esquerda e mais acima há um homem de cabelos encaracolados e curtos, branco, jovem, de óculos grandes e camiseta com estampas hippies. Por fim, há um homem atrás dele, também branco, mais gordo, de cabelo curto e preto, camisa cinza e calça jeans, sentado em uma cadeira de rodas de metal e detalhes pretos.
O Massacre da Serra Elétrica foi proibido em uma série de países, entre eles, o Brasil (Foto: Bryanston Pictures)

Com um tom documental que apavorou a pobre audiência setentista, The Texas Chainsaw Massacre segue intimamente a viagem dos irmãos Sally e Franklin Hardesty que, junto a mais três amigos, rumam aos confins do Texas para conferir se o túmulo do avô está entre os que recentemente haviam sido violados na região. Debaixo de um Sol imobilizante, a van verde-água do grupo dirige ingenuamente em direção à morte – que, coincidências à parte, mora bem ao lado da casa abandonada da família Hardesty.

O roteiro, assinado tanto por Hooper quanto por Kim Henkel, não possui muitos floreios ou grandes estudos de personagem, mas ainda consegue inovar dentro do nicho de filmes B da época. Um a um, os personagens de O Massacre da Serra Elétrica praticamente se jogam nos braços carniceiros de Leatherface e seus irmãos, como se a existência de uma placa que gritasse “não entre em casas de desconhecidos cheias de ossos” fosse necessária naquela altura do campeonato, em uma região quase deserta.

A imagem retangular é uma cena do filme. Na imagem vemos o interior de uma casa com paredes brancas e detalhes de madeira na parte de baixo, com uma escadaria de madeira à esquerda, uma porta semi aberta à direita e outra porta aberta centralizada à esquerda. Nesta porta há o personagem Leatherface, um homem alto, gordo, com uma máscara de couro simulando pele humana e cabelos pretos e desajeitados. Ele carrega em seu colo uma menina que está se debatendo.
Tobe Hooper surgiu com a ideia do filme enquanto estava em uma loja de departamento lotada de gente no final de ano; quando avistou a seção de ferragens e bateu o olho na motosserra, nasceu The Texas Chainsaw Massacre (Foto: Bryanston Pictures)

Brincando com o amarelo sufocante e o azul soturno das paisagens texanas, Tobe Hooper, ao lado do diretor de fotografia Daniel Pearl, constrói a atmosfera árida da obra de forma com que possamos sentir o verdadeiro perigo antes mesmo dele dar as caras – no caso, uma cara coberta com uma grande máscara de pele humana. Os minutos que antecedem a primeira aparição de Leatherface, interpretado por Gunnar Hansen, já dão dicas sutis da loucura que estaria por vir. 

Móveis feitos de ossos e corpos, luminárias de crânios, esqueletos das mais variadas espécies e vários freezers espalhados pela casa normalmente seriam o suficiente para evitar que não um, mas três dos cinco personagens fossem nocauteados por um dos mais reconhecíveis assassinos do Cinema, que, no lugar de facas ou armas, prefere utilizar uma belíssima motosserra para fazer seus filés de jantar. Seguindo pelo caminho mais cruel, Hooper ainda opta por fazer a mocinha ser perseguida por longos quilômetros até encontrar seu final feliz e histérico.

 A imagem é uma cena do filme. Na imagem vemos uma mesa centralizada na parte de baixo e ao redor uma camisa de paredes verdes com detalhes em madeira na parte inferior, luminárias e abajures, um tradicional e outro em forma de esqueleto. Sobre a mesa vemos pratos, talheres, e ossadas. Sentado à direita há um homem vestido com roupas femininas e uma máscara de couro com maquiagem. Na parte central da mesa há uma cabeça velha e cinza, aparentemente de uma pessoa muito idosa. Sentado à esquerda há dois homens, um na frente branco, jovem, magro, de cabelos pretos, longos e lisos e de camisa verde e outro atrás mais velho, com cabelos grisalhos, curtos e camiseta bege.
Marilyn Burns realmente se machucou durante as perseguições na floresta, tendo que tirar espinhos do peito após a cena; além disso, durante o infame jantar, Gunnar Hansen cortou o dedo da atriz porque a faca falsa não havia funcionado (Foto: Bryanston Pictures)

Violento, mas nem um pouco gráfico, o longa se espremeu entre o orçamento apertado e a locação insalubre para dar vida não só a um clássico cult do Terror como também a incontáveis anos de terapia para os envolvidos na produção. Marilyn Burns, pioneira na arte das final girls, pode ter entregado a heroína dos sonhos com a gritaria hipnotizante de Sally, mas, para isso, a atriz foi sujeita a situações reais de violência, especialmente na cena do jantar menos apetitoso da Sétima Arte.

Mesmo que O Massacre da Serra Elétrica seja uma sequência primorosa de picos de horror ao longo de seus 83 minutos, o clímax macabro do filme não é para qualquer um. Carnes à mesa, a primeira interação entre todos os membros da família texana cospe sadismo e assusta tanto pela intensidade dos acontecimentos quanto pela resistência da garganta de Burns. Depois de uma maratona de 26 horas de gravação para chegar ao resultado final, não é à toa que, até hoje, a cena cause desconforto físico nos espectadores.

A imagem retangular é uma cena do filme. Na imagem vemos o interior de uma casa com paredes brancas com detalhes de madeira na parte inferior. Em cima há cordões com ossadas amarradas e à esquerda há um esqueleto inteiro pendurado na parede. Centralizado à direita e na parte inferior, vemos da cintura para cima uma mulher jovem, branca, de cabelos loiros e lisos. Ela usa uma camiseta lilás e está amordaçada e com os braços presos para trás.
Robert Burns, diretor de arte do filme, transformou a fazenda em um verdadeiro inferno na Terra, espalhando animais em decomposição para a equipe entrar no clima de abatedouro (Foto: Bryanston Pictures)

Aquilo que começou com flashes de cadáveres, um tatu morto na estrada e uma carona para um maluco sustentou um batalhão de sequências, reboots, prequels, jogos e qualquer outra coisa que pudesse gerar lucro. No entanto, não há nada como o frescor pútrido de gasolina e abatedouro do filme de 1974. O que aterrorizou a audiência da época a ponto de render uma fuga em massa da salas de cinema não foi apenas os homicídios e o canibalismo; o fato de, a toda hora, nós sermos confrontados com a ideia da “coisa” causa um arrepio maior na espinha do que a “coisa em si”.

Ainda assim, sabendo que o Terror constantemente se utiliza do medo para retomar ansiedades sociais de forma metafórica, O Massacre da Serra Elétrica passa o tempo todo relembrando a seus espectadores o antigo emprego da família – que, no futuro, viria a ser a família Sawyer. Com uma crise de energia vigorando nos EUA e com a modernização dos abatedouros da região, os homens da casa foram para o olho da rua e, para se virar, abriram um postinho de gasolina na estrada que servia o melhor churrasco de todo o Texas. Teria o desemprego criado os desejos canibais de Leatherface e seus irmãos? Provavelmente não, mas a vida da classe trabalhadora nunca é fácil.

A imagem retangular é uma cena do filme. A imagem é completamente escura, só conseguimos ver ao centro a figura de Leatherface, o protagonista branco, alto, com cabelos pretos e embaraçados, que usa uma máscara de couro que imita a pele humana. Ele usa uma camisa social branca e um avental bege, enquanto segura uma motosserra e possui suas mãos ensanguentadas.
O coitado do Gunnar Hansen precisou usar a máscara de Leatherface por dias a mando de Tobe Hooper em um calor de 40º C para não perder a continuidade da cor do tecido (Foto: Bryanston Pictures)

Motivos à parte, o fato é que Tobe Hooper e sua equipe souberam criar com firmeza um filme que, seja pela ambientação grotesca, pelos personagens inesquecíveis ou pelo realismo brutal, ressoa até hoje nas obras de horror contemporâneas. No final, não somos capazes de afirmar se Sally Hardesty realmente saiu ganhando enquanto seu maior algoz protagoniza uma coreografia sangrenta em frente ao pôr do Sol, mas a heroína com sangue da cabeça aos pés garantiu uma vida mais longa do que seus companheiros de viagem.

Transformando seu custo de 300 mil dólares em um lucro de 30 milhões e praticamente guinchado à eternidade pelo seu serial killer mais assustado do que assustador, o pioneirismo de O Massacre da Serra Elétrica ainda respira com facilidade 47 anos depois. Não há quem tenha conseguido reproduzir a influência de um filme que cheira a podre do início ao fim e, depois que você chegar aos créditos finais dessa proeza caótica, passará a olhar para churrascos com outros olhos.

A imagem retangular é uma cena do filme. Na imagem vemos a traseira de uma caminhonete verde velha indo em direção ao horizonte nublado no fim de tarde. No centro da imagem e na caçamba no automóvel vemos uma mulher branca, loira, de cabelos loiros e lisos, de camiseta lilás e blusa cinza, coberta de sangue, segurando o carro e sorrindo com uma feição nervosa.
Sally Hardesty: scream queen e final girl (Foto: Bryanston Pictures)

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